Nascido e criado nos bairros da Matinha, Pedreira e Sacramenta. O cantor, Edir Gaya teve a infância e a juventude estigmatizados pelo preconceito, por conta dos bairros onde cresceu que eram tidos como berços da malandragem barra-pesada.
Não houve contestação quando a “higienização urbanística” transformou a Matinha em Fátima, com modernos prédios e carros do ano. Embora a Matinha subsista na memória e no cotidiano de sua população original mais pobre (que nunca aceitou a troca de nome) e também na “Trilogia da Matinha”, em que Gaya preserva o amor, as personagens, os “mitos’ daquela periferia.
“Em Liamba Jazz & Samba, a Matinha é Senhora de Fátima, aquela que lança seus encantos sobre mim e sobre o mundo”, diz Gaya, ao explicar que a Trilogia da Matinha é uma emulação de paixão, morte e ressurreição.
“A paixão é a derrubada do morro, que ficava onde hoje está o Santuário de Fátima. A morte está em ‘Restos’, oração pagã de um imaginário garoto da gangue Demônios da Matinha (DM), geração aniquilada pela PM na década de 90. A ressurreição vem em ‘Romance na Barra’, música que marca o advento do amor”, explica.
Neste sábado (02), Belém receberá um dos melhores instantâneos que a arte lhe poderia proporcionar - o álbum “Liamba Jazz & Samba”, de Edir Gaya, crônica musical da cidade a partir das quebradas, de histórias que agora respiram pela via da MPB que vira samba, samba que degusta o jazz, jazz que beberica o rock, tudo com a bênção de Johnny Alf e João Gilberto. A data de lançamento também remete à memória: “É a data em que faleceu o poeta Bruno de Menezes, autor do poema Liamba, que inspira o álbum”, informa Gaya, ao acrescentar que se trata também de uma celebração lítero-musical.
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Eis porque “Liamba Jazz & Samba” chega com a estatura de um álbum da moderna música paraense e, ao mesmo tempo, “cartografia do afeto, geografia da memória”, nas palavras do autor. Quarenta anos de vida que vira música e poesia em quinze canções, que percorrem cinco bairros - Matinha, Pedreira, Sacramenta, Guamá e Jurunas -, seus personagens, ruas, becos, o cancioneiro, tradições religiosas, festas.
Redivivos no álbum personagens marcantes da Matinha: Deusuíte – Deusu ou Deusa -, estigmatizada pela crônica policial como traficante, mas que no álbum ganha status de “mercadora de sonhos”, e Diamantina, sacerdotisa afro (ambas negras), além de Osvaldo Oliveira – o Vavá da Matinha -, compositor célebre de quem Gaya gravou Desgosto.
Pedreira - Outra trilogia é a da Pedreira, com personagens clássicos, como no “Samba pra Julião” (este o principal organizador do bloco Aguenta o Tombo, que sacudiu a cidade na década de 80) e a história de um malandro que se asila na cidade da Vigia para escapar ao “Seu Mourão”, o implacável delegado terror dos jovens negros periféricos e estrela do programa de rádio “A Patrulha da Cidade”.
Sacramenta - Sem fugir à história e à sociologia, Liamba Jazz & Samba traz as marcas do coletivo Hera da Terra, da Sacramenta, que Gaya integrou na década de 80 e que produzia música, poesia e artes plásticas como forma de resistência à ditadura militar, brigando pelo direito de morar, em apoio ao Movimento de Emaús, pela libertação de presos políticos.
Um disco denso a partir das “margens”, portanto, que começa e desemboca em “Liamba”, poema de Bruno de Menezes (do Jurunas) do livro “Batuque”, que inaugurou o modernismo na Amazônia. “Agradeço aos filhos de Bruno (Irmã Marília, Lenora Brito e ao doutor Haroldo Menezes) pela liberação do poema, fundamental porque esse trabalho se fundamenta na estética das ruas inaugurada por Bruno”, destaca Gaya.
Parcerias - Nove canções do álbum são parcerias com os letristas Raimundo Sodré, Cacá Farias, Edson Coelho, Ribba, Renato Torres e Walter Freitas. A produção e direção musical é de Renato Torres e seu Guamundo Home Studio, com grandes músicos de Belém. Além de músicas próprias, Edir Gaya faz homenagens a Osvaldo Oliveira, o Vavá da Matinha, com “Desgosto”, e a Carmélio Gaya, seu pai, com “Manuela”.
SERVIÇO
“Liamba Jazz & Samba” será lançado em 2 de julho, no Espaço Cultural Boiúna (Rua dos Pariquis, 1556), às 22h, com couvert artístico.
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