O futuro é ancestral. É preciso refazer os passos dos que vieram antes, conhecer a história do seu próprio lugar, saber onde tudo começou e quem guarda a raiz da nossa identidade, para que com nossos braços possamos proteger essas memórias e com nossas pernas criar novos caminhos.
O projeto “Entre Rios e Memórias – A Cultura Popular de Marabá” nasce deste desejo de salvaguardar a memória e história de cinco Mestres e Mestra da Cultura popular de Marabá. São eles: Zé do Boi (Boi Bumbá), Dona Zefinha (Benzedeira), Seu Chengo (Pescador), Seu Sérgio (Artesão Naval) e Seu Manoel (Divino Espírito Santo).
Maior festival de Carimbó está de volta em Marapanim
Idealizado pela Produtora Cultural Clara Morbach e pelo Artista Visual e Designer Livando Malcher, o projeto, contemplado com a nota máxima pelo edital de Arte e Cultura da Fundação Cultural de Pará, registrou, por meio de cinco curta metragens, a oralidade e saberes destes mestres considerados patrimônio imaterial do Sudeste do Estado.
“O projeto nasceu de um interesse antigo meu de registrar a memória de Mestres e Mestras detentores de saberes tradicionais e da cultura popular daqui de Marabá. É uma relação que eu já venho construindo há alguns anos, principalmente no bairro do Cabelo Seco, e essa relação foi se aprofundando e desse desejo antigo surgiu a oportunidade de materializar o projeto por meio do Edital de Arte e Cultura do FCP junto da parceria do Livando Malcher do Estúdio Ingá”, conta Clara Morbach.
Documentários destacam Mestres da Cultura Popular de Marabá
Ainda de acordo com a Produtora Cultural, a escolha da linguagem audiovisual se mostrou um meio interessante de compartilhar a memória dos Mestres com o maior número de pessoas. “A gente imaginou que o audiovisual seria uma forma de manter e expandir a transmissão destes saberes, de dar a oportunidade de se contar estas histórias para que elas alcancem a juventude, para que a juventude saiba a história do seu lugar e território, e quem são aqueles que guardam a nossa identidade. É uma forma de reconhecer a importância destas pessoas, destes Mestres”, resume.
Memórias de Boi Bumbá
José tinha oito anos de idade quando brincou de boi pela primeira vez. As memórias daquela única experiência não só o acompanharam por toda a vida, como também o conduziram para o que se tornou a missão dele: “Eu lembrava as melodias, as façanhas que tem o boi, o drama do boi em si, e aí fica na cabeça da gente, principalmente criança fica a marca. Eu fiquei com esse negócio até os 40 anos, até que eu encontrei uns parceiros no meu aniversário, eles comentando, bora fazer um boi? Vamos”.
Assim nasceu o Boi Bumbá Flor do Campo e também o Mestre Zé do Boi, nome pelo qual José Rodrigues da Silva é conhecido em Marabá. Dos seus 72 anos de idade, 32 foram e são dedicados para a tradição do Boi Bumbá. “Eu sou apaixonado pelo Boi. Pra não deixar a cultura morrer eu mantenho isso aqui e meu apoio é essa juventude que tá me acompanhando. Quero deixar tudo pra eles, pra eles falarem, foi o Zé do Boi que deixou”, resume.
Mãos de Cura
Foi em um casebre de alvenaria em frente ao Rio Tocantins, no bairro de Francisco Coelho, que Dona Zefinha nasceu, se criou e recebeu da mãe dela, dona Maria Pretinha, o ofício da cura, tornando-se Benzedeira. “Eu aprendi tudo com a minha mãe. A minha mãe era benzedeira, daí ela passou pra todas as minhas irmãs. De tudo eu sei benzer: cobreiro, quebranto, peito aberto, mal olhado. Tudo que ela me ensinou eu aprendi e faço isso na minha cidade”, conta.
Mestra nas Artes da Cura, Dona Zefinha é muito procurada para cuidar de casos que a medicina moderna não consegue resolver: “Quando tem gente com cobreiro no hospital, a doença do cobreiro é pesada, e nesse dia mandaram me chamar...eu vou, não nego, eu sei que lá tem os médicos, mas é como eles dizem, ‘nós somos médicos, mas você é outra doutora’”.
A terceira margem
Da outra margem do rio, sentado em sua canoa, o pescador Raimundo Coelho de Souza viu a cidade de Marabá se expandir e desenvolver. Viu também amigos partirem, crianças crescerem e o coração dele se encher de memórias que vão e vem como maresia.
“Aqui quando eu era menino isso aqui tinha uns mato que a gente chama rabo de raposa. Aí a gente ficava pescando, brincando aqui dentro daqueles rabos de raposa. Isso aqui não era orla, todo prefeito que entrava dizia que ia fazer um cais e nunca fazia, só mais recentemente fizeram a orla e o cais”, lembra.
Nascido e criado no bairro do Cabelo Seco, o pescador, mais conhecido como Seu Chengo aprendeu a arte da pesca com o pai, Seu Dito. Hoje, aos 77 anos, ele segue a vida entre o rio e o cais nesta orla de tantas lembranças. “Pra nós é muito importante esse rio aqui, é um tesouro. Porque ele tem tudo, muitas espécies de peixes aqui, é pouca espécie que não tem, a maioria tem aqui. Aqui a gente se banha quando tá inverno ou verão, banha no rio mesmo. A maioria do pessoal faz questão de estar aqui, no rio”, conta.
Nome que corre nos rios
Mestre Sérgio ancorou em vários portos antes de escolher Marabá como o próprio cais. Nascido em 1953 na comunidade de Carapajó, no município de Cametá, conheceu o ofício de Artesão Naval ainda na adolescência. “Comecei na média dos 14 a 15 anos. Naquela época todo mundo começava a trabalhar cedo, arrumar uma profissão, e eu já tinha um começo na minha cidade, porque em Cametá tem estaleiro grande, construção de barco de todo tipo”, lembra.
Em Marabá, Sérgio aprendeu mais sobre o ofício, convivendo com Mestres da Região. Ele participou da construção de embarcações de transporte de castanha, até se especializar em um segmento específico. “Chegou o tempo de eu trabalhar por conta própria e eu fui desenvolvendo outros tipos de embarcação, quer dizer, começou a modificar meu estilo, era mais embarcação com destino de lazer, pro povo curtir férias. Hoje o meu nome está rolando no mundo, nas embarcações que eu construí”, afirma.
Fé e Folia
Manoel puxa um andor que atravessou Estados e também séculos. Nascido em 1939 em Marabá, ele é o quinto Imperador da Festa do Divino Espírito Santo do Bairro de Santa Rosa e leva adiante junto com a Esposa dele, Dona Lúcia, uma tradição trazida pelos pais dele para a região.
“Meus pais, José Duarte da Costa e Barcelise Tomás Dias foram coordenadores deste festejo desde antes de eu nascer e através do padrinho do meu pai ele veio de Minas Gerais e começaram a festejar em um lugar chamado cabeludo, que hoje é a vila Divino Espírito Santo. Eu nem lembro quando começou porque eles já faziam antes de vir pra Marabá, só eu já tenho 83 anos, então tem muitos anos!”, conta.
A tradição passada dos pais para o filho conta com o apoio de toda a família e comunidade do entorno para se manter viva. Embora Manoel seja um dos grandes guardiões do Divino Espírito Santo de Marabá, com a generosidade de um Mestre ele afirma: “Qualquer personagem do Divino é subordinado ao Divino Espírito Santo. O Imperador é coroado pelos foliões, então não somos donos. A gente vai ajudando e vai crescendo, aí vem meus filhos que tudo ajuda, os sobrinhos, netos que tudo faz parte do Divino pra ajudar”.
Lançamento Presencial e Virtual
A Mostra “Entre Rios e Memórias – A Cultura Popular de Marabá” acontecerá no próximo domingo, dia 27, às 18h, no Cine Marrocos. Além da exibição dos cinco curtas metragens que integram o projeto, o evento conta também com a apresentação do Boi Bumbá Flor do Campo e com o lançamento do site do projeto, onde os documentários serão disponibilizados gratuitamente. (www.entreriosememorias.com.br)
Serviço: Mostra “Entre Rios e Memórias - A Cultura Popular de Marabá”.
Dia: Domingo, 27.
Hora: 18h.
Local: Cine Marrocos (Travessa Lauro Sodré, 228, Velha Marabá)
Entrada Franca.
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar