Quem nunca viu um grupo de motoqueiros andando juntos na estrada, com coletes de couro padronizados, bota e óculos escuros? Esses são os motoclubes, ou motogrupos, coletivos de pessoas apaixonadas por motocicletas e que se organizam em volta de conceitos de hierarquia e disciplina, para apreciar suas máquinas e participar de ações sociais, entre outros encontros. Apesar de ser um universo essencialmente masculino, cada vez mais as mulheres ocupam seu lugar nos motoclubes e tem sua vez na direção.
A comerciante Ivanete Costa, 49 anos, mais conhecida como “Preta”, sempre gostou de motos. Aos 18 anos, começou a por o pé no acelerador. Aos 22, comprou sua primeira moto e não parou mais. Com o marido motoqueiro e essa paixão à flor da pele, ela frequentava eventos de motoclubes e sentia falta de um espaço feminino. Há 6 anos, então, decidiu criar um grupo exclusivo delas: o Feras no Asfalto. Começou apenas com Preta, duas sobrinhas e duas amigas. Hoje, tem 15 integrantes e é o único motoclube de mulheres da região Norte.
O Feras segue regras como qualquer outro motoclube: há uma hierarquia de organização, lema, valores e normas. Para participar, é preciso preencher um pré-requisito: ser louca por motos. Todas as feras, como em outros motoclubes, têm um nome de guerra. “Nosso lema é: lugar de mulher é no tanque... da moto!”, brinca Preta. “Aqui, todas as mulheres têm voz e encontram não só um espaço de lazer, mas também de filantropia”, conta a presidenta do clube, comentando a respeito das diversas ações sociais que fazem, como doação de alimentos.
CONTROLE
O grupo reúne uma diversidade de mulheres de idades, profissões e estilos diferentes. A manicure e trabalhadora doméstica Almeirinda dos Santos, ou Amiga Meire, comemora os seus 50 anos com muita atitude. Ela é uma fera desde o início do motoclube e guarda muitas memórias afetuosas. “Quando as mulheres conhecem o grupo, apaixonam-se, como aconteceu comigo. A gente tem um clima de amizade e vive muitos momentos que não viveríamos sozinhas”, acredita.
É o que sentiu Ruth Heloísa, ou Ruth Hellô, que tem 57 anos e é policial federal aposentada. Ela pilotava há muito tempo, mas nunca quis entrar em um motoclube. “Eu via só homem pilotando e as mulheres só acompanhando e isso não me interessava. Apenas no Feras encontrei um espaço que me atraiu”, confessa Ruth.
Foi como “garupeira” que a supervisora de serviços gerais Kelly Siqueira, 34, deu seu primeiro passo em motoclubes. Conhecida como Kelly Docinho, ela já pilotava antes, quando participava de outros grupos nessa posição de acompanhante, mas, quando conheceu o Feras do Asfalto, viu a chance de tomar o controle da moto. Docinho ainda é recente no grupo e está na fase de ser “amiga das Feras”. Apenas com um ano de experiência dentro do clube poderá usar o colete oficial.
(Foto: Mauro Ângelo)
Comportamento é levado a sério
Padronizadas com a roupa e adereços de oncinha, colete com detalhes rosa e muito preocupadas com a aparência, elas saem às ruas com os cabelos ao vento e o som do motor das motocicletas. “Ainda tem quem olhe para nós com certa estranheza, às vezes meio assustada, outras vezes admirada. A gente chama muita atenção no ambiente porque sempre andamos juntas”, conta Docinho.
E seus limites não ficam no Pará. As feras já foram a lugares distantes, como São Luís, no Maranhão, e se planejam para pegar estrada até Brasília (DF) no ano que vem. Mas, antes de ligar a moto, elas prezam pela regra primordial: a segurança no trânsito. Só pode ir às ruas se for em conjunto, uma ao lado da outra, para que possam ter apoio por perto. Além disso, ninguém sai se não portar capacete, luva, jaqueta, calça e bota adequadas e se não estiver com a revisão completa da moto em dia. “Levamos muito a sério também o comportamento da integrante. É proibido consumir bebida alcoólica quando dirige e se deve sempre estacionar corretamente, respeitar o grupo, fazer uma direção defensiva, respeitando as leis, e evitar ao máximo qualquer tipo de acidente”, explica a presidenta Preta.
Cristal (centro), Antônia (à frente) e Liz. Mulheres se organizam para ações filantrópicas e eventos do clube de motoqueiros Independentes (Foto: Mauro Ângelo)
Nos clubes masculinos, elas também são protagonistas
Mesmo quem nunca pilotou se atrai pelas duas rodas. A professora Vandréia Ferreira, 34 anos, conhecida como “Cristal”, já olhava com admiração para as motos. Quando conheceu o marido Marcos Carvalho, 43, cujo nome de guerra é Anthilles, se envolveu de vez com o universo das motocicletas. Há 3 anos, ele fundou o motoclube Independentes, e ela entrou no cargo de primeira dama.
Cristal é responsável pelos projetos filantrópicos e pela orientação que se dá às garupeiras que entram no grupo. No grupo, 11 esposas de pilotos são garupeiras. No Independentes, as mulheres estão sempre com os maridos nas viagens e reuniões e também podem fazer sugestões. E elas aproveitam esse espaço o máximo possível.
Juntas, elaboram ações sociais, pensam em projetos e atuam nos eventos do motoclube. Mas Cristal já pensa em levar adiante sua participação e aprender a pilotar também. “A gente tem uma paixão pela motocicleta. Não tem nada melhor que sentir o vento no rosto e conhecer pessoas novas”, conta.
Até a mãe de Cristal, Antônia Ferreira, 65, decidiu participar. O clube é uma das opções de lazer que Antônia encontrou depois da aposentadoria e hoje divide seu tempo entre os motoqueiros e a Igreja católica, onde participa do Apostolado da Oração. Conhecida no Independentes como a “madrinha”, ela não é membro oficial, mas age como uma verdadeira mãe, abrindo suas portas para todos, ajudando nas ações sociais e dando ideias.
Ela é exemplo de que o motoclube vai muito além de motos, pois a aposentada não anda a duas rodas, mas acompanha de carronas viagens. “É como uma família mesmo. É gratificante para mim porque conheci várias pessoas e me sinto bem nesse ambiente.”
(Alice Martins Morais/Diário do Pará)
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