As tecnologias mudaram e o mundo hoje é digital. Todo o avanço que o mundo viveu nos últimos anos resultou na mudança do comportamento das pessoas em ouvir música, assistir vídeos, shows de artistas e filmes. O que antes era físico (discos de vinil, fitas cassete, CD’s e DVD’s) agora está ao alcance do clicar do controle remoto ou mouse, ou do passar de dedos na tela de um celular.
Mas os reajustes dos preços das plataformas de filmes anunciados recentemente, tem resultando em uma mudança de comportamento do consumidor, que deve se repetir principalmente nas grandes capitais brasileiras: a volta das videolocadoras.
“Se eu for assinar todos os serviços de streamings, eu vou gastar muito mais que alugando o filme aqui”, calcula um cliente enquanto entrega os documentos para reativar o seu cadastro na Video Connection, locadora mais antiga da cidade de São Paulo, e uma das últimas quatro que restam na capital paulista.
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Ao longo do período de uma hora de um sábado, a loja do edifício Copan, no centro da cidade, é tomada por um vai e vem de pessoas, curiosas com o estabelecimento que mais parece uma fenda temporal, com transporte direto para o início dos anos 2000. O proprietário, Paulo Pereira, de 67 anos, comenta sobre o aumento recente do movimento: “As pessoas não acham os filmes nos streamings e acabam vindo para cá”.
Se engana quem pensa que o público alvo é só de pessoas mais velhas. Pelo contrário, Paulo explica que são justamente os jovens que voltaram a movimentar, mesmo que discretamente, o mercado de aluguel. “Tenho recebido bastante alunos de faculdade que querem saber de filmes que eles não encontram em lugar nenhum”, ele explica.
Além da boa localização, a Video Connection oferece para o aluguel 14 mil DVDs, classificados por diretores, que atraem principalmente o público especializado.
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O acervo de milhares se repete pelas outras três locadoras sobreviventes: a Charada Clube, na Vila Tolstoi, zona leste da capital, disputa o posto de maior acervo da cidade, com entre 14 e 15 mil DVDs e de 2 a 3 mil VHS. Em seguida, vêm a Eject Video, na Vila Clementino, e a Horus Vídeo Locadora, Vila da Saúde, ambas na zona sul, com 11 mil filmes cada.
Ainda assim, o tamanho não é páreo para o fluxo constante de novas produções nas plataformas digitais diante de pouquíssimos lançamentos gravados em DVDs.
As quatro lojas são os últimos exemplares de um negócio que, no início dos anos 2000, tinha 2,6 mil CNPJs registrados na região metropolitana da cidade.
“Jamais fechar, porque é uma missão”
O valor da diária dos filmes alugados gira em torno de R$10,00, com pequenas variações entre as quatro, e é ajustado conforme o cliente escolhe mais filmes. A mais cara é a Eject Video, que cobra R$16,00 pelo DVD. Na mais barata, a Horus Vídeo Locadora, o valor é de R$8,00 para filmes comuns.
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Do lado dos streamings, o plano mais barato é o da Amazon Prime, onde o cliente paga R$ 19,90 mensais para assistir a quantidade que desejar do catálogo. As donas da Horus Videolocadora, Roseli Carvalho e Valdirene Ramos, de 54 e 58 anos, defendem que o aluguel tem vantagem porque a escolha é mais assertiva e não exige que o cliente pague múltiplos serviços.
“Não é uma competição, mas é uma outra proposta. A gente ajuda o cliente a conhecer aquele filme que ele talvez nunca assistiria, ao invés de ficar procurando por horas. A plataforma tem o seu valor, mas a gente sabe que aquela quantidade de opções muitas vezes é uma ilusão. Você procura, procura, e não encontra nada”, diz Valdirene.
Fundada em 2008, a Horus é a loja mais nova do quarteto. Ela surgiu de um sonho das duas amigas que se conheceram no ramo de terapias espirituais e compartilhavam o amor por filmes.
Antes da disputa com as plataformas, as donas contam que sofreram com a competição com a pirataria e enfrentaram dificuldades financeiras para manter o aluguel do imóvel. Apesar disso, elas nunca pensaram em desistir do empreendimento e enxergam com confiança o aumento, nos últimos 2 anos, de clientes entre 15 e 25 anos.
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“Jamais fechar, porque é uma missão nossa. Essa locadora é um sonho nosso, independente de qualquer coisa. Assim como os livros ensinam, a gente pensa que os filmes também têm essa função. Eles contam uma história, e levar essas histórias para as pessoas é o propósito da Horus”, diz Roseli.
“Não dou o que a pessoa quer”
Dono da Eject Vídeo, Ricardo Luperi, de 61 anos, é arquiteto e abriu a videolocadora em 1991, época que, segundo ele, “ou as pessoas ou abriam uma pizzaria ou uma locadora”.
Ele conta que, ao contrário do que as pessoas pensam, nas últimas três décadas de funcionamento da locadora só passou por problemas financeiros uma vez, em 1997, quando os DVDs estavam no seu auge. “Eu tive problemas porque alugava bem, mas os filmes em geral eram muito caros. Foi a única vez que eu tive vontade de fechar. Depois, onde todos vão enxergar crise, eu funciono muito bem. E funciono muito bem até hoje, com bastante procura”, conta Ricardo .
A Eject Video explora o diferencial de ter filmes raríssimo e diz que oferece um serviço de curadoria das produções e manter uma relação próxima com os seus clientes: “Aqui é tudo setorizado, separado por diretores, temas como Gastronomia, Psicanálise. E a minha estratégia é não dar o que a pessoa quer, mas fazer ela descobrir um gosto por cinema”, ele explica.
Para Ricardo , o cuidado na escolha e a forma de atendimento ajudam a explicar a curiosidade dos jovens. “Eu tenho percebido um aumento do público jovem reagindo à imposição das linguagens de filmes dos streamings, que, de certa forma, te força a um olhar pouco sensível do cinema, da forma de vida da gente”, ele defende.
O futuro de um negócio do passado
Gilberto Petruche, de 68 anos, comanda a Charada Clube, na Vila Tolstoi, zona leste da cidade. Para ele, o futuro das locadoras ainda é incerto. ”Eu não vejo um renascimento das locadoras no futuro, porque as produtoras foram embora. As que ficaram soltam poucos filmes e, se soltam, são apenas relançamentos. Então, como você vai manter uma coisa viva, quando não existe a coisa básica, que são os filmes?”, pontua ele.
O segredo para a manutenção do empreendimento está na sua associação com outras atividades. No Charada Clube, por exemplo, Gilberto promove eventos culturais, como o Festival Terra em Transe, que há oito anos comemora o aniversário da locadora e movimenta o estabelecimento com colecionadores de filmes e bandas.
Pornô não
O nome do Charada Clube é uma referência ao personagem do ator Jim Carrey no filme “Batman forever”, de 1995, ano em que Gilberto decidiu abandonar seu cargo de gerente administrativo em uma empresa para abrir a locadora, que “era um negócio pipocava em todos os bairros”.
Com uma loja a 16 km do centro, o proprietário conta que pelo menos todo dia recebe algum jovem curioso com desejo de conhecer a loja e o seu funcionamento, mas o fluxo é tímido. O aluguel dos filmes consegue ajudá-lo com cerca de 5% do arrecadamento da loja e ele acredita que, a longo prazo, as locadoras vão se tornar uma espécie de “museu vivo”, onde o aluguel estaria agregado com outros produtos vintage.
“Eu consegui sobreviver, mas é difícil para caramba, porque é uma sobrevivência. O financeiro fica em segundo plano, a prioridade é se pagar e isso já basta”, diz Gilberto. (Valentina Moreira, do Metrópoles)
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