O presidente Jair Bolsonaro ingressou na tarde desta sexta-feira (20) com um pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Além da destituição do cargo, Bolsonaro pede o afastamento do ministro de funções públicas por oito anos.
A formalização ocorre no dia em que a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do cantor Sérgio Reis e do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), aliados do presidente. As medidas foram solicitadas pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e autorizadas por Moraes.
Auxiliares palacianos viram na apresentação do pedido uma reação de Bolsonaro à operação da PF. Ele havia anunciado que também pediria o afastamento do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, o que não ocorreu.
Em entrevista às emissoras Record e SBT na noite desta sexta, Bolsonaro disse que o pedido contra Barroso será apresentado "nos próximos dias". "Não é fácil fazer um pedido, tem que ter muito equilíbrio, tem que buscar materialidade, tem que estudar bastante. Não pode apresentar por apresentar. Priorizamos esse pedido [de impeachment] do senhor Alexandre de Moraes e, nos próximos dias, ultimaremos um segundo pedido."
O STF repudiou a ação de Bolsonaro. Nota oficial sem assinatura, em nome de todo o tribunal, afirmou que a corte "manifesta total confiança" em Moraes.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou que não vai se render a "nenhum tipo de investida que seja para desunir o Brasil". "Eu terei muito critério nisso, e sinceramente não antevejo fundamentos técnicos, jurídicos e políticos para impeachment de ministro do Supremo, como também não antevejo em relação ao impeachment de presidente da República."
Não há precedente na história brasileira de um presidente da República pedir o impeachment de um ministro do STF.
No último sábado (14), um dia após a prisão de seu aliado Roberto Jefferson, Bolsonaro anunciou que iria ingressar com o pedido. A detenção do ex-deputado ocorreu também por ordem de Moraes após ataques às instituições.
No Facebook, o presidente publicou o documento e disse: "Protocolada no Senado denúncia contra o Ministro Alexandre de Moraes do STF, com pedido de destituição do cargo.
Ao justificar o pedido, Bolsonaro afirma que o ministro cometeu crime de responsabilidade no âmbito do inquérito das fake news, no qual o mandatário foi incluído por Moraes por ataques ao sistema eleitoral.
Segundo Bolsonaro, os atos praticados pelo ministro "transbordam os limites republicanos aceitáveis" e Moraes não "tem a indispensável imparcialidade para o julgamento dos atos" do presidente da República.
Na peça, o chefe do Executivo ainda diz que o ministro "comporta-se de forma incompatível com a honra, a dignidade e o decoro de suas funções, ao descumprir compromissos firmados ao tempo da sabatina realizada perante o Senado Federal".
"Como demonstrado, o denunciado tem se comportado, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como um juiz absolutista que concentra poderes de investigação, acusação e julgamento", diz Bolsonaro.
O presidente também reclama do fato de Moraes ter acolhido a notícia-crime do TSE e ter decidido investigá-lo por suposto vazamento de dados sigilosos de inquérito da Polícia Federal sobre invasão hacker à corte eleitoral em 2018.
"A notícia-crime é encaminhada pelo Excelentíssimo ministro Alexandre de Moraes (e seus pares, do TSE) para o próprio Excelentíssimo Ministro Alexandre de Moraes, no STF. Pior, sem a oitiva do Ministério Público Federal", diz em outro trecho.
O pedido de impeachment foi assinado pelo próprio presidente da República, o que é incomum. Em processos do chefe do Executivo, quem geralmente assina é a AGU (Advocacia-Geral da União), atualmente sob o comando de Bruno Bianco.
Se o advogado-geral assinasse a peça, ficaria numa saia-justa. Ex-secretário especial da Previdência, Bianco assumiu o cargo no começo de agosto. Em menos de um mês, já iria se indispor com o STF.
Sem a presença de autoridades, o protocolo dos pedidos de impeachment nesta sexta foi bem diferente do que Bolsonaro havia planejado inicialmente.
