Crescimento dos casamentos infantis, abandono da escola e
aumento do trabalho doméstico estão entre alguns dos efeitos da crise climática
que atingem mais meninas, ampliando a desigualdade entre os gêneros. Um estudo
da Organização Não Governamental (ONG) Plan International em oito países, entre
os quais o Brasil, revelou os efeitos das transformações do clima na vida de
garotas menores de 18 anos de idade.
A pesquisa focou no acesso à educação a partir de
entrevistas com 78 meninas do Brasil, Benim, Camboja, El Salvador, Filipinas,
República Dominicana, Togo e Vietnã. Segundo o levantamento, devido às
desigualdades e discriminações de gênero que já existem nesses países, elas
acabam sendo mais afetadas pelas mudanças climáticas.
“As meninas têm uma redução significativa da frequência escolar no contexto das mudanças climáticas porque, muitas vezes, elas são sobrecarregadas dentro de casa. As meninas são muito mais convocadas pelas suas famílias para cumprir essa responsabilidade do que os meninos”, destacou Júlia Ferraz, especialista em mudanças climáticas e emergências da Plan International.
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No Vietnã, por exemplo, a adolescente Uyen afirma que os
pais preferem tirar as meninas da escola e manter os meninos, porque entendem
que elas são responsáveis por ajudar nas tarefas domésticas. Dados do Fundo
Malala apontam que as mudanças climáticas podem retirar das escolas, a cada
ano, pelo menos 12,5 milhões de garotas em 30 países vulneráveis ao clima.
Casamentos infantis
Outra consequência da crise climática é o aumento dos
casamentos infantis ligado à elevação da pobreza. A pesquisa identificou esse
crescimento nas regiões afetadas pela crise climática, principalmente onde há
inundações.
“O casamento infantil acaba sendo uma estratégia negativa de
sobrevivência dessas famílias que, ao fazer esse casamento, ela transfere a
responsabilidade sobre a garota para os cuidados de outro núcleo familiar que
vai prover e dar comida”, explicou.
A Plan International recomendou a reformulação das políticas
para mudanças climáticas, com o objetivo de prever a dimensão da desigualdade
entre os gêneros, trabalhando também com o combate a esse tipo de
discriminação.
“É fundamental se trabalhar com as comunidades,
principalmente por meio da educação, enfatizando que esses padrões precisam ser
desconstruídos para melhorar a situação das meninas, para que elas não
enfrentem os impactos da crise climática de forma tão desproporcional”, afirmou
Júlia Ferraz.
Financiamento
climático infantil
Em outra pesquisa realizada pela mesma ONG, verificou-se que
de 591 projetos financiados por fundos ligados ao clima, e executados ao longo
de 17 anos, apenas 5% deles foram destinados prioritariamente a atividades
voltadas às crianças. Isso representou apenas 2,4% dos recursos mobilizados
para a crise climática. Além disso, apenas um dos projetos foi direcionado à
educação de crianças.
“De todos os financiamentos climáticos feitos pelos
principais fundos climáticos, apenas um é endereçado à questão da educação.
Isso é muito grave. Se a gente não trabalhar no eixo da educação com a mudança
de paradigma de padrões, fica super difícil construir qualquer coisa”, concluiu
Ferraz.
Crise amplia
desigualdades
Além de ampliar a desigualdade de gênero, a crise climática
aumenta todas as demais desigualdades, segundo o coordenador do Grupo de
Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Eduardo Young.
O professor destacou que os países mais ricos sofrerão menos
porque tem mais recursos para investir na adaptação para as mudanças
climáticas. “Isso é fácil de você perceber quando você tem um furacão passando
no Caribe, em que morrem milhares de pessoas nos países caribenhos ou
centro-americanos. Esse furacão chega na costa americana e o número de óbitos
cai menos de uma dezena”, exemplificou.
Além disso, Young acrescentou que o aquecimento da Terra vai
ser mais intenso nos locais mais quentes. “Você vai ter, por exemplo, a
possibilidade de expansão de áreas agrícolas onde hoje não pode ter
agricultura, como no norte dos Estados Unidos, no Canadá e na Sibéria. Em
compensação, na África subsaariana, você vai ter um colapso da agricultura, vai
ficar desertificado. A tendência, então, é aumentar a desigualdade entre os
países”, afirmou.
As desigualdades também devem aumentar dentro do mesmo país.
O professor da UFRJ lembrou que, no Brasil, os pobres costumam viver nos locais
de maior risco, como morros e beira dos rios, mais afetados por fortes chuvas e
inundações.
“A probabilidade de um evento extremo se transformar num
desastre, numa área pobre, sem infraestrutura, com baixa capacidade de renda,
sem cobertura florestal, é muito maior do que numa área rica, que tem
capacidade de investimento, que tem uma estrutura adequada para lidar com essa
questão”, destacou Young.
Os eventos climáticos extremos também devem impactar de
forma severa a agricultura familiar de subsistência do que a agricultura
irrigada e capitalizada. “Têm estudos mostrando que a agricultura no Brasil que
mais sofre com eventos climáticos extremos é a agricultura de feijão e de milho
do semiárido brasileiro”, finalizou o professor da UFRJ.
Crise Climática
Os gases do efeito estufa lançados na atmosfera vêm
aumentando a temperatura do planeta desde a Revolução Industrial (séculos 18 e
19), principalmente por meio da queima de combustíveis fósseis, o que
impulsiona a atual crise climática, marcada por eventos extremos, como o calor
excessivo, as secas prolongadas e as chuvas intensas.
No Acordo de Paris, em 2015, 195 países se comprometeram a
combater o aquecimento global “em bem menos de 2º C acima dos níveis
pré-industriais”, buscando limitá-lo a 1,5ºC acima dos níveis antes da
Revolução Industrial.
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