
Seis décadas depois, a geração mais consagrada do rock, notabilizada com a explosão de artistas do quilate de Jimi Hendrix, Eric Clapton e Jimmy Page, mantém viva o legado do ritmo mais ouvido nos quatro cantos do mundo. Mais do que nunca, o sonho do estrelato segue lúcido no coração de jovens que sequer eram nascidos quando bandas como Led Zeppelin e Cream lotavam estádios mundo afora, eternizando canções através de solos e performances hipnotizantes.
Mesmo sem a essência de outrora, o semblante de quem cultiva esse sonho não passa despercebido. Se hoje, em meio à pandemia e tantos problemas sociais, a juventude não perde sua capacidade de sonhar, é certo dizer que a música é capaz de tudo, até de realizar sonhos, um após o outro. E é assim, dia após dia, que ela sobrevive, seja nos palcos ou nas esquinas da cidade, onde aspirantes ao sucesso tentam a sorte, muitas vezes movidos pela necessidade.

Acordar cedo, pegar o transporte público e lançar-se no mundo são provas que o músico José Tiago (25) conhece bem. Todos os dias, às 7h30, ele já está na rua, com sua guitarra, caixa de som, fone de ouvido, cesta e placas de anúncio. Do Conjunto Satélite, segue rumo ao centro da cidade, onde se posiciona solitariamente bem trajado, e começa a tocar. Bastam alguns acordes, do cancioneiro paraense aos clássicos do rock, e as pessoas se aproximam, seja para bater foto, pedir uma canção ou reconhecer o trabalho através de alguns trocados. É assim até o fim da tarde.
“É uma atividade cansativa e, às vezes, pode ser perigosa. A questão é que acabou virando meu ganha-pão, então me dedico pra valer. Tocar guitarra é minha paixão e fiz dela profissão. É dela que ajudo em casa e pretendo pagar meus estudos, para, quem sabe, poder viver da minha arte ou seguir outro caminho proporcionado por ela”, explica.
Dizem que a grande prova do músico é a noite. A do Tiago é o dia, com pequenas incursões depois das 18h. “Já toquei em alguns casamentos, alguns bares e um ou outro aniversário, mas a maior parte do tempo eu toco à tarde”, conta.
Os locais são os mais diversos. Já se apresentou em frente a shoppings, praças e avenidas, como a caótica Almirante Barroso. É uma espécie de cópia da inspiração, diz ele. “Essa ideia partiu do meu primo, que viu uma mulher tocando guitarra na Avenida Paulista, e como eu sabia tocar e precisava ganhar dinheiro, ele me aconselhou a fazer o mesmo”, justifica.

Já são três anos. Com a renda apurada, em média R$ 70 a R$ 80 por dia, ele ajuda nas despesas de casa, onde vive com o pai, a mãe e o irmão menor.
Mas nem sempre foi assim. Tiago lembra que o sonho só foi possível quando decidiu deixar São Luís, no Maranhão, onde aprendeu a tocar violão, para cursar uma faculdade em Belém. O desejo de ser Pedagogo acabou interrompido pela pandemia, mas influenciou o autodidatismo na guitarra. Assim ela se tornou o plano A.
Em alguns momentos, a violência também ameaçou sua carreira, mas a persistência foi além. “Certo dia estava na frente de um shopping, na Batista Campos, e fui surpreendido por dois garotos bem novos. Um deles já veio com uma faca, enquanto o outro foi tirando minha guitarra. Por sorte, passou uma viatura e os vendedores acionaram. Os garotos acabaram presos e eu peguei a guitarra de volta”, lembra.
Problemas à parte, Tiago mantém o foco nas canções e através delas dialoga com todas as idades e estilos. “Aqui eu toco tudo. Mas particularmente gosto dos guitarristas clássicos, como Jimi Hendrix, Eric Clapton, Yngwie Malmsteen. Gosto muito, também, de música erudita. Só que aqui eu toco tudo, incluindo música paraense, MPB. Só tomo cuidado para não incomodar com o barulho, deixo um som ambiente e agradável”, assegura.
Aos poucos, a cestinha vai ganhando peso, com moedas e notas em forma de gratidão aos ouvidos mais sensíveis. Tiago agradece com um sorriso e aponta para as placas, onde estão os nomes dos perfis nas redes sociais. Como dizem, a propaganda é a alma do negócio.
No caso dele, não só a propaganda, mas o foco e o desejo de vencer na carreira dos sonhos. Depois de um expediente cansativo e proveitoso, Tiago guarda os equipamentos e segue rumo ao descanso do lar, já projetando onde vai tocar no dia seguinte.

Casamento? Filhos? Não. A renúncia do projeto familiar é uma decisão acertada, em nome do bem maior: viver um sonho que transcende a matéria. “Meu desejo, de verdade, é ser um imortal, não no sentido literal, mas de ser lembrado para sempre. Quero ser um dos melhores guitarristas do mundo, que daqui a mil anos as pessoas lembrem de mim. Pode parecer impossível, mas um dia eu chego lá”, garante.
Basta querer e correr atrás, sem perder o brilho e ousadia do rock, tal como Hendrix, na clássica Purple Haze: “Me dê licença enquanto eu beijo o céu”.
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