Era noite do dia 1 de setembro quando Danilo Marques, de 29 anos, chegava à casa da sua mãe, que fica na Passagem Boca do Acre, no bairro do Telégrafo, periferia de Belém. Um carro preto, modelo Prisma, e com os vidros peliculados, se aproximou em baixa velocidade. O rapaz, acreditando que o veículo precisava de mais espaço para passar pelo local, desceu da moto e começou a empurrá-la para a calçada.Foi então que uma das portas do carro preto se abriu e de dentro dele saiu um homem, com um capuz na cabeça. Apoiou um pé no chão e o outro pé ficou dentro do carro. Com uma arma de fogo em punho, efetuou vários disparos contra Danilo.
A vítima foi socorrida e levada para o Hospital Pronto-Socorro Municipal Mario Pinotti, o PSM da 14, em estado grave. Um dos tiros lhe acertou a cabeça e o rapaz veio a falecer na segunda-feira seguinte, dia 5.
Na noite do dia 3 de setembro, Thabata Carvalho, de 28 anos, estava na porta da casa onde morava com o marido, na Passagem São Benedito, bairro do Barreiro, quando um carro prata – modelo não identificada e placa desconhecida – passou e seus ocupantes começaram a disparar contra um grupo de rapazes que estavam na rua. Um dos tiros acertou Thabata, que estava grávida de 7 meses. Ela foi socorrida e levada para a Unidade de Pronto Atendimento da Sacramenta, em seguida transferida para a Santa Casa. Ela e o bebê morreram no dia seguinte.
No dia 28 de agosto, 8 pessoas deram entrada no Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência, em Ananindeua, vítimas de ferimento por arma de fogo. Eles estavam em um bar, no bairro de Águas Lindas, quando um carro prata passou e os ocupantes saíram atirando em todo mundo que estava na rua. Apesar dos ferimentos, ninguém morreu.
As três histórias citadas ocorreram em bairros diferentes da Região Metropolitana de Belém e todas tem em comum um crime cometido por ocupantes dos misteriosos carros preto e prata – presente na maioria dos homicídios que tem sido registrado na grande Belém. No entanto, nem sempre as vítimas destes carros morrem no local, como no caso de Danilo e Thabata, que chegaram a ser socorridos. Também não foi comprovado envolvimento destas vítimas com o mundo do crime e muito menos são policiais.
O detalhe é que estas histórias nos remetem a alguns pontos tão obscuros e enigmáticos que continuam a mexer com o imaginário da população que ora vive assustada e com medo desses veículos – chegando a acreditar até na existência de uma espécie de toque de recolher - ora os veem como um símbolo da justiça com as próprias mãos.
Até então, a Polícia Civil não tem dados relacionados especificamente sobre o uso de carros, em especial o preto ou o prata, em homicídios e atentados. Em muitas das ocorrências investigadas as informações a respeito destes carros não são precisas e durante o inquérito a polícia constata que os suspeitos não estavam no carro prata ou preto.
Entre janeiro e abril desse ano, o DIÁRIO noticiou pelo menos 37 homicídios em que carros pretos e pratas estiveram presentes. Isto resulta numa média de a cada 3 dias uma pessoa foi morta por ocupantes de um carro preto ou prata.
(Foto: divulgação)
Veículos estão ligados a cultura punitiva, diz psicólogo
A pedido do DIÁRIO, o psicólogo Paulo Monteiro fez uma análise em relação ao comportamento psicológico dos moradores de Belém que já criaram um imaginário para a figura dos carros prata e preto. De antemão, ele pontuou que a simbologia destes veículos precisa ser compreendida a partir da reflexão sobre uma população desamparada pelo Estado, no que se refere a Segurança Pública, e vítima de desigualdades sociais.
“Eles (os carros pretos e pratas) estão ligados a uma cultura punitiva, mesmo que esta punição ocorra separada das instituições jurídicas estabelecidas pelo Estado”, destacou.
Para ele, a atribuição da imagem de “Justiceiros” aos carros pretos e pratas é fruto de uma fantasia messiânica da sociedade, que desamparada de políticas públicas de segurança, enxerga estes “justiceiros” como uma espécie de “Messias”, “salvadores”. “Junta-se à este fato, a ineficiência do Estado em resolver os conflitos sociais, perdendo o controle da segurança da população, levando as pessoas à quererem agir por conta própria”, comentou o psicólogo.
Paulo Monteiro chama a atenção para outro ponto, que pode ser considerado uma dos mais preocupantes para a Psicologia e para o futuro da sociedade que é o fato de que, diante de um cenário de violência e insegurança, existe um grupo de pessoas que preferem que a ordem social seja imposta com mais violência. “Isto é um adoecimento social crônico”, frisou.
Em outras palavras, o psicólogo ressalta que o problema da violência não pode e nem será solucionado com mais violência.
(Denilson D´Almeida/Diário do Pará)
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