No último domingo, dia 30 de abril, foi celebrado o dia Internacional do Jazz. Aproveito a ocasião para seguir com uma lista de músicas do gênero musical, iniciada no texto anterior “Dia internacional do Jazz: 10 músicas para sentir”. Quem sabe, caro leitor, essas músicas, entre uma forte balada, ou uma música suave e terna, interrompam um pouco o dia a dia. Justamente porque precisamos seguir em frente, é que devemos sentir a música, o resto “não significa nada” (“It Don’t Mean A Thing”).
“It Don’t Mean A Thing (If It Ain’t Got That Swing)” é o título de um hino jazzístico composto por Duke Ellington e gravado em 1932. É um dos símbolos do dançante estilo “swing” e representa toda variabilidade do músico norte-americano.
Em uma cena do filme “Cotton Clube” (1984), de Francis Ford Coppola, no backstage do clube os músicos comentam que “The Duke” estará presente. Esse era o apelido de Ellington que se apresentou por vários anos no lendário clube de Nova Iorque.
Dia internacional do jazz: 10 músicas para você sentir
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A excitação com a notícia não era para menos, Ellington já era considerado um dos maiores músicos do deu tempo e tomado como um “nobre”, por sua elegância e genialidade, no mainstream do jazz.
Há muitas versões de “It Don’t Mean A Thing”. Se você quiser pegar o espírito da força do swing dessa música, ouça a gravação ao vivo de Ella Fitzgerald e Ellington no álbum “Ella and Duke at the Cote D'Azur”, de 1967. Há algo parecido na apresentação dos dois, disponível em vídeo, no Ed Sullivan Show em 1965.
Vamos baixar um pouquinho o tom e nos deixarmos levar pela maviosa voz de Dinah Washington na famosíssima “What Difference A day Makes”, de 1959. Lenta, compassada, a letra de Stanley Adams é uma declaração ao ser amado e à beleza da vida que retorna e afasta o que antes parecia lúgubre e que dissipa a chuva, a tristeza e a solidão.
É uma enorme injustiça limitar Dinha Washington a essa canção, suas interpretações são repletas de uma densidade melódica raramente vista em outras cantoras do gênero. Em “What Difference...” isso surge, mas é uma parte do que se pode deleitar com o talento de Washington.
Uma curiosidade (não gosto de curiosidades, mas aqui é uma certa justiça), a música original, quase sempre esquecida quando mencionada a versão em inglês, é “Cuando Vuelva a tu Lado”, de 1934, da compositora espanhola María Grever.
Após ouvir a versão de Dinah espero que você perceba “que diferença um dia faz” (“What Difference A day Makes”), ou como se diz em bom português, “que bom que você voltou”.
Sigamos com a pujança de Lee Morgan e perceba como o trompete é capaz de fazer variar as emoções, enfatizando-as, espaçando-as, condensando-as. É o que “Sidewinder”, de 1964, com sua marcante base de piano, nos dá no álbum de mesmo nome.
Álbum considerado umas das gravações seminais do jazz (veja, por exemplo, a explosão rítmica da faixa “Totem pole”). O disco tem a inigualável companhia de Joe Henderson no Sax e é um dos orgulhos da histórica gravadora Blue Note. O sucesso foi estrondoso à época.
Lee Morgan foi um músico prodígio não só pela idade que começou a gravar com grandes nomes como John Coltrane, mas por demonstrar as suas linhas melódicas tocadas com um perfeccionismo só comparado a outros monstros como Clifford Brown (sua grande influência).
Seguindo a sina do jazz, Morgan após um período de crise pessoal, e depois do sucesso da música de 1964, morreria aos 33 anos, vítima de um tiro disparado por sua mulher no intervalo de um show, em 1972. Mas ele continua no compasso inesquecível dessa música e no panteão do estilo com esse álbum.
Como não seguimos uma sequência de importância neste texto, Charlie Parker chega para “bagunçar” a festa. Isso mesmo, nenhum outro músico foi tão importante na modificação melódica do sax e, também, do jazz do que Parker.
Essa revolução que originou o estilo Bebop se tornará icônica na célebre música “Billie's Bounce”, de 1945. Ela possui o fraseado que ele imprime nas músicas de mesmo estilo como “Koko” (verdadeira expressão, com todas suas modificações harmônicas, da revolução do Bebop).
