Ingredientes da cultura amazônica foram usados com maestria pelo francês Mathieu Teissier e a paraense Gleyce Pacheco, ambos chefs confeiteiros, para fazer uma viagem aos sabores da Índia. O resultado foi tão surpreendente e gostoso que garantiu que vencessem a disputa do “Que Seja Doce”, na última sexta-feira, 29. Nesta temporada, o reality gastronômico da GNT, apresentado por Felipe Bronze, faz uma “Volta ao Mundo em 80 Doces”, com cada episódio dedicado a um país. O programa com sabores da Índia - e por que não do Pará - ainda pode ser visto no Globoplay.
Mathieu tem conhecido o mundo de veleiro, trocando serviços como chef pelas viagens, experimentado sabores e temperos diversos. Gleyce hoje mora em Campo de Goitacazes, no Rio de Janeiro. Trabalhando juntos no programa, eles tiveram como primeira tarefa fazer sua versão para o Gulab Jamun, um bolinho bem típico na Índia e outros países do sul da Ásia, feito à base de leite e servido embebido em calda. A dupla escolheu o queijo do Marajó para dar à receita o sabor que pretendiam. “Foi o que nos fez passar para a segunda etapa da disputa. Vencemos a equipe verde e fomos para a final com a equipe amarela”, destaca Gleyce que foi auxiliar de Mathieu.
A paraense conta que a distribuição dos países para os 40 episódios desta temporada foi feita a partir de sorteio entre os 120 confeiteiros participantes e seus ajudantes, antes das gravações. “Nós ficamos com a Índia, depois a gente precisou de um tempo para planejar e desenvolver a receita. Era o mesmo doce [que deveria ter preparado por todos os competidores], mas cada um resolveu usar especiarias diferentes em seu preparo. O Mathieu criou um vínculo muito grande com o Pará, e por isso resolvemos usar o queijo do Marajó na preparação. Ele tem uma porcentagem significativa de gordura, então os bolinhos exigem um ponto certo, porque se entrar ar, eles estouram”, lembra Gleyce, sobre o desafio. “Aproveitamos o tema e levamos também a cuia usada tradicionalmente no estado para a apresentação da receita e fomos além, inserindo as iconografias do Marajó”, detalha.
Em seguida, Mathieu decidiu por um “Café da manhã com doce de manga”, que conquistou os jurados Carole Crema, Lucas Corazza e Roberto Strongoli. O desafio era usar a manga combinada com cardamomo e pimenta Jamaica, especiarias típicas da culinária indiana. Superelaborada, a receita em várias etapas exige duas horas para execução da sobremesa e inclui uma compota de manga e maracujá, pâte sucrée e creme de amêndoas. “A gente quis levar um pouco do Pará para o programa em cada receita apresentada. Com relação à manga, a gente ficou com receio de não ser a manga que a gente já usava. Quando colocamos a manga com o maracujá, essa combinação nos trouxe um sabor totalmente diferente. Além disso, ficou um visual tão legal que ficou parecendo um ‘brunch’. A culinária é isso: uma diversidade de sabores”, afirma Gleyce.
Para a paraense, outro fator que contribuiu para a execução da dupla ter sido bem-sucedida é que tudo o que utilizaram nas receitas tem base artesanal. “Particularmente, não gosto de usar ingredientes artificiais. Em cada etapa, a gente observou isso. Até a água de rosas [usada na calda do Gulab Jamun], o Mathieu fez na hora”, relembra.
Uma escolha que ela faz em todas as suas preparações em confeitaria. “Eu faço bolo de pote e a confecção dele é toda caseira. Uso muito o cacau torrado, por exemplo, porque ele nos dá um sabor diferente. É caseiro, artesanal. Gosto muito de arriscar, provar, testar, acrescentar. Se não tem o material, a gente pode fazer o caseiro”, ensina.
Oportunidade de divulgar os ingredientes versáteis do Pará
Viajante do mundo, Mathieu Teissier tem na culinária paraense uma fonte de inspiração. “A gastronomia do Pará me inspirou primeiro porque acordou o meu paladar de um jeito que nunca tinha acontecido. Por exemplo, o jambu que faz a língua tremer no tacacá. Também porque são ingredientes muito versáteis. Você pode usar o bacuri e a castanha-do-Pará tanto em uma torta doce como em um risoto. Sem falar da variedade de texturas. A polpa do bacuri tem uma textura que quase não tem igual. O mesmo vale para o açaí e muitos outros ingredientes paraenses”, elogia o francês.
“Eles nos dão a oportunidade de brincar muito, tanto no sabor como na textura. Então para mim é um renascimento poder evoluir no dia a dia com essa variedade infinita de ingredientes”, completa o chef, que tem feito muitas versões de doces franceses com sabores do Pará.
Ele diz também ter “muito orgulho por ter levado um pedaço do Pará para a televisão”. “Saber que isso foi o diferenciador que permitiu, em partes, vencer o programa é maravilhoso. Ainda mais do lado da Gleyce, que é a essência do Pará, povo humilde, muito caloroso e acolhedor. Confeitaria, para mim, não tem nada a ver com o ego, ou o fato de competir e ganhar… Tem a ver com a entrega de amor em forma de doce para agradar e fazer feliz o planeta. Então espero que a gente tenha conseguido passar esses valores”, diz o chef confeiteiro.
Gleyce diz que participar do programa ao lado dele foi um presente. “Acredito que a gente acertou nas escolhas. Quando a gente ama o nosso estado e pode levar algo dele para fora, nos dá um sentimento incrível de gratidão”, afirma, dizendo que eles esperavam, antes de tudo, se divertir no processo. “A gente não quis pensar somente em ganhar. Mas o que nos levou a ganhar foi focar nas receitas. A gente conversou muito, discutiu algumas vezes. Quando a gente encontra alguém nessa linha de pensamento, é incrível como a cozinha flui”, enaltece.
E flui com amor. Formada em artes visuais, Gleyce atuou na área de saúde, como técnica de enfermagem, além de ser massoterapeuta e ter cursado design de interiores, mas diz que a confeitaria está no DNA. “Posso ter a profissão que for, mas a confeitaria está na minha vida e minha história. Ela me salvou da depressão. Os meus doces servem de terapia. Às vezes, a gente está passando tantas situações difíceis e ir para a cozinha pode nos dar força para prosseguir. A confeitaria é o que me salva”.
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