Oconhecimento que João Oliveira dos Santos, o Mestre João Grande, carrega há mais de 60 anos, ele recebeu diretamente do pai da Capoeira Angola, o Grão Mestre Pastinha. Nascido em 1933, na pequena aldeia de Itagi, no sul do estado da Bahia, ele trabalhou desde criança ao lado de sua família nos campos. Desde esse período, era fascinado pelo movimento, das árvores ao vento, das ondas no oceano. Hoje, mora em Nova York, onde tem ensinado há mais de 25 anos os movimentos da capoeira.
“Eu tinha a idade de 10 anos, quando vi ‘cortar capim’ pela primeira vez”, ele lembra. O movimento de agachar estendendo uma perna na frente e balançando-a em torno de um círculo, e ainda saltando por cima com a outra perna, o fascinou. “Perguntei o que era aquilo e me disseram que era ‘Nagô’, uma dança dos africanos”, conta. A tal dança realmente existia, mas a que João viu, na verdade era a Capoeira.
E João não aprendeu o nome correto do movimento até muitos anos mais tarde. Ainda moleque, saiu de casa, trabalhando como migrante nas plantações da Bahia. Quando chegou a Salvador, aos 20 anos, deparou-se com uma roda de capoeira que podia ser considerada histórica, composta por personalidades como Menino Gordo, João Pequeno, Mestre Barbosa e Cobrinha Verde, um dos jogadores mais habilidosos. “Perguntei ao Mestre Barbosa onde eu podia aprender capoeira e ele me enviou para o João Pequeno”, relembra.
De João Pequeno foi para as mãos de Mestre Pastinha que tinha uma academia famosa no bairro Cardeal Pequeno, em Brotas. “Eu sai dos pés desses mestres. O Pastinha é meu mestre, meu pai, meu avô de capoeira. Mestre Waldemar foi meu mestre em palavras, os outros, meus mestres no jogo”, diz ele. Para se sustentar, João trabalhou nas docas, em construções, mas estava sempre treinando o que aprendia.
“Ali mesmo eu treinava, não ficava parado. A hora que deveria estar descansando, eu estava fazendo movimento da capoeira e até hoje faço. A capoeira angola é uma dança, uma arte, uma profissão, uma cultura. A gente está comendo fazendo capoeira, andando fazendo capoeira, o que a gente fizer que envolva nosso corpo, movimento, tem capoeira”, diz ele.
As amarguras dessa jornada vieram em momentos como a queda da academia de Pastinha. Idoso, doente e quase totalmente cego, o pai da capoeira angola foi convidado pelo governo a desocupar o prédio para reformas. “O espaço nunca foi devolvido. Em vez disso, tornou-se um restaurante”, conta o mestre. Após a morte de Pastinha, João Grande parou de jogar capoeira. Só voltou a ensinar na década de 1980.
A reviravolta veio em 1989, quando, convidado por Jelon Vieira para visitar os Estados Unidos, decidiu que gostava do país e pediu para ficar. Com a ajuda de uma aluna, abriu a academia Capoeira Angola Center of Mestre João Grande, tendo como alunos principalmente europeus e americanos. Sem falar ou entender inglês, diz que a língua da capoeira se ensina fazendo, e se começa pela ginga.
“Eu faço isso: ‘negativa, ginga... negativa”, mostra o mestre sinalizando com as mãos e o movimento do corpo. “Cada canto, cada som, está associado a uma palavra e assim eles também vão aprendendo”, garante. E assim, apaixonado pela capoeira e repassando seu conhecimento, Mestre João Grande tornou-se um capoeirista aclamado, aquele que Carybé, pintor famoso pela documentação da Cultura Africana na Bahia, escolheu como modelo para fazer estudos sobre os movimentos da capoeira. “A capoeira angola é um pé de planta, você plantou e cuidou do trato dela, ela cresce. Capoeira de Angola é a nossa vida”.
Intercâmbio
Em Belém pela primeira vez, Mestre João Grande deu oficinas ao longo da última semana, palestras e orientações a capoeiristas. Sorridente, contou sua história de vida nos mínimos detalhes; de boa memória soube descrever desde a pequena sala em que foi recebido pela primeira vez por Mestres Pastinha para pedir que fosse seu professor. Neste domingo, ainda participa de uma roda de encerramento do Intercâmbio Internacional de Capoeira, promovido pela Fundação Cultural do Pará e a Associação de Capoeira Berimbau Brasil.
(Laís Azevedo/Diário do Pará)
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