Quase todos conhecem a história do mitológico Parker, mas se você, sendo amante ou não de jazz, quiser ter uma versão em filme da vida do músico, veja o longa-metragem “Bird” (1988), de Clint Eastwood, uma bela representação da história das quedas e glórias de Bird (como Parker era conhecido).
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Naquele momento o Bebop vinha, com um olimpo de músicos como Miles Davis (então com 19 anos), Dizzy Gillespie, Bud Powell, ocupar o lugar do ritmo Swing e das Big bands.
Na verdade, ocupar o lugar é um eufemismo, ele veio mesmo foi mudar a história da música.
E mudou. Um dos símbolos da origem dessa mudança é “Night in Tunisia” (1942), do trompetista Dizzy Gillespie.
Um dos standards mais famosos do jazz já demonstrava como ele se modificaria com a introdução de outros estilos musicais, como novas formas rítmicas, mas sem perder a beleza que marca essa forma musical e, especialmente, a calma e expansiva música de Dizzy.
Veja na versão remasterizada gravada com Charlie Parker. Essa exuberância do trompete de Gillespie, a marcação perfeita do ritmo e, ao mesmo tempo, a sua variação, em possibilidades que parecem intermináveis, são algumas das características dessa canção.
“Nigth in Tunisia” é obrigatória em toda jam session de jazz que se preze. E, se você for a um clube onde estiver ocorrendo uma e eles não a tocarem, educadamente, exija-a.
Já escrevi em outra ocasião sobre a importância de João Gilberto nessa história (“João Gilberto: o mito”). Aqui estamos diante não apenas dos metais (instrumentos de sopro) que tanto caracterizam o jazz, mas da introdução definitiva para esse mundo de um novo ritmo no violão e na inigualável interpretação do músico brasileiro.
Além do sucesso arrebatador no mundo inteiro de “Garota de Ipanema” (uma das canções mais executadas na época e, até hoje, uma das mais regravadas), a bela “Corcovado” (Quiet Nights Of Quiet Stars), que por aqui, foi até tema de abertura de novela, traz todo o espírito da Bossa nova e conta com um toque magistral do notável saxofonista Stan Getz.
Repito aqui o que escrevi: “Nesse aspecto, sua glória internacional, está ligada à música norte-americana. O álbum "Getz /Gilberto", de 1969, foi um fenômeno em todos os sentidos.
Ele consolidou e expandiu mundialmente a bossa nova. Presente em especiais de TV, em filmes e séries, a música de espírito carioca, se tornaria uma música-mundo.
O pai da bossa nova estaria inserido em um circuito musical inaudito para qualquer outro músico brasileiro, com exceção, à época, e graças à bossa, de Tom Jobim”.
Agora, o exibido (quase sempre com todos os motivos para isso) Miles Davis chega com os óculos escuros, enfunando o peito e dizendo pra todo mundo como se deve conduzir a harmonia.
Davis gera polêmica até hoje, evidentemente. Uns apontam a performance de “Kind of blue” como o seu melhor, outros não se dobram e bradam o icônico “Round About Midnight”, de 1957.
É nesse que temos a música “Round Midnight”, uma das mais executadas quando o tema é noite chuvosa, ruas esfumaçadas, pessoas solitárias e neon piscando nas faixadas de bares.
A música é do homem de dedos que pareciam baquetas, o aclamado pianista Thelonius Monk. Mas entrou mesmo para a galeria das versões incomparáveis, com Miles.
Nela, uma introdução do trompete dominando o espaço, no estilo de Davis, como um som domado, misterioso, introvertido e solitário. Sim, a alusão é a uma figura que está na solidão da noite, da cidade, de si mesma.
Vejam nessa preciosidade que é a versão ao vivo em vídeo com o Quinteto de Miles, em 1967, em Estocolmo.
Ele já era tão grande que desse grupo faziam parte ninguém menos que Wayne Shorter (sax tenor) Herbie Hancock (piano) Ron Carter (baixo) e Tony Williams (bateria).
