Bem antes da chegada de acervos digitais, a preservação das imagens na televisão brasileira veio ocorrendo em plataformas como películas, videotapes e fitas U-matic, que guardam de tudo, desde novelas até telejornais e bastidores dessa produção no país. O que não quer dizer que tudo tenha sobrevivido. De emissoras como a TV Tupi, mais antiga, geralmente só se encontra fragmentos de alguns programas; a TV Bandeirantes ainda é a que possui um dos acervos mais completos, mesmo após um incêndio em 1969 e de ter muitas fitas apagadas. Mas, no caso de uma emissora pública, existe ainda a preocupação de se manter essas imagens como um patrimônio público.
No Pará, em fevereiro deste ano a TV Cultura decidiu criar regras e tabelar preços para acesso e uso desse material. De acordo com Indaiá Freire, assessora da presidência da Fundação Paraense de Radiodifusão (Funtelpa) e uma das articuladoras do processo, esse é um meio de garantir recursos necessários. “Resolvemos nos adequar ao que a maioria das emissoras do Brasil faz, que é normatizar o acesso a essa memória audiovisual. Quem adquirir essas cópias estará contribuindo para a própria manutenção desse acervo, visto que precisamos digitalizá-lo, e isso demanda orçamento, tempo e aquisição de equipamentos”, justifica.
De acordo com a emissora, os valores praticados na tabela tiveram como uma das referências a TV Cultura de São Paulo. Agora, quem desejar algum material deve enviar e-mail identificando, se possível, os elementos que facilitem a pesquisa da equipe de acervo da TV, como título, duração e data em que foi ao ar, assim como deixar claros os fins de uso das imagens. Pelas regras, o valor mínimo a ser cobrado por imagens fragmentadas será referente ao tempo de um minuto. No caso de uma imagem que poderá ser usada em todas as mídias em um projeto “não acadêmico”, o preço pode sair bem salgado: R$ 2 mil por minuto. Por isso, o conflito com produtores acostumados a acessar o material gratuitamente foi inevitável, e uma denúncia foi feita ao Ministério Público, que teria encaminhado uma representação à presidência da Funtelpa, cobrando explicações. Na próxima terça-feira, uma reunião interna na TV Cultura irá avaliar a tabela, e essa polêmica parece estar apenas no começo.
É claro que a decisão acabou gerando algumas polêmicas, principalmente em forma de debate virtual no Facebook. A quem questionou a cobrança por vir de uma emissora pública, a presidente da Fundação, Adelaide Oliveira, mandou o recado: “Onde está escrito que o público não tem dono ou que ninguém zela por ele? Este arquivo não é um banco de imagens de domínio público, ele pertence ao patrimônio da Funtelpa”.
Mesmo quem deseja ficar com cópia pessoal de uma entrevista que deu, paga o “valor simbólico” de R$ 50 por cópia. O único caso de isenção na norma é quando uma banda tem um videoclipe gravado pela TV Cultura, podendo solicitar uma cópia na íntegra e colocar em seu canal do YouTube, por exemplo, sem qualquer ônus. Mas há casos mais complexos, como o da cineasta Priscilla Brasil, que tinha sua equipe pesquisando material para utilizar na série “Amazônia Ocupada” quando a normatização passou a ser aplicada.
Acostumada a fazer o mesmo tipo de solicitações a diferentes emissoras, Priscilla apontou que a TV Cultura de São Paulo – citada como a fonte dos preços de referência da TV Cultura do Pará – manda gratuitamente os arquivos em baixa resolução quando solicitados e somente depois os produtores pagam pelo que de fato usaram. Esse material em baixa qualidade é chamado de “bruto” e costuma servir para que a cineasta escolha o que é preciso antes de solicitar os mesmos em alta qualidade.
No caso do Pará, Pricilla destacou nas redes sociais que “você tem que pagar por ‘tudo’ o que quer levar para sua montagem, usando ou não. Por exemplo: Se você é um produtor de documentários e quer umas dez matérias de 2 minutos cada, você paga R$ 40 mil pelo ‘bruto’”. De acordo com ela, a tabela apresentada tem “o minuto mais caro de toda a Amazônia”, ultrapassando inclusive os valores de uso de imagem cobrados pela TV Globo, “já que ela te dá os previews e tu podes pagar apenas pelo que de fato foi usado”, aponta a documentarista. A reportagem tentou buscar informações sobre os valores cobrados em outras praças, mas até o fechamento desta edição não havia recebido as informações das emissoras contactadas.
Emissora acusa produtora de cópias não autorizadas
Com a norma recém-estabelecida, muito ainda deve ser ajustado, como as questões apontadas pela cineasta Priscilla Brasil sobre a forma de cobrança. Mas as coisas não começaram muito bem, com o clima de desconfiança entre a produtora dela, a Greenvision, e a emissora, que chegou a acusar um membro da equipe da cineasta, Ricardo Silva, de fazer cópias não autorizadas de material do acervo.Em postagem da presidente da Funtelpa no Facebook ficou claro que as coisas não iam muito bem. “Pra nossa desagradável surpresa um belo dia o produtor da Greenvision chega à emissora com um Macbook e um VT para fazer cópias do material pré-selecionado. Vejam bem, a pessoa entra numa instituição pública com equipamentos não declarados na portaria para realizar cópias sem qualquer autorização específica para isso”, denunciou Adelaide Oliveira.
A acusação foi rebatida pelo produtor citado também em rede. “Como a fundação não dispõe de material digitalizado e o equipamento que possui é deficitário, foi perguntada da possibilidade de disponibilizar o equipamento citado para auxiliar no processo de digitalização do material selecionado, procedimento ‘que foi autorizado’ pelo diretor de TV da Fundação”, afirmou Ricardo Silva. Apenas no dia em que o equipamento foi levado ao arquivo, o diretor Tim Penner teria informado que havia recebido uma “contra-orientação” por parte da diretoria da fundação informando que todos os procedimentos adotados até aquela data seriam reformulados, e os arquivos seriam cobrados. “Mas ao fazer a pergunta de quanto custaria então o minuto do arquivo da Funtelpa, a resposta que obtive foi um sonoro ‘não sei’, o que era indicativo de que não havia precificação alguma”, apontou Ricardo.
Em sua defesa, Tim Penner afirmou que “não houve, em nenhum momento, a conversa” para que Ricardo “‘plugasse’ qualquer tipo de equipamento” no acervo. Priscilla Brasil afirmou que nunca – antes da postagem em rede social com as acusações de Adelaide sobre a tentativa de cópia não autorizada – recebeu qualquer denúncia acerca de disso. “O pedido da Greenvision é que absolutamente ‘tudo’ seja apurado para que isso seja esclarecido ‘publicamente’. Somos contra e seremos eternamente contra qualquer ‘qualquer’ cópia de material sem autorização. Solicitaremos formalmente a execução dessa investigação, caso ainda não tenha sido realizada pela Funtelpa”, informou.
(Laís Azevedo/Diário do Pará)
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