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Obras no Parque do Utinga viram caso de polícia

Nas últimas duas décadas, as relações entre o ex-secretário estadual de Cultura, Paulo Chaves, e o empresário José Levy, da construtora Paulitec, foram camaradas. Em uma reunião em 19/07/2016, por exemplo, Paulo Chaves disse que estava “muito triste” com

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Nas últimas duas décadas, as relações entre o ex-secretário estadual de Cultura, Paulo Chaves, e o empresário José Levy, da construtora Paulitec, foram camaradas. Em uma reunião em 19/07/2016, por exemplo, Paulo Chaves disse que estava “muito triste” com as dificuldades na reforma do Parque do Utinga, em Belém, que era executada pela construtora. Mas Levy consolou o secretário: “Deixa eu dizer pra você, pra você não ficar tão triste, pra você saber que tem pessoas que olham por você. Você já viu a gama de serviços que tão sendo executados que eu não posso medir, e tão sendo executados porque você pediu?”

Hoje, no entanto, Paulo Chaves e a Paulitec já não dividem a mesma cuia de tacacá: eles começaram a trocar acusações sobre a reforma do Utinga, que se arrastou por quatro anos e consumiu quase R$ 64 milhões, em valores atualizados pelo IPCA-E de dezembro, segundo o Balanço Geral do Estado (BGE).

Motivo: as obras naquele parque, sobre as quais pesam suspeitas de várias irregularidades, estão sendo passadas à lupa por uma comissão investigativa da Auditoria Geral do Estado (AGE) e ministérios públicos de Contas (MPC) e Federal (MPF), além de estarem sob investigação de uma sindicância da Secretaria de Cultura (Secult).

E como se isso não bastasse, o Utinga também virou caso de polícia: a Delegacia de Ordem Administrativa (Dioe) instaurou inquérito para investigar suposta improbidade administrativa naquele serviço, com possível lesão ao erário. O inferno astral do ex-secretário de Cultura, que ocupou o cargo por quase 20 anos, e da construtora predileta do PSDB paraense começou em dezembro do ano passado, após uma série de reportagens do DIÁRIO, com base em documentos e gravações de áudio entregues por uma fonte, que trabalhou no Utinga.

ÁUDIOS

Segundo a fonte, o superfaturamento da obra chegaria a R$ 12 milhões. As principais turbinagens estariam nas quantidades de aço e aterro e no dinheiro pago por serviços administrativos. Porém, o mais bombástico foram os áudios de duas reuniões, em 12 e 19 de julho de 2016, para solucionar problemas da reforma. Neles, Chaves chega a sugerir que Levy fraude a certificação da madeira, para a construção de uma cerca. É que o empresário informara que cada estaca de acapu custaria R$ 15,00 “sem nota, sem certificado”, ou R$ 30,00 “com certificado, guia florestal”. Daí a sugestão do então secretário: “Por que não faz como o Bosco Moisés fazia, quando nós éramos sócios da Papa Jimmy (boate)? Comprava uma garrafa de uísque no supermercado, tirava o selo e passava pra outra”.

Em outra conversa, Paulo Chaves e José Levy tentam convencer um técnico da Secult, aparentemente fiscal da obra, a maquiar um acréscimo de serviços de R$ 118 mil, em favor da Paulitec, para evitar problemas com o Tribunal de Contas do Estado (TCE). Ele também tenta convencer um fiscal da obra a manipular um aditivo de preço, cuja composição seria ilegal, por destinar muito dinheiro à administração das obras. “O que eu acho é que se pode é diminuir a aparência das coisas. Em vez de ser 20% de administração, ser 16, ser 17. Colocar noutro item, fazer um jogo”, sugeriu.

Chaves culpou o então governador Simão Jatene “e o governo como um todo” pela lentidão da obra. Os áudios mostraram, ainda, a proximidade dele com José Levy. Como quando o empresário consolou o secretário, que estava “muito triste”, ou quando revelou, durante um bate-boca, por que se recusava a entregar determinados documentos a um técnico: “As coisas que não são entregues são para proteger uma pessoa. E essa pessoa se chama Paulo Chaves”.