Aí estão alguns dos maiores músicos de jazz de todos os tempos, variando o tema, com Miles retomando-o com uma finalização quase abrupta após as experiências harmônicas de seus companheiros.
E já que falamos dele, não há como deixar de lado o homem que, para muitos, virou de cabeça para baixo o piano no jazz, Herbie Hancock, o embaixador do Dia Internacional do Jazz e, certamente, um dos mais prolíficos músicos do estilo.
Para se ter uma ideia, alguns connaisseurs, como Vinicius Mesquita, afirmam que sem ele, talvez, o “Acid jazz” (uma fusão do jazz com estilos como o funk, a soul music e o disco), ou até mesmo o Hip hop não teriam existido.
Quer ter uma noção disso? Escute o V.S.O.P (Very Especial Old Product) que cito aqui como forma de, tanto homenagear os membros desse grupo, os mesmos do Quinteto de Miles, com exceção de Freddie Hubbard (trompete), como para percebermos como o estilo mudou no decorrer do tempo e, com ele, os estilos dos músicos.
Essas mudanças de época, de tom, de sentido do jazz estão plasmadas, por exemplo, em “Para Oriente” (1979) do álbum “Live Under the Sky”.
Aí estão os resultados das várias experiências do jazz com outras possibilidades estilísticas, mas notem como o piano pulsante de Hancock salta para fora para acentuar sua dominância da cadência na música. É o embaixador do jazz em seu estado puro.
Pureza é tudo que não mais existe na versão de “Take ‘a’ train” do elogiadíssimo álbum “Study in Brown” (1955) do já mencionado trompetista Clifford Brown e do baterista Max Roach.
Não existe pureza porque a música é de Duke Ellington e, originalmente, é um swing que imita a partida de um trem. Há um vídeo de Ellington do filme “Reveille with Beverly” (1943) no qual sua banda surge dentro de um vagão representando a ideia da música.
Mas na versão de Brown e Roach o trem (a música) não só parece ir mais rápido, mas, principalmente, sua velocidade já não é para dançar, e sim para escutar as possibilidades que o Hard bop trouxe com a maior aceleração dos andamentos que o bebop, proporcionando uma intensidade que terá na assinatura dessa música e desse álbum uma das melhores expressões.
O trem está no começo e no final da canção, mas ele não embala mais as pessoas como em Duke, ele as desperta, sacudindo-as.
Digamos que seja final do dia e você agora pretende estar contemplativo. E, se for para ouvir a canção seguinte, deve. Exatamente porque trata-se, agora, da representação de um sublime, mas de um sublime diferente.
No texto anterior, mencionei Billie Holiday, nesse, a deixarei com vocês na interpretação de uma canção que, não por acaso, é, e deve, ser muito mais do que isso. Sim, senhoras e senhores, trata-se de “Strange Fruit”.
Como mencionei anteriormente (“Billie Holiday, Strange Fruit e 100 anos do Jazz”), “a música surgiu de um poema de Abel Meeropol sobre os linchamentos de negros que ocorriam nos Estados Unidos após a Guerra Civil. A inspiração teria vindo de uma fotografia de uma dessas atrocidades ocorrida em 1930, em Marion, Indiana. Esse é o tema de Strange Fruit.
Nenhuma versão se aproxima do que Billie fez. Há um vídeo de Holiday, de 1959, em Londres. Vejam. Ali, Billie, em seu derradeiro momento, encarna a música e a música a define.
Ali está, não importa se em sua fase de decadência ou não, diz David Margolick em seu fabuloso livro ‘Strange Fruit: Billie Holiday e a biografia de uma canção’, ‘a experiência de ouvir e ver Billie Holiday cantando Strange Fruit: os olhos fechados, a cabeça jogada para trás, a gardênia de sempre atrás da orelha, o batom rubi realçando a pele escura, os dedos estalando de leve, as mãos segurando o microfone como se fosse uma xícara de chá’”.
Como se sabe, o jazz está profundamente ligado a vários contextos históricos decisivos. Espero que quando leia este texto possa aproveitar o máximo possível o que o estilo e as músicas podem proporcionar, e possa fruir, verdadeiramente, os sentidos das canções. Se isto for atingido, o resto “não significa nada” (“It Don’t Mean A Thing”).
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