Em meio a divergências relacionadas à situação política relacionada às eleições presidenciais venezuelanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou em Santiago, no Chile, na noite deste domingo (4), para reunir com o presidente chileno Gabriel Boric.
Os presidentes devem celebrar acordos comerciais entre os países. A reunião deveria ter acontecido em maio, mas foi adiada por conta do desastre no Rio Grande do Sul. Com o adiamento, foi possível ampliar o número de acordos, que chega a quase 20 em setores que vão desde direitos humanos até ciência e tecnologia.
Além disso, Lula participará de encontro realizado pela Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) que reunirá cerca de 500 empresários brasileiros e chilenos.
A viagem agora coincide com a crise na Venezuela, principal ponto de divergência entre os dois países.
O Itamaraty e o Planalto tem feito o esforço de não ofuscar a agenda positiva com a controvérsia do momento. Mas, como disse um auxiliar de Lula, Venezuela é um elefante na sala e será tratado na reunião bilateral entre os presidentes, ainda que não seja o tema principal.
Na eleição no último dia 8, o ditador Nicolás Maduro diz ter sido reeleito, numa disputa marcada por controvérsias e contestada pela oposição. Chile e Brasil tiveram diferentes respostas.
Boric, já no dia seguinte, disse que os resultados eram difíceis de acreditar, se aproximando até de países mais à direita na região, como Argentina, que de pronto deslegitimaram a disputa venezuelana.
"O regime de Maduro deve compreender que os resultados são difíceis de acreditar. A comunidade internacional e especialmente o povo venezuelano, incluindo os milhões de venezuelanos no exílio, exigem total transparência das atas e do processo. [...] Do Chile não reconheceremos nenhum resultado que não seja verificável", disse.
Já o governo brasileiro tem buscado uma solução diplomática com outros países governados pela esquerda na região, Colômbia e México. A postura é de não reconhecer a reeleição de Maduro, mas tampouco declarar a vitória do opositor Edmundo González, e pedir uma verificação imparcial dos resultados da eleição, com a apresentação das atas de votação.
O presidente Lula, quando rompeu o silêncio sobre a disputa envolvendo o aliado antigo, disse não ver "nada de anormal" em relação à contestada reeleição de Nicolás Maduro na Venezuela. Em entrevista a um canal afiliado à TV Globo, Lula descreveu a situação como "um processo" em curso.
"Vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nada de anormal. Teve uma eleição, teve uma pessoa que disse que teve 51%, teve uma pessoa que disse que teve 40 e pouco. Um concorda, o outro não", afirmou, acrescentando que quem deveria arbitrar a decisão é a Justiça.
A declaração repercutiu mal até mesmo entre aliados, que admitiram ter sido mal colocada. Desde então, o presidente tem evitado comentar o caso publicamente. A repercussão negativa da fala teve o efeito de ofuscar uma ligação do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a Lula, em que ele destaca o papel do Brasil de intermediador da crise na região.
Dois dias depois do telefonema, os Estados Unidos decidiram reconhecer o opositor Edmundo González como presidente eleito na Venezuela. E, na avaliação de auxiliares de Lula, a atitude não inviaibiliza, mas prejudica a solução diplomática buscada por Brasil, Colômbia e México.
A Venezuela já teve ao menos 1.200 pessoas presas em protestos contra a reeleição de Maduro, além de ao menos 11 mortos.
Interlocutores de Lula acreditam que o tema surgirá na conversa com Boric, mas esperam que os líderes não foquem na crise. De acordo com eles, os dois lados sabem que pensam diferente sobre a crise e não haverá tentativa de convencimento por entender que não é o momento.
A secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, Gisela Padovan, disse que a programação da viagem não inclui "nada especificamente" sobre Venezuela. "É mais do que natural que dois presidentes conversem sobre a região. O momento privado é momento de falar livremente, mas [Venezuela] não é tema da agenda", disse a jornalistas.
Há uma avaliação no entorno de Lula que a reação de Boric a Maduro é uma foi motivada por questões relacionadas à política doméstica. O Chile é um dos países da América do Sul mais afetados pelo êxodo de venezuelanos, assim como o Brasil --mas, no caso chileno, a presença de imigrantes venezuelanos é proporcionalmente maior em relação à população local.
Segundo o professor da Universidade Federal de Roraima João Carlos Jarochinski, especialista nesta temática, hoje os venezuelanos representam 8% da população chilena, de cerca de 19 milhões de pessoas. E ele diz que o governo tem políticas que dificultam a regularização dos venezuelanos, numa postura que chamou de contraditória à esquerda tradicional latino-americana.
"É um pais muito dividido hoje, essa logica de migração e grupos criminosos organizados é algo que sempre gera problemas", disse, em referência à facção Tren de Aragua, que aumentou sua influência na região.
"Mas Boric é de uma esquerda distinta de Lula em pautas mais de política identitárias. Em gênero, por exemplo, eles têm posição clara, metade do gabinete é de mulheres. Não que o PT não tenha, mas há também vinculação com regimes antidemocráticos, como Nicarágua, Cuba e Venezuela. Boric tem uma defesa mais radical da democracia. No caso brasileiro, mesmo com tentativa de golpe do ano passado, a incidência da critíica do Boric [a esses países] é muito mais forte", completou.
Em nota, o PT reconheceu a vitória de Maduro e disse que o processo eleitoral foi uma "jornada pacífica, democrática e soberana".
Lula e Boric estiveram juntos no ano passado, durante a cúpula Celac-UE, num episódio que também foi marcado pela divergência em torno da Guerra da Ucrância.
O chileno criticou autoridades latino-americanas que não concordaram com a inclusão de uma menção à Rússia no comunicado final. Lula reagiu e chamou-o de "sequioso e apressado".
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Agora, nesta primeira visita oficial do presidente brasileiro ao Chile, o governo busca destacar agenda de assinatura de acordos, reunião com presidentes dos três poderes e empresários.
No primeiro dia, Lula será recebido com tradicional honraria de chefe de Estado no Palácio de La Moneda, sede do governo. O presidente conhecerá um local de homenagem ao ex-presidente chileno Salvador Allende, antes de começarem as reuniões.
Lula estará acompanhado de uma comitiva de cerca de dez ministros, dentre eles, Carlos Fávaro (Agricultura), Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Alexandre Silveira (Minas e Energia).
Primeiro, haverá uma conversa bilateral entre os chefes de Estado. Depois, uma reunião ampliada e a assinatura de acordos.
Em seguida, Lula visitará os presidentes do Senado, José García Ruminot, da Câmara, Karol Cariola Oliva, e da Corte Suprema, Ricardo Blanco Herrera.
Depois, terá audiências com o secretário-executivo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, órgão vinculado às Nações Unidas), José Manuel Salazar-Xirinachs, e com o CEO da Latam, Roberto Alvo. O Brasil é o terceiro país que mais exporta para o Chile, enquanto este é o quinto do qual o Brasil mais importa.
Dentre os principais produtos brasileiros que chegam aos chilenos, estão petróleo, carne e veículos. Por outro lado, o principal produto do Chile importado pelo Brasil é o cobre, seguido de pescado e de outros minérios.
No último dia, Lula terá ainda reunião com a prefeita de Santigo, Irací Hassler, filha de uma brasileira. E, por último, uma agenda da inauguração de pedra fundamental do centro espacial chileno.
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