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FENÔMENO DE 80 ANOS

Endoida! Magia das aparelhagens do Pará magnetiza multidões

Descubra o pulsante mundo das aparelhagens no Pará, onde a música e a cultura local se encontram para criar eventos inesquecíveis. Saiba mais sobre essa tradição única alçada a patrimônio genuíno do Estado.

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Imagem ilustrativa da notícia Endoida! Magia das aparelhagens do Pará magnetiza multidões camera As aparelhagens são consideradas patrimônio cultural do Pará. | (Rafael Miyake)

Há cerca de 80 anos, o Pará inventou um novo jeito de festejar, com salões apinhados de gente dançando todo tipo de música e animados por monstros gigantes construídos de uma parafernália singular e muita criatividade. São as engenhosas e míticas aparelhagens sonoras, ou simplesmente, as aparelhagens.

Objetos de estudo de pesquisadores, fetiche para os não iniciados e motivo de adoração para fãs, esses tótens centrais nos rituais pagãos e dançantes dos paraenses continuam dando o que falar e atraindo o grande público onde há um brega para tocar e um espacinho para dançar.

É nas aparalhesn que a Amazônia brasileira, no Norte do País, também revela as influências que recebe do mundo inteiro, principalmente quando o assunto é a música, uma espécie de liga automática que conecta quem vive por aqui.

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É nesse caldeirão de ritmos, onde cabem no mesmo lugar os o carimbó, as guitarras, o brega romântico e tuntz-tuntz eletrônico, que viceja o fenômeno das aparelhagens, as grandes estruturas de luz e som que viajam por toda a região Norte agitando o público por onde passam.

Nesta reportagem, o Dol mostra as festas e a estrutura de uma das maiores aparalhagens do Pará, pela visão dos repórteres Laura Vasconcelos e Rafael Miyake do DOL, que foram a uma dessas festas pela primeira vez.

A escolhida foi a do Carabao, conhecido como "o furioso do Marajó", que reúne multidões por onde passa. Os textos a seguir foram escritos a partir da vivência e observação dos repórteres durante a noite, além de curiosidades e outras informações para que você, leitor, se sinta dentro de uma dessas grandes apresentações.

Noite de magia com o búfalo de olhos vermelhos

Por Laura Vasconcelos

Os olhos vermelhos do búfalo eram a única coisa que iluminava o salão. Um burburinho na pista de dança, já passando das duas horas da manhã, fez com que inúmeras vozes e celulares se elevassem entre bocas e mãos.

Os paredões de som anunciavam: “DJ Tom Máximo!” e a plateia foi ao delírio. O ápice da festa, o momento que todos estavam esperando. O chão tremia quando o grave da batida do tecnobrega ecoava pela boate, os pelos se arrepiavam ouvindo mais de 500 pessoas cantando em uníssono e eu pude ter certeza de que foi mágico estar no Carabao aquela noite.

Mas antes, a festa começa tímida às 22 horas, quando idosos, donas de casa, jovens, estudantes, quilombolas, playboys, mototaxistas, vendedores, autônomos, jornalistas e quem mais quisesse entrar chegavam ao Pará Clube. Um público tão diverso que nem a maior parada da diversidade poderia abranger.

Com a pista ainda livre, os casais começam a se juntar para dançar agarradinhos o set de duas horas do primeiro DJ da noite, Dalton Rabelo, com muito brega, “marcante”, arrocha e merengue. É o momento ideal para notar as roupas curtas, saias com bastante brilho e saltos altíssimos das mulheres e as bermudas com tênis dos homens. É também o momento para demonstrar quem tem mais “caqueado”, um jeito unicamente paraense de dançar, com muita habilidade nos pés, cinturas e quadris que se encaixam perfeitamente entre coxas suadas, mesmo o espaço sendo climatizado.

Enquanto estava parada na porta principal da boate observando a festa, os garçons passavam com as primeiras mesas e baldes de cerveja e não pararam a noite toda. Foi quando conheci um dos funcionários mais antigos da aparelhagem: “rei dos copos”, um senhor simpático que vende chapéus, copos e aproveita o intervalo das vendas para dançar e cantar.

Ele me conta que está com o Carabao desde o início e viaja com a equipe por todo o Pará: “Onde tem festa, eu vou. Não só para vender, mas para me divertir, relaxar, um momento de ser feliz”, disse enquanto dançava segurando o mostrador onde ficam pendurados os seus produtos. Inclusive, estar lá para “se divertir e ser feliz” é a maior unanimidade de quem acompanha as aparelhagens no Pará, já que todos com quem conversei diziam o mesmo.

Uma delas foi Marta Mariana, vendedora de tapioca, que segundo me informou uma das donas do Carabao, “é a fã número 1 da aparelhagem”. Marta pediu uma das mesas onde colocou seu bolo de aniversário para recepcionar seus convidados, com um sorriso de orelha a orelha. O DJ vê e aproveita para mandar um “alô” para a aniversariante, que ri e agradece.

Assim como aqueles que acompanham aparelhagem marcam presença, muitas pessoas ainda estavam indo pela primeira vez, como essa repórter que vos escreve. Dá para reconhecer quem estava estreando nas aparelhagens ao notar olhares encantados com os DJs, com os pares dançando e com o búfalo de metal onde ficam as estrelas da noite.

Quando os DJs chegam na festa, todos os olhares se voltam para eles, são celebridades. Distribuem abraços, sorrisos, conversam com todos e são parados a cada centímetro para tirar uma selfie, um exemplo disso foi Silvinho do Carabao.

Quando Silvinho chega, muitos correm para cumprimentá-lo, tirar uma foto, conversar e abraçar. Ao terminar de falar com ele, ele me perguntou: “Já tirou foto com o DJ?” E, como ainda não tinha o meu registro, tiramos uma foto juntos. Isso parece ser comum nas festas de aparelhagem e a interação artista-fã pulsa pela proximidade que ficam da plateia, inclusive com uma área VIP para aqueles que não querem perder nada da festa. Para Silvinho, estar em cima do búfalo e ver o público dançando emana “aquela energia gostosa e isso é maravilhoso demais”.

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Agora você deve estar se perguntando: o que é o búfalo? O búfalo é um show à parte, o lugar onde toda a festa gira em torno. Uma estrutura de metal vermelho, com olhos de neon, chifres e testa iluminados, que leva cerca de 7 horas para ser montada. Em cima dele tem um espaço pequeno onde podem ficar no máximo duas pessoas comandando a mixagem das músicas e, como o show tem que continuar, um DJ só pode sair de cima dele quando outro chega para assumir o set. Com essa troca é onde a mágica acontece.

Quando as luzes se apagam e no salão só se podem ver os olhos vermelhos do animal, o público sabe que chegou o grande momento, a energia da festa muda. Além da música mais agitada, os jogos de luzes na batida do grave também transformaram o espaço em uma celebração ao tecno com a música paraense. É onde o público aproveita para soltar a voz, cantar a plenos pulmões aquele sucesso que ultrapassa gerações e quando, por muitas vezes, me peguei cantando versos que eu nem lembrava ou tinha noção de que sabia.

Podemos falar dos DJs, do espetáculo de luzes e cores, mas nada nos deixa mais envolvidos do que a música. Eu diria que ela, sim, é quem une todos, da produção ao fã da aparelhagem. Quando tocava aquela, fechava os olhos, colocava a mãozinha no peito, de forma involuntária, gritando minha preferida com quem dançava e tocava no salão. Gritei diversas vezes: “Nossa, amo essa!” ou “Essa é a cara da minha mãe!” e ainda “Meu tio dançava esse brega comigo quando eu era criança nas férias de julho em Mosqueiro”. A nostalgia tomava conta de mim, do meu amigo e de todos no lugar.

Sai extasiada, querendo mais e mais festas. Ao chegar em casa, com o chapéu que ganhei do “rei dos copos”, minha mãe me perguntou como foi e eu respondi a ela que, como o círio não se consegue explicar, uma festa de aparelhagem também só pode ser entendida estando lá. Para mim, só conseguia repetir e agradecer a Nossa Senhora de Nazaré por fazer eu nascer em um lugar único no mundo, no meio da Amazônia, onde pulsa vida, música e cultura.

Uma festa para todos, mas quem se importa? A gente toda só quer dançar

Por Rafael Miyake

Crescer em Belém do Pará é crescer conhecendo os grandes ritmos do brega, melody, tecnomelody e os hits das aparelhagens. E, para quem viveu e cresceu com essas músicas a vida inteira, ir para uma aparelhagem pela primeira vez é uma experiência mágica.

A música explosiva, as luzes coordenadas e as grandes estruturas criam uma atmosfera, no mínimo, fascinante. A experiência da festa de aparelhagem é diferente. Uma festa do Carabao, como foi a nossa experiência, é completamente diferente de um pequeno show de aparelhagem na Feira do Livro ou em festivais como o Psica.

Quando os portões abriram, a fila já estava grande, e não diminuiu em momento algum. O público logo encheu o salão para ouvir as marcantes tocadas por DJ Dalton. Mais recente entre os DJs do Carabao, está na festa há apenas três meses, mas já conquistou o coração e os ouvidos do grande público.

A primeira impressão foi de que, na aparelhagem, há liberdade e há diversidade. Idade, classe, sexualidade, nada disso importa sob os olhos do Carabao. Jovens, adultos e idosos dançam as mesmas músicas. Do empresário à dona de casa, todos sabem as letras e melodias. Hétero? Gay? