A pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios), censurou reportagens do UOL sobre transações imobiliárias da família Bolsonaro em dinheiro vivo e determinou que o conteúdo fosse retirado do ar e das redes sociais.
O magistrado concedeu liminar (determinação provisória e urgente) nesta quinta (22), após os advogados de Flávio recorrerem de decisão da 4ª Vara Criminal de Brasília contrária aos pedidos do filho do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL).
O UOL informou que cumpriu a decisão, mas irá recorrer. A advogada do portal, Mônica Filgueiras Galvão, diz que "a decisão viola precedentes estabelecidos no sistema jurídico brasileiro e pretende retirar do debate público, às vésperas da eleição, informações relevantes sobre o patrimônio de agentes públicos".
Mansão de Bolsonaro teve dinheiro por fora, diz ex-empregado
Bolsonaro atribui a ex-cunhado imóveis pagos em dinheiro
O desembargador ainda ordena que conteúdo relacionado às publicações seja apagado das redes sociais da jornalista Juliana Dal Piva, que é autora das reportagens com o jornalista Thiago Herdy.
Demetrius Gomes Cavalcanti afirma que as reportagens usaram informações de investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o uso de dinheiro em espécie sobre compras realizadas pelos filhos do presidente. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou parte dos dados da investigação, oriundos de quebra de sigilo bancário e fiscal.
Segundo o pedido da defesa de Flávio, as reportagens "buscaram amparo em um vazamento ilegal de informações, promovido no âmbito de investigação sigilosa, elementos informativos estes que foram anulados pelo Superior Tribunal de Justiça".
"É sabido que tais fatos foram obtidos de forma ilícita, porquanto vazados de inquérito policial que foi anulado pelo Superior Tribunal de Justiça, pode-se concluir que a divulgação de tais dados mostra-se abusiva", disse o magistrado, ao decidir pela censura ao UOL.
Ele afirma que a decisão foi dada com urgência "haja vista a aproximação de pleito eleitoral, no qual concorre a cargo público, de notória expressividade, o pai do requerente, sendo que a continuidade na divulgação das referidas matérias trará, não só aos familiares, como ao candidato e ao Requerente, prejuízos em relação à sua imagem e honra perante a opinião pública, com potencial prejuízo à lisura do processo eleitoral".
As reportagens do UOL sobre o tema, publicadas a partir do último dia 30, afirmam que desde os anos 1990 o presidente, irmãos e filhos negociaram 107 imóveis, dos quais ao menos 51 foram adquiridos total ou parcialmente com o uso de dinheiro vivo. O valor gasto desta forma foi, segundo a apuração, de R$ 13,5 milhões.
Com isso, uso de dinheiro vivo em condições suspeitas voltou a atingir o presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral à Presidência.
Transações em espécie não são crime, mas podem ter como objetivo dificultar o rastreio de valores de fontes ilegais. Dados obtidos por órgãos de investigação e imprensa mostraram que a família Bolsonaro, em especial o senador Flávio Bolsonaro, movimentou R$ 3 milhões em dinheiro vivo.
Para o Ministério Público do RJ, o filho do presidente utilizou recursos provenientes do suposto esquema da "rachadinha" em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa para comprar imóveis e pagar despesas pessoais.
Dados da investigação mostraram que Bolsonaro também teve, quando deputado federal, transações e práticas semelhantes às que levantaram suspeita contra seu filho mais velho.
Após a decisão que determinou a remoção do conteúdo do UOL do ar, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que disputa a presidência contra Bolsonaro, ironizou o episódio nas redes sociais.
"Será que o Bolsonaro também vai querer colocar sigilo de 100 anos na matéria do UOL sobre compra de imóveis em dinheiro vivo?", disse Lula.
Segundo publicou o UOL, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) "vê com muita preocupação uma decisão judicial que manda retirar um conteúdo que é baseado em fatos, em documentos".
"Não há nenhuma inverdade nesse conteúdo. A gente acha que o Judiciário extrapola quando toma esse tipo de decisão porque cerceia o debate e impede que as pessoas tenham acesso a informações importantes. Inclusive a inicial, o pedido, é baseado no fato de que essas informações já são públicas", diz Katia Brembatti, presidente da associação.
Em nota, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) protestou contra a medida, que seria "mais um ato contra a liberdade de imprensa no Brasil" e estaria "privando os cidadãos do direito de serem livremente informados".
"A ANJ espera que a decisão seja revista o quanto antes, de modo que a população tenha restabelecido o seu direito de acesso à informação", afirmou a organização.
Na segunda-feira (19), ainda segundo o UOL, o juiz Aimar Neres de Matos, da 4ª Vara Criminal de Brasília, havia rejeitado a censura à reportagem, solicitada pelos advogados de Flávio. Na ação, eles também alegavam que os jornalistas praticavam crimes de calúnia e difamação, hipótese negada liminarmente pelo juízo.
No caso de crimes contra a honra, a lei determina que a iniciativa de pedir a abertura de processo é da parte que alega ter sofrido a ofensa. O Ministério Público é chamado a se manifestar sobre o recebimento ou não da denúncia, cuja aceitação marca o início do processo.
Na última sexta (16), o promotor Marcos Juarez Caldas de Oliveira se manifestou pelo não recebimento da queixa-crime oferecida pelo senador por considerar que não havia indícios de crimes de calúnia e difamação nas reportagens publicadas pelo UOL.
"Após análise da matéria veiculada, verifica-se que não restou demonstrada a prática dos delitos de calúnia e difamação; o conteúdo jornalístico não apresentou ofensa à honra e à dignidade do querelante", escreveu o promotor.
"É cediço que para a configuração de crime de calúnia é imprescindível a imputação de fato criminoso falso, o que nitidamente não ocorreu no presente caso. No que concerne ao crime de difamação, observa-se que os jornalistas limitaram-se a noticiar fatos e a informar situações que foram objetos de investigação pelo Ministério Público", detalhou o representante do Ministério Público.
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar