Taioba, bertalha e ora-pro-nobis são vegetais que podem surgir em qualquer lugar. Podem inclusive estar crescendo no seu quintal como um simples mato, mas a verdade é que são comestíveis e saborosos. Por serem pouco valorizados e conhecidos como alimentícios, são hoje chamados de “Panc” (plantas alimentícias não convencionais) e estão começando a virar moda, ao serem explorados por chefs famosos, como a jurada do “MasterChef Brasil”, Paola Carosella.
O professor e pesquisador Valdely Kinupp, do Instituto Federal do Amazonas, responsável pela criação da sigla Panc, defende a inclusão destas espécies à mesa do brasileiro, e principalmente do amazônida.
“A Amazônia tem muita coisa para ser explorada. Deve ter no mínimo 2,8 mil espécies de Panc. Destas, nem cem estão catalogadas em livros, ou estão dispersas em artigos. Nós precisamos trazer isso à tona e estimular o agricultor a sair da monocultura e da monotonia alimentar. E nós, que moramos na cidade, precisamos ir para a feira com outros olhos e outra boca, querendo comprar coisas diferentes, fugir da nossa dita saladinha de tomate, alface, pepino, que é uma monotonia alimentar, com uma repetição o ano inteiro”.
Pipoca amazônica
Uma das plantas que mais chama atenção entre as catalogadas e transformadas em receitas por Knupp é a vitória-régia. A planta é um dos maiores vegetais aquáticos do mundo e cartão-postal da Amazônia, mas Knupp ensina que, além do visual, das suas flores é possível fazer geleia, compor saladas, enfeitar pratos, inclusive é chamada de “endívia do rio”, porque é uma pétala bem carnosa e suculenta que substituiria a endívia.
Outro uso dela é o das sementes que estão dentro de um fruto grande e que é similar ao milho. “Ele estoura e vira uma pipoca, uma pipoca de vitória-régia amazônica”, diz Kinupp. E a lista prossegue: também dá para fazer farinha, mingau e outros produtos a partir dessa semente. “Se come também a batata, um rizoma que fica submerso”, ensina o pesquisador.
A Mata Atlântica talvez seja o bioma mais rico em folhosas, mas a Amazônia tem muitas castanhas, muitas sementes, frutas e frutos. “A gente fala que o amazônida, de forma geral, come poucas folhas, mas é claro. Você vai comer repolho, couve-flor, rúcula, que são difíceis de produzir aqui, que as sementes vêm de outros países, que é híbrido, transgênico? Mas a gente tem aqui as urtigas, bertalha, picão branco, espinafres diversos, o jambu”, enumera.
Além de incentivar essa diversificação no consumo de verduras e legumes, o pesquisador defende que sejam melhor estudados os valores nutricionais dessas plantas, que, segundo ele, estão presentes em todo o país. Enquanto na Amazônia encontramos a mapati, uva da amazônia, no Sudeste o creem, uma hortaliça, no Rio Grande do Sul tem a taioba, o mangarito, o dente-de-leão. “Cada região tem suas próprias Pancs, e algumas pessoas podem pensar: ‘essa eu conheço’. Mas eu pergunto: você come?”. Talvez o grande valor delas esteja no fato de que estão aí, em qualquer terreno baldio, e o mais importante não é plantá-las, mas reconhecer, colher e saber utilizar.
O professor Valdely Kinupp é um dos convidados do evento “A Amazônia Descobre a Amazônia”, que irá reunir chefs de cozinha, cientistas e mateiros tradicionais das comunidades para tratar das Pancs. A iniciativa – com atividades hoje e amanhã – é realizada pelo Instituto Paulo Martins em parceria com o Centro de Empreendedorismo da Amazônia e o Instituto Atá. É o mesmo grupo que desde o final de 2015 aglutinou outras entidades da sociedade civil para tentar a empreitada de montar um Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade em Belém.
O formato do evento é tão fora do convencional quanto as plantas que serão ali abordadas: não haverá palestras ou aulas, e o público poderá assistir, como num reality show, a uma dinâmica verdadeira entre especialistas reconhecidos que normalmente não têm a oportunidade de passar horas juntos, debatendo e cozinhando. Alguns são celebridades, como o chef brasileiro Alex Atala, o peruano Pedro Miguel Schiaffino – reconhecido entre os 50 melhores do mundo - e o explorador venezuelano Charles Brewer-Carias.
Frutas, ervas, verduras, cogumelos. Nos dois dias de encontro em Belém, o público terá a oportunidade de degustar dessa diversidade que não está sequer nas nossas receitas de cozinha tradicional. Cozinheiros indígenas – como a Dona Brazi dos Baniwa, do Alto Rio Negro, ou o Nelson Mendez, dos Baré, da Venezuela – vão trabalhar a quatro mãos com cozinheiros paraenses urbanos, como Paulo Anijar, que se dedica a estudar e valorizar as Pancs. “A minha expectativa é colaborar com essa divulgação. Qualquer terreno em que a gente for aí em Belém, seja no Goeldi, nas praças, a gente encontra alimento negligenciado ou desconhecido que é considerado uma Panc”, diz Kinupp.
(Laís Azevedo/Diário do Pará)
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