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BELÉM 406 ANOS

Dor, amor e humor: formas de se viver e morrer em Belém

Veja o texto de Laura Vasconcelos especial para o DOL neste 12 de janeiro, aniversário de 406 anos de Belém.

Imagem ilustrativa da notícia Dor, amor e humor: formas de se viver e morrer em Belém camera Foto: Luiz Braga

Belém é uma cidade maluca em todos os sentidos. O clima nunca se decide e fica entre calor com chuva e calor com sol; a população ama tomar bebidas quentes pela tarde, em uma temperatura quase insuportável de mais de 30º C... E como se isso já não fosse o suficiente, Belém tem algumas formas peculiares de tentar te matar. Isso mesmo. É, eu acho que aqui é o único lugar que, além de água, chove manga. Sim, a fruta. Manga. Sabe “o cão chupando Manga”? Pois é. A manga desse cão.

Aos desavisados, todo cuidado é pouco e eu jamais pensei que Belém ia tentar me matar com uma manga caindo em minha cabeça como foi naquela terça a noite. Sou grande fã de andar de bicicleta. Se eu pudesse, andava todos os dias. Estava atrasada, mas, mesmo assim, fui... Quando fui pega, numa curva, por uma Manga. Bem na minha cabeça. Parecia que alguém tinha me jogado uma pedra. Fiquei zonza, minha vista escureceu. Soltei a bicicleta imediatamente. O que era isso? Tentativa de assassinato?

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Peguei a manga caída ao lado da árvore da qual se soltou. Corri para o apartamento e, talvez o impacto tenha mexido com as minhas ideias, mas percebi que Belém deve ter uns 50 jeitos de tentar te matar. Imaginei se tivesse desmaiado ou, sei lá, morrido. Minha mãe me levando ao hospital e o médico dizendo a ela com os olhos marejados: “Então dona, Márcia, sua filha morreu de manga... Manga na cabeça. Sinto muito, mas se lhe conforta, ela não foi a primeira. Ela deu até sorte que não foi a mangueira inteira”. Daí o médico entregaria a ela uma lista com a causa das mortes: Belém. Duvidas?

Formas de morrer de Belém: com uma manga na cabeça; caiu no canal da doca; não viu bueiro aberto na rua; chuva muito forte fez despencar os fios elétricos e levou uma descarga; foi nadar na baía do Guajará e sumiu; o barco a caminho do Combu virou; a onça do Bosque fugiu e atacou; negou tabaco para a Matinta Pereira; comeu maniçoba mal cozida; a Cobra grande acordou; tomou açaí misturado com papel higiênico de procedência duvidosa; teve choque térmico com tacacá com pimenta no calor de 40º C; foi imprensado na corda do círio; o carro prata, preto, ou de qualquer outra cor, confundiu com outra pessoa; irritou a Mãe d’água jogando uma latinha de Cerpa em algum igarapé ou canal.

Um dos "túneis de mangueiras" de Belém do Pará, na avenida Braz de Aguiar. Foto:
📷 Um dos "túneis de mangueiras" de Belém do Pará, na avenida Braz de Aguiar. Foto: |Enderson Oliveira

Achou “pouco”? Há ainda as formas de morrer lentamente de Belém: ouvir a discografia da banda Sayonara. Machuca, não é mesmo?! Cabe aqui na lista até uma questão filosófica: o que dói mais: morrer ou ouvir Conquista do Wanderley Andrade? Pode até não matar, mas que dói... Ah, como dói.

Ainda nos meus devaneios da mangada, pensei que talvez tenha sido assim que Newton se sentiu quando descobriu a gravidade. Eureca! Tive meu momento Newton tarde demais para ganhar um Nobel de Física. Coitado dele se tivesse sido uma mangada na cabeça, mais ainda se fosse um cupuaçu. Ele não ia descobrir a gravidade e nós nunca íamos saber porque as coisas são puxadas pela força gravitacional a nos prender no chão. Que sorte ele ter resolvido estudar, namorar ou seja lá o que ele decidiu fazer debaixo daquela macieira. Eureca, Newton.

Recobrei a consciência, peguei minha bicicleta de novo e voltei a pedalar. Com um nó na cabeça e uma manga na geladeira de casa que eu ainda não tive coragem de comer e provavelmente não comerei porque não gosto de manga. É, ainda tem isso. Só vou deixá-la lá porque na dor ela me lembrou que eu moro no lugar mais louco, poético, esquisito e único do mundo. No meio da Amazônia onde chove água, manga e até mangueira: Belém.

Laura Vasconcelos é jornalista e escritora belenense. Autora do livro "Fugacidade dos dias" publicado pela editora folheando em 2020.

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