A ideia era levar pessoalmente os documentos, acompanhado de ministros do governo, às mãos do presidente do Senado. No entanto, os pedidos foram protocolados por um funcionário da Presidência, no início da noite desta sexta-feira, quando Brasília, em especial o Congresso, está esvaziada. Até mesmo Pacheco estava fora da capital federal, participando de um evento em São Paulo.
Diante da resistência de Bolsonaro em ceder, ministros palacianos trabalhavam com a hipótese de convencê-lo ao menos a não fazer um ato político em torno dos pedidos. Na avaliação deles, isso traria um constrangimento ainda maior para os parlamentares, em especial para Pacheco.
Enquanto o pedido era protocolado, Bolsonaro estava no interior de São Paulo. Fora da agenda, foi a Iporanga e, depois, a Eldorado.
Uma ala de ministros do Supremo admite que o pedido de impeachment não colabora para a pacificação entre os Poderes, mas ainda acredita que a temperatura vai baixar.
Já um ministro do TSE disse se tratar de uma declaração de guerra. Ele acredita que nem Bolsonaro, nem Moraes estão dispostos a distensionar. Apesar de o presidente ter anunciado que protocolaria o pedido nesta semana, auxiliares palacianos diziam acreditar que estavam ganhando tempo para dissuadi-lo.
Mas mesmo os que duvidam do recuo de Bolsonaro foram pegos de surpresa com a apresentação do pedido.
A representação de Bolsonaro vai entrar em uma fila atrás de outras 17 iniciativas de abertura de investigação contra os ministros do STF que tramitam no Senado, responsável por processar e julgar os membros da corte. Ao todo, há 10 pedidos contra Moraes e 5 contra Barroso -alguns, no entanto, solicitam a abertura de processos contra mais de um ministro.
Essa quantidade se refere a apenas os ingressados neste ano. Antes de deixar a presidência do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) arquivou todos os existentes até então.
Ao longo desta semana, Pacheco fez alertas a Bolsonaro e disse que não considerava recomendável a abertura de processos de impeachment de ministros do STF neste momento.
Embora tenha dito que iria considerar a iniciativa de Bolsonaro, Pacheco afirmou que um pedido como esse poderia prejudicar a "pacificação" da sociedade brasileira.
O senador também foi ao Supremo na quarta-feira (18) conversar com o presidente da corte, Luiz Fux, para tentar amenizar a crise provocada entre os Poderes. Ele pediu para que Fux reconsiderasse e remarcasse a reunião que estava prevista entre os chefes dos três Poderes, mas que havia sido cancelada pelo ministro após os ataques de Bolsonaro ao Judiciário.
No mesmo dia, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, também esteve com Fux e fez um apelo para que a reunião fosse retomada. O chefe da corte, entretanto, não garantiu que remarcaria o encontro. Aos dois afirmou apenas que irá reavaliar. No encontro com Ciro, Fux disse que vai esperar os desdobramentos da crise.
O presidente do STF sinalizou que aguardaria os próximos dias para ver se Bolsonaro está disposto a baixar a temperatura ou seguirá com os ataques a membros da corte.
Na quinta, Pacheco fez mais um aceno ao Planalto e deu início aos trâmites das indicações de André Mendonça para o STF e da recondução de Augusto Aras para mais dois anos à frente da PGR.
As mensagens estavam paradas desde julho no Senado e aguardavam o encaminhamento para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), onde os indicados serão sabatinados.
O ato de Pacheco era esperado por governistas como parte das concessões que cada Poder está fazendo para pacificar as relações em meio a uma crise iniciada com ataques golpistas de Bolsonaro às eleições.
Aliados do presidente também o pressionaram para que ele esfriasse a crise entre os Poderes. Na terça, em entrevista a uma rádio de Cuiabá, Bolsonaro chegou a sinalizar uma trégua e afirmou reconhecer a independência do Legislativo e disse que não iria cooptar senadores para quem apoiassem o pedido de impeachment dos ministros.
Nesta sexta, o governo Bolsonaro também ingressou com uma ação no STF em que pede que seja anulado o artigo do regimento interno da corte que permite a instauração de inquérito de ofício, ou seja, sem pedido do Ministério Público. O processo foi apresentado pela AGU.
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