Olhos marejados, semblante carregado, tapa na mesa e xingamentos. A despedida de Rodrigo Maia (DEM-RJ) da presidência da Câmara dos Deputados foi marcada nesta segunda-feira (1º) por embates com aliados e rompantes, não cumpridos, de retaliar Jair Bolsonaro (sem partido) deflagrando um dos cerca de 60 pedidos de impeachment que há contra o presidente da República.Ao encerrar quatro anos e meio no comando da Câmara, Maia passou por uma das maiores derrotas de sua trajetória na política: o DEM, partido que ele já presidiu, decidiu deixar o bloco de apoio a Baleia Rossi (MDB-SP), candidato que ele escolheu para sua sucessão.
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O processo de renovação da presidência da Câmara joga sombras sobre o futuro político do deputado, hoje com 50 anos.Em uma frente, revela a perda de ascendência sobre a própria sigla, da qual era considerado um dos caciques. Em outra, reduzem as chances de que ele assuma papel de protagonismo nas articulações de partidos de centro-direita que buscam uma alternativa, em 2022, a Bolsonaro na Presidência.
A decisão de saída do DEM do bloco articulado por Maia foi capitaneada pelo presidente da sigla, até então um dos seus maiores aliados, ACM Neto, ex-prefeito de Salvador. O choque de Maia foi tão grande, segundo relatos de aliados, que o deputado com o dedo em riste em direção a Neto afirmou que iria ao STF (Supremo Tribunal Federal) caso a sigla migrasse para o bloco de Arthur Lira (PP-AL), rival de Baleia.
Em ligação telefônica dias atrás, chegou a dizer a ACM que o DEM corre o risco de virar o "partido da boquinha" devido à forte atuação do Palácio do Planalto na oferta de cargos e verbas federais a obras apadrinhadas pelos deputados, o que incluiu parlamentares da sigla.Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o presidente do DEM foi chamado de traidor, e Maia avisou ao correligionário que deixaria o partido. Ao longo da madrugada do dia 1º, o ainda presidente da Câmara trocou mensagens com Neto e outros colegas parlamentares que tentaram convencê-lo a abdicar da ideia de deixar o DEM.
Maia, no entanto, permanecia irredutível até a noite desta segunda-feira. São apontados como possíveis destinos o PSDB e o PSL.A avaliação de pares de Maia é que ele disse que sairia do DEM no calor da emoção. A impulsividade, um dos traços da personalidade do político, também é o argumento encontrado por pessoas próximas para justificar as ameaças que fez de que daria aval a um pedido de impeachment contra Bolsonaro no último dia de gestão.Como a Folha de S.Paulo revelou na última quinta-feira (28), o presidente da Câmara havia indicado a ao menos três políticos que poderia dar a largada no impeachment. Naquele mesmo dia, Maia negou que aceitaria algum dos cerca de 60 pedidos na gaveta dele. No domingo (31), porém, após a decisão do DEM, reafirmou a intenção.
Em resposta à ameaça, Bolsonaro disse nesta segunda desejar que seu desafeto "seja feliz" e que "tudo acaba um dia". "Meu mandato vai acabar um dia. Nós devemos nos preparar para este momento aí."Já nesta segunda, Maia disse que nunca afirmou que acataria um dos pedidos de impeachment. "Vocês ficam ouvindo as pessoas e não confirmam comigo", disse o parlamentar, que foi alvo durante todo o dia de uma "operação acalma Maia" feita por aliados e integrantes do governo.
A culpa de parte da derrocada de Maia é atribuída por pessoas próximas e integrantes do DEM ao próprio deputado.Ainda no ano passado, sob o discurso oficial de que a prioridade era o combate à Covid-19, Maia segurou ao máximo a definição sobre sua sucessão, acalentando, nos bastidores, a possibilidade de concorrer a mais um mandato. No centrão, a candidatura de Lira vinha sendo trabalhada há alguns anos.A pá de cal nas pretensões de Maia vieram com a decisão apertada do Supremo que vetou a possibilidade de reeleição dele e de Davi Alcolombre (DEM-AP) –o que trouxe ainda, como fator adicional, o rompimento com o colega do Senado, que creditou a decisão do STF à insistência de Maia de concorrer ao quarto mandato consecutivo.
Após isso, Maia ainda teve dificuldade de definir, entre os vários aliados a quem acalentou esperança, o seu candidato. Como ocorre normalmente nesses casos, após a escolha de Baleia, alguns dos preteridos passaram a atuar como adversários na disputa, em especial Marcos Pereira (Republicanos-SP) e o colega de partido Elmar Nascimento (DEM-BA), ex-líder da bancada.Por fim, a costura de Alcolumbre com o Planalto para emplacar Rodrigo Pacheco (DEM-MG) como presidente do Senado também contribuiu para minar o capital político de Maia e de seu candidato, já que o apoio do centrão a Pacheco inibiu ações mais contundentes dentro do próprio DEM em prol de Baleia.
Nesta segunda, horas antes da eleição da Mesa Diretora, em novo capítulo da guerra que foi deflagrada entre parlamentares considerados independentes e aliados de Jair Bolsonaro, Maia protagonizou um bate-boca com Lira durante reunião da direção da Câmara.Eles discutiram em torno de um entrave com o PT nas regras de ocupação dos demais cargos da Mesa Diretora. Segundo relatos, Maia disse a Lira que ele não estava em Alagoas após o candidato de Bolsonaro dar um tapa na mesa. Lira rebateu afirmando que Maia não estava em um morro no Rio de Janeiro.Não só as derrotas políticas conspiram contra o futuro político de Maia.
A perda do poder de quatro anos e meio que lhe credenciou como uma das principais vozes da República, a ponto de o seu apoio assegurar mandatos –no caso do ex-presidente Michel Temer (MDB)– ou barrar ações presidenciais –no caso de Bolsonaro–, se esvai quase que instantaneamente.Desde a redemocratização do país, em 1985, é bem maior a lista de presidentes da Câmara que deixaram o poder direto para um relativo ostracismo –ou para um destino pior, a cadeia– do que aqueles que saíram de lá para alçar maiores voos.Dos antecessores de Maia neste século, apenas dois assumiram um papel de maior relevo nos anos posteriores, mas ambos, Temer e Aécio Neves (PSDB-MG), tinham forte ascendência sobre os seus partidos, situação bem diferente da de Maia, atualmente.
Maia é deputado federal no sexto mandato consecutivo, que só termina em janeiro de 2023. Até lá, porém, terá que conviver na condição de oposição na Câmara, situação que conheceu de perto de 2003 a 2016.Nesse período, apesar de ter comandado o DEM nacionalmente, ele passou por longo período de ostracismo. Foi resgatado politicamente por Eduardo Cunha (MDB-RJ), que lhe deu papéis de comando nas discussões da reforma política.O rompimento com o emedebista em 2016, pouco antes da queda de Cunha, além de outras atitudes –ele havia votado em 2015 a favor do ajuste fiscal do então ministro da Fazenda de Dilma Rousseff (PT), Joaquim Levy–, lhe credenciaram a obter o apoio da oposição, vencer o centrão e conquistar o primeiro de seus três mandatos.
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