A Polícia Civil do Pará cumpriu na manhã desta terça-feira (26) mandados de prisão preventiva contra quatro brigadistas de Alter do Chão, em Santarém, no Pará (a 1.231 km de Belém).
As prisões aconteceram no âmbito da operação Fogo do Sairé, que apura a origem dos incêndios que atingiram a região de Alter do Chão em setembro deste ano.
Ao todo, o fogo consumiu uma área equivalente a 1.600 campos de futebol e levou quatro dias para ser debelado por brigadistas e bombeiros.
De acordo com a Polícia Civil, uma investigação de dois meses apontou indícios de que ONGs, entre elas a Brigada de Incêndio de Alter do Chão, tenham atuado como causadoras do incêndio.
Foram presos Daniel Gutierrez Govino, João Victor Pereira Romano, Gustavo de Almeida Fernandes e Marcelo Aron Cwerner. Também foram cumpridos sete mandados de busca e apreensão.
Um dos mandados de busca foi cumprido na sede do Projeto Saúde e Alegria, uma das ONGs mais reconhecidas da região e que já recebeu vários prêmios por sua atuação na Amazônia. A ONG é integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais e, na semana passada, ganhou o Prêmio Melhores ONGs do Brasil junto com outras 99 organizações.
Na manhã desta terça (26), a polícia vasculhou computadores e documentos na sede da ONG.
"É uma situação kafkaniana, um pesadelo. O que a gente percebe claramente é uma ação política para tentar desmoralizar as ONGs que atuam na Amazônia. É muito preocupante", afirma o coordenador do Projeto Saúde e Alegria, Caetano Scannavino.
Ele afirma que um dos brigadistas presos pela polícia também trabalha em sua ONG. "Conheço os meninos da brigada e todos me parecem pessoas extremamente comprometidas", diz.
A polícia também cumpriu mandado e busca e apreensão na sede da Brigada de Incêndio de Alter do Chão e apreendeu documentos, computadores e
equipamentos de combate a incêndio como abafadores, turbo sopro e até uniformes.
Em nota, a Brigada de Alter do Chão informou que, desde 2018, tem atuado no apoio ao combate a incêndios florestais, sempre em parceria com o Corpo de Bombeiros, e que ainda tenta entender o que motivou a prisão dos brigadistas.
"Estamos em choque com a prisão de pessoas que dedicam parte de suas vidas à proteção da comunidade, e certos de que qualquer que seja a denúncia ela será esclarecida e a inocência da Brigada e seus membros, devidamente reconhecida."
A Brigada ainda afirmou que brigadistas têm contribuído desde o início com as investigações policiais e já haviam sido ouvidos pela Polícia Civil, fornecendo informações e documentos às autoridades policiais de forma voluntária.
A defesa dos brigadistas ainda afirma que não existem requisitos que autorizariam uma prisão preventiva e que atuará para libertá-los da prisão.
Um dos responsáveis pela defesa dos brigadistas, o advogado Wlandre Leal afirma que a polícia inverteu a ordem do processo legal pedir a prisão dos brigadistas com a investigação ainda em andamento.
E defende que não há nenhum elemento que sustente um pedido de prisão preventiva: os quatro brigadistas não têm antecedentes criminais, possuem residência fixa e trabalho lícito. "É uma prisão desnecessária e abusiva."
A defesa vai acompanhar a audiência de custódia, que acontece nesta quarta-feira (27). Caso o juiz decida por manter a prisão, os advogados devem ingressar com um pedido de habeas corpus.
O Ministério Público Federal suspeita que um dos focos dos incêndios tenha começado em área invadida por grileiros nas margens do Lago Verde, em uma região conhecida como Capadócia.
A área foi alvo de ocupações irregulares nos últimos anos, quando tentaram erguer no local um loteamento privado. A investigação da Promotoria, iniciada, em 2015, resultou em denúncia contra o fazendeiro Silas da Silva Soares por desmatamento ilegal. Ele foi condenado a seis anos e dez meses de prisão, mas permanece foragido há um ano. A defesa do fazendeiro nega as acusações.
Responsável pela investigação da Polícia Civil, o delegado José Humberto Melo Júnior afirmou que imagens, depoimentos e interceptações telefônicas apontam para a participação dos brigadistas no incêndio.
"Está muito bem configurada a participação deles no início de alguns incêndios. Eles trabalhavam posteriormente no combate e faziam imagens. Eles vendiam essas imagens a organismos internacionais e obtinham lucro aí", afirmou o delegado.
O advogado Wlandre Leal afirma que os diálogos captados pelas interceptações telefônicas não comprometem os brigadistas. "São meras conjecturas, ela [a polícia] pesquisou em Instagram, vídeos e fotos, e fundamentou o decreto de prisão preventiva em suposições."
Ele ainda citou contratos destas entidades com a ONG WWF-Brasil, que teria comprado fotos dos incêndios por R$ 47 mil. Essas fotos teriam, segundo o delegado, sido usadas para obter doações internacionais, inclusive uma de US$ 500 mil do ator Leonardo DiCaprio.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu à reportagem que a investigação dos incêndios criminosos seja feita de forma criteriosa e que os responsáveis sejam punidos. "O responsável tem de pagar pelos seus atos. A punição tem de ser rigorosa e a apuração criteriosa. É isso que a gente tem de fazer no Brasil sempre", disse.
Em nota, a ONG WFF-Brasil disse que firmou contrato de parceria com o Instituto Aquífero Alter do Chão para a compra de equipamentos de combate a incêndios florestais para a Brigada de Alter do Chão no valor de R$ 70,6 mil.
"Tendo em vista a natureza emergencial das queimadas, o repasse foi realizado integralmente e, neste momento, a instituição está na fase de implementação de atividades e prestação de contas, com a comprovação da realização do que foi acordado", disse a entidade.
A WWF-Brasil informou ainda que, ao contrário do que diz o delegado, não adquiriu nenhuma foto ou imagem da Brigada, nem recebeu doação do ator Leonardo DiCaprio.
Segundo o delegado, uma das provas de que os brigadistas estariam no local no início do incêndio foi um vídeo publicado por eles mesmos na plataforma YouTube. "Eles publicaram uma imagem de um local onde estão só eles e o fogo está começando."
Ainda de acordo com o delegado, a brigada obteve um financiamento de R$ 300 mil por causa dos incêndios, mas teria declarado publicamente apenas o recebimento de R$ 100 mil. "Estamos querendo saber para onde foi o restante desse dinheiro", disse Melo Júnior.
As doações teriam sido feitas por meio das ONGs Aquífero Alter do Chão e Projeto Saúde e Alegria, que repassavam à Brigada em forma de prestação de serviços.
Questionado sobre as prisões preventivas, o delegado afirmou que elas foram pedidas porque havia "um corpo probatório muito robusto".
As queimadas não são incomuns nas regiões de cerrado amazônico, pois o cerrado possui uma vegetação rasteira e mais seca do que da floresta. Especialistas, contudo, atestam que os focos de incêndio são, necessariamente, resultado da ação humana, seja ela dolosa ou acidental.
DESTINO TURÍSTICO
Com cerca de 6.000 habitantes, o balneário Alter do Chão é um dos principais destinos turísticos da Amazônia e chega a reunir até 100 mil visitantes na alta estação.
É conhecida por suas águas cristalinas, pelas áreas de floresta e pela forte influência da cultura indígena. Desde meados dos anos 1990, passou a atrair todos os anos hordas de turistas, sobretudo de São Paulo.
Os recentes incêndios, contudo, acenderam o alerta da comunidade e das autoridades para uma possível nova ofensiva sobre áreas de proteção ambiental deste paraíso amazônico.
Conforme reportagem publicada pela Folha de S.Paulo nesta segunda-feira (25), o balneário vive um cenário de devastação de áreas de proteção ambiental, pressão imobiliária e disputas em torno de uma legislação que permitiria a construção até de edifícios nas margens do rio Tapajós.
Nas margens do rio Tapajós, a área de proteção ambiental tem 86% da sua área coberta pela floresta e pelo cerrado amazônico, bioma considerado fundamental para o ecossistema da região. Ali, existem 475 espécies de árvores e mais de 500 espécies de animais, incluindo algumas ameaçadas de extinção como a onça-pintada e o maracajá-peludo.
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