Devido às reportagens do DIÁRIO, o então todo poderoso secretário de Cultura foi exonerado por Jatene, em 17 de dezembro do ano passado. Segundo o Diário Oficial do Estado, ele pediu para sair.

Paulo Chaves e Paulitec trocam acusações

Paulitec era a preferida pela gestão de Jatene no Estado do Pará. (Foto: Ricardo Amanajás)

O inquérito da Dioe que apura suposta improbidade na reforma do Utinga foi instaurado, em fevereiro, pela delegada Cláudia Renata Guedes e Silva. Ele corre paralelamente a uma sindicância aberta pela Secult, em dezembro, no apagar das luzes do Governo Jatene, que teria sido motivada não apenas pela obrigação legal de investigar as denúncias, mas, também, a pedido de Paulo Chaves. Na época (e apesar de nos áudios ser identificável a voz dele), o ex-secretário tentou desacreditar as reportagens nas redes sociais.

Mas hoje, disse uma fonte ao DIÁRIO, Chaves já começa a acusar a Paulitec. Em depoimento na Dioe, no último 26, ele teria afirmado que parte do dinheiro de um aditivo de preço, que beneficiaria a construtora, encontrava-se sob análise do setor jurídico da Secult, já que a empresa não comprovou o emprego daqueles recursos nas obras.

No entanto, não teria confirmado a veracidade dos áudios, e dito não se lembrar de ter participado de reuniões com a Paulitec, nos dias 12 e 19 de julho de 2016. Já a Paulitec tem sido mais incisiva: em reunião, em 14 de fevereiro, com a comissão investigativa da AGE, MPC e MPF, o gerente de obras da empresa, Cláudio Soares, teria responsabilizado a “antiga administração” da Secult pelo atraso e aumento de preço dos serviços. E no depoimento à Dioe, no último dia 28, ele teria feito uma revelação: a Paulitec ainda teria a receber R$ 18 milhões, devido a serviços e a um reajuste contratual que não foram pagos pela Secult, apesar da inauguração da obra, em março do ano eleitoral de 2018.

CUSTO

Se for assim, a reforma daquele parque poderá ter ficado em mais de R$ 80 milhões, tendo em vista os R$ 64 milhões (atualizados) que já foram pagos, de acordo com o BGE. Segundo uma fonte, Cláudio disse, ainda, que a Paulitec já teria até apresentado um pedido de indenização de R$ 3 milhões. Ele também teria listado, entre os problemas que levaram ao atraso das obras, a demora de licenciamento pela Secretaria de Meio Ambiente (Semas) e pelo Iphan, o instituto nacional do patrimônio histórico, enfatizando que a obtenção das licenças era de iniciativa” da Secult.

Ainda teria dado a entender que a empresa teve problemas com os projetos da reforma. A Secult também teria suspendido o contrato por duas vezes. Assim, a construtora só conseguiu concluir o serviço em novembro de 2017, quase três anos depois do previsto.

Suspeitas

- As suspeitas de irregularidades no Utinga começaram ainda na licitação, em 2014. Dela teriam participado apenas a Paulitec e a Construbase, que acabou inabilitada porque não apresentou a documentação pedida no edital.

- O fato lembra a estratégia de um cartel de construtoras denunciado à Justiça pela operação Lava-Jato, em São Paulo, no ano passado: as empresas combinavam a distribuição das obras e algumas participavam das licitações apenas para constar. Assim, deixavam, por exemplo, de apresentar documentos, para acabarem inabilitadas. A Paulitec e a Construbase estão entre as denunciadas.

- Chama atenção a parceria entre as empresas. Paulitec e Construbase estiveram juntas em obras dos tucanos, como a Alça Viária, o Feliz Lusitânia e o Hangar-Centro de Convenções. E são sócias na exploração de estacionamento, em São Paulo.

- Contudo, a queridinha dos tucanos sempre foi a Paulitec: no ano passado, no último levantamento do DIÁRIO, ela já havia faturado, em 5 anos, pelo menos R$ 810 milhões (atualizados), do Governo Jatene e da Prefeitura de Belém (administrada pelo tucano Zenaldo Coutinho), para a qual executa o BRT da Augusto Montenegro.

(Ana Célia Pinheiro /Diário do Pará)

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