“Me espantei quando recebi a mensagem de voz [do candidato] convidando pra uma reunião que ia ser aqui no meu bairro. Não tenho esse número há tanto tempo, quase ninguém tem”, disse o arquiteto Lucas Araújo, de 25 anos, ao receber uma mensagem de voz atribuída a um candidato a vereador da capital paraense, direcionado a ele próprio, através do aplicativo WhatsApp.
Depois eu pensei que poderia ser manipulado, mas na hora eu achei que ele [o candidato] estava falando comigo mesmo
Lucas Araújo, ArquitetoEm um ano no qual diversas eleições serão realizadas no mundo, inclusive no Brasil, o desafio na identificação do uso de IA na criação de narrativas relacionadas à desinformação é grande.
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Como funciona?
O analista de dados Rodrigo Bittencourt, de 34 anos, faz parte de uma equipe de comunicação atuante em campanhas políticas em município do Pará. Ele explica que a Inteligência Artificial (IA) funciona através de dados coletados e conta que as equipes utilizam a IA em benefício da comunicação eleitoral.
“Nós gravamos um vídeo que chamamos de diamante. Esse vídeo é gravado em formato de entrevista com o candidato, com duração de duas a três horas. Um vídeo longo com muitas perguntas sobre ele. Depois dessa gravação, nós jogamos a transcrição da entrevista para o ChatGPT, que vira um projeto. Esse projeto é alimentado por diversos materiais audiovisuais de campanha, o que faz com que a ferramenta colete o máximo de dados possíveis sobre aquele candidato e sobre a campanha daquele candidato”, disse Rodrigo.
Segundo o analista de dados, conforme a ferramenta for sendo alimentada com esses dados, ela vai “aprendendo” as características do candidato e da campanha, ou seja, armazenando dados e funcionando cada vez mais próximo do objetivo.
A Inteligência Artificial (IA) não é algo novo. Ela já existe, desde criptografia de mensagens, saques em bancos e otimiza muito o nosso tempo.
Rodrigo Bittencourt, Analista de DadosMais fácil, mais rápido
Rodrigo, que está no mercado Audiovisual desde 2011, conta como as ferramentas de IA facilitam o trabalho em campanhas políticas. “Com o uso de Inteligência Artificial (IA), hoje eu consigo tirar um ruído no Capcut [editor de vídeo] em um ou dois minutos. Antigamente eu levava cerca de cinco a seis horas pra fazer”, explica.
Rodrigo também afirma não ser possível fazer uma campanha política só utilizando Inteligência Artificial (IA).
“Seria perceptível a falta de sentimento. A IA ainda não consegue fazer tudo sozinha. É preciso lapidação humana pra direcionar a ferramenta. Cada candidato tem sua particularidade, os seus conceitos de campanha, os seus dingles e o jeito que ele fala”, concluiu.
ChatGPT, Chatbot; entenda
A mensagem de voz recebida pelo arquiteto Ricardo Araújo, portanto, possivelmente foi enviada através de um programa chamado Chatbot.
O chatbot é um programa de computador que simula uma conversa com humanos, usando Inteligência Artificial (IA) para processar conversas escritas ou faladas. O objetivo é que as pessoas tenham a impressão de estar conversando com outra pessoa e não com um programa de computador.
“O chatbot cria um fluxo de conversa. A pessoa comenta uma palavra chave nas redes sociais e essa palavra direciona a conversa para o direct através de IA”, explica o analista de dados Rodrigo Bittencourt.
Além do chatbot, o ChatGPT (Generative Pre-Trained Transformer) é uma ferramenta que, na prática, utiliza um algoritmo baseado em redes neurais que permitem estabelecer uma conversa com o usuário a partir do processamento de um imenso volume de dados. Essa ferramenta vem sendo usada, não somente nas campanhas eleitorais, mas por muitas pessoas que trabalham com texto, imagens e redes sociais.
“Toda Inteligência Artifical deixa uma marca no arquivo. Desmentir uma deepfake é desafiador pra quem está do lado de cá, pois há uma produção em massa dessas falsas notícias. Mas já existem ferramentas que detectam”, disse Rodrigo Bittencourt.
Questionado acerca do “medo” das equipes que trabalham com campanha política, em relação às deepfakes, Rodrigo afirma com convicção que essa não é uma preocupação.
“É preciso uma equipe grande e muito dinheiro pra investir em aplicativos de Inteligência Artificial, pois são muito caros. No interior do Pará, onde eu atuo, as pessoas tanto não possuem muito conhecimento, como também não possuem investimentos. Quando ocorre, o combate precisa ser rápido”, conclui.
Como a IA pode interferir nas eleições?
O professor Eduardo Coelho Cerqueira, da Faculdade de Engenharia da Computação e Telecomunicações do Instituto de Tecnologia da Universidade Federal do Pará (ITEC/UFPA), explica que a Inteligência Artifical (IA) é uma tecnologia que permite a criação de sistemas ou máquinas capazes de realizar tarefas com base em um conjunto de dados.
Segundo ele, essas tarefas permitem que sejam realizadas a classificação e a execução de tarefas, o reconhecimento de padrões, a resolução de problemas, as tomadas de decisões e o entendimento acerca da linguagem natural e cognição humana.
A Inteligência Artificial (IA) não é algo novo. Ela já existe, desde criptografia de mensagens, saques em bancos e otimiza muito o nosso tempo.
Rodrigo Bittencourt, Analista de DadosO professor afirma que as pesquisas sobre as IAs estão avançando de forma exponencial no Pará e no Brasil.
Principal Desafio
Nas eleições municipais de 2024, o professor Eduardo Cerqueira afirma que, apesar da Inteligência Artificial (IA) ser benéfica em diversos ramos, uma das maiores preocupações é a chamada Inteligência Artificial Sintética, onde a própria IA consegue criar narrativas e pode ser utilizada de forma fácil, inclusive por pessoas com menos conhecimento técnico.
“Isso traz vantagens, acelera o processo, tem uma série de benefícios, mas isso também traz desvantagens, que são as chamadas “deepfakes”. Da forma como elas são disseminadas, fica difícil de combater. No Brasil, nós temos poucas estratégias pra combater essas “deepfakes” a nível de imagem, de texto e de vídeo, e elas estão sendo bastante utilizadas para a distorção de fatos, mentiras e até mesmo para pornografias infantil ", completou.
Deepfake: O inimigo agora é outro
Após seis anos dos primeiros desafios que as chamadas "fake news" trouxeram para as instituições no período eleitoral, um novo desafio ainda mais forte surgiu: a Inteligência Artificial (IA). Quando associada a notícias falsas, nas chamadas "deepfakes", a IA pode ser um grande divisor de águas no processo democrático no Brasil e no mundo.
Uma foto do papa Francisco vestido com um casaco de grife branco, por exemplo, gerou grande polêmica nas redes sociais, em 2023. É um dos primeiros casos de uso viral da IA, com impactos globais. A foto extremamente realista foi veiculada, até mesmo, em portais oficiais de notícias e somente foi desmentida e reconhecida como uma obra de ferramentas de IA, muito tempo depois de sua divulgação em massa.
Recentemente, apoiadores do ex-presidente dos EUA Donald Trump, que concorre às eleições americanas, vêm compartilhando imagens falsas, criadas por Inteligência Artificial (IA), para atrair o eleitorado negro. Na imagem, é possível ver que o magnata aparece supostamente cercado por eleitores negros.
O que diz a lei?
No início do ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) expressou preocupação com o uso desses recursos em campanhas políticas e proibiu o uso de deepfakes nas eleições municipais de 2024.
Segundo a diretora-geral do Tribunal Regional Eleitoral do Pará (TRE/PA), Nathalie Castro, a normativa do TSE. para as Eleições desse ano (alterações na Resolução nº 23.610/2019 sobre a Propaganda Eleitoral) é bem clara ao dizer que todo o conteúdo elaborado com o uso de Inteligência Artificial (IA) e utilizado na propaganda eleitoral, deve ser indicado de maneira explícita, destacada, acessível e informando os eleitores sobre a manipulação do material.
“As deepfakes, por outro lado, estão proibidas de serem usadas na Propaganda Eleitoral. Essa técnica de manipulação de conteúdo audiovisual por meio de Inteligência Artificial é uma grande preocupação para a Justiça Eleitoral. A criação de vídeos falsos de maneira extremamente convincente, inserindo falas e ações em indivíduos, usada no contexto eleitoral, pode distorcer a verdade e influenciar significativamente a opinião pública”, finalizou.
Equipe Dol Especiais
- Lua Araújo é jornalista profissional e repórter do portal Dol desde julho de 2024.
- Anderson Araújo é editor e coordenador dos conteúdos especiais do Dol. Formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2004, e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto (Portugal), em 2022. É também autor de dois livros de contos e crônicas publicados em 2013 e 2023, respectivamente.
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