Antônio Juraci Almeida Siqueira tem 75 anos e é professor aposentado de Filosofia, graduação que concluiu em 1983, pela Universidade Federal do Pará. Pacato morador da capital desde 1976, ele gosta de dizer que “saiu do interior, mas o interior não saiu dele”. É sujeito simples, de sorriso franco, que vive com a família em um sobrado pintado de verde com bonitas plantas no pátio, numa passagem com nome de Felicidade, situada num bairro que remete a um pássaro que é sinônimo de liberdade, a Condor.
Poderia muito bem ser confundido com outros Antônios, comuns pelas periferias de Belém, mas não é o caso. Reside nele a benção de uma existência regida pela palavra, um superpoder que, como o dos seres míticos e encantados da Amazônia, ele cultiva desde pequeno: quando criança foi exposto à radiação da poesia, ainda na localidade de Cajary, no Afuá, no Marajó, e desde então ganhou outra forma, outra voz, outra força, outra grandeza.
O professor, ex-açougueiro, declamador, poeta e patrimônio cultural vivo pode tranquilamente ser classificado como o primeiro escritor interespécie da história do Brasil (pelo menos até onde sabemos): de humano se tornou “O boto”. Ou “filho do boto”, como ele também gosta de se identificar. De roupa branca, chapéu na cabeça, amuletos e uma profusão infinita de versos, nas noites de lua cheia (ou em qualquer outra fase lunar e até mesmo de dia), ele seduz, metade-lenda, metade-homem, com a arma secreta do poema, no ágil ritmo das trovas.
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27ª Feira Pan-Amazônica do Livro é lançada nesta quarta (10)
Na última segunda-feira (12), tarde quente e sem chuva, Juraci recebe a reportagem do Dol em casa, depois de uma atividade literária com crianças no Hospital Universitário Barros Barretos, em Belém. Acertou nosso encontro dentro de uma embarcação, voltando da cidade de Soure, no Marajó, onde também foi a trabalho - o homem não para. Paramentado, ele abre o portão para a equipe.
Merecidamente, Juraci Siqueira é um dos homenageados da 27ª Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes, evento que se inicia neste sábado (17) e se estende até o dia 25, com exposições, shows, palestras e uma série de atividades culturais em torno da literatura e outras expressões artísticas da região.
Em casa, Juraci convida ao terceiro piso, onde senta para dar a entrevista. Inquieto, senta, levanta, senta, levanta, faz questão de mostrar o acerto das obras, em uma pequena estante de aço, e relembra histórias com amigos que fez com a literatura e com a incursão pela imprensa paraense – Juraci teve as colunas "Rima Rica" e "Juraci Park" no antigo jornal A Província do Pará, onde atuou com o jornalista e escritor Raymundo Mário Sobral e outros parceiros, como cartunista e cronista Biratan Porto, falecido em 2021.
Boto declamador
O poeta continua afiado como sempre. Puxa no meio da conversa, de cor, poemas que escreveu, como o místico e filosófico “Eu, o boto”, e de outros ilustres mestres da poesia, como chileno Pablo Neruda e o paraense Rui Barata. Juraci segue interessado no mundo, nas pessoas e nas leituras por considerar que "é preciso conhecer para amar e amar para defender”. Sua figura condensa hoje a de um guardião da cultura feita na Amazônia, como quem seabe o que diz, como bom marajoara e fazedor de poemas que é. Ele reforça seu poder de poeta mamífero aquático: "tenho lugar de fala".
Está orgulhoso da homenagem na Feira Pan-Amazônica do Livro, no entanto, o sentimento é mais coletivo do que individual: junto com a mestra de cultura popular Iracema Oliveira, também homenageada neste ano pela vida dedicada à preservação dos Pássaros Juninos de Belém, o poeta compreende que a escolha do nome dele é também uma forma de estender essa representatividade a muitos outros escritores e produtores de cultura paraenses, como ele.
Iniciado em 1981 numa poética, que é antes de tudo popular, no amplo siginificado do que o povo abraça por amor e identificação, Juraci já perdeu a conta de quantos livros publicou, em vários gêneros textuais, flutuando entre a prosa e a poesia, embora estudiosos digam que podem chegar a mais de 80 títulos.
Premiado
Com essa produção robusta, arrebanhou respeito e prêmios também, entre nacionais e internacionais, além de honraria como ser considerado Patrimônio Cultural Vivo pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Pará e teve seu trabalho reconhecido com a Medalha de Mérito Cultural e Patrimônio de Belém, além do título honorário de “Cidadão de Belém”. Como cetáceo, liso que só, já escorregou sua verve até para o francês, com a tradução para a língua de Emmanuel Macron da sua obra com mais edições até o momento: "O chapéu do boto".
Figura das salas de aulas, dos eventos, das ruas, Juraci se equilibra entre a picardia de poemas mais, digamos, apimentados e a doçura de um vovô que ensina sobre a natureza exuberante da Amazônia para os netinhos. É da mesma árvores "jurácica" o clássico e palavrudo livro "Os versos sacânicos", que quase não é publicado pelas "sacanagens" poéticas contém, e o cândido e didático "Paca, Tatu; Cutia não!", com poemas inspirados na rica fauna amazônica, também campeão de vendas da lista longa do trovador da Condor.
Juraci Siqueira vive a Feira do Livro desde que o evento existe. Nunca foi tarefa difícil vê-lo zanzando entre os livros com o sorriso de orelha a orelha, principalmente, no estande dos Escritores Paraenses, todos os anos. “Eu já ia, sempre, e ficava até à noite. Participava das programações, almoçava por lá. Esse ano, então (com a homenagem), piorou! Ou melhor: melhorou”, diz sorrindo.
Veja o vídeo com o poeta Juraci Siqueira.
Antônio Juraci Siqueira é considerado um dos poetas mais prolíferos da região Norte do Brasil e tem uma vida dedicada a publicações independentes. Seus livros incluem a literatura infantojuvenil, literatura de cordel, livros de poesias, contos, crônicas e textos humorísticos. Na sala da casa do autor, está parte dos troféus que ganhou em 200 premiações de concursos literários de diversos gêneros, em certames estaduais, nacionais e internacionais. Entre as obras de destaque escritas por Juraci estão, "O Chapéu do Boto" (2003), "Simplesmente Belém!" (2010) e "Paca, Tatu, Cutia não! (2008)",
Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes
A Feira Pan-Amazônica do Livro e das Multivozes abre as portas para o público entre os dias 17 a 25 de agosto de 2024, no Hangar Centro de Convenções. O evento voltado a todas as idades homenageia, neste anos, dois nomes incontornáveis da cultura popular da região: a mestra e guadião de pássaro Iracema Oliveira e o escritor e poeta Juraci Siqueira. A visitação é gratuita e ocorre das 9h às 21h, com entrada franca.
Nesta edição, a Feira contempla as Vozes do Clima: A COP na Amazônia, Vozes da Poética e do Imaginário, Vozes da Diversidade e Inclusão, Vozes da Democracia e Liberdade, Vozes da Ancestralidade, Vozes da Tecnologia, Vozes da Juventude, Vozes do Escritor Paraense e Vozes da Memória e do Patrimônio.
A programação traz ações e atividades de cultura, entre elas, rodas de conversas, saraus, encontros literários, peças teatrais infantis e contação de histórias.
O evento promete encerrar todos os dias com apresentações musicais, com atrações de peso como a Amazônia Jazz Band e convidados; Frutos do Pará e convidados; AQNO; Dona Onete; Carabao; Zaynara; Trilogia e um tributo a Tonny Brasil.
Veja entrevista de Iracema Oliveira ao Sem Censura Pará:
Equipe Dol Especiais
- Reportagem e Edição: Anderson Araújo
- Multimídia (vídeo e áudio): Thiago Sarame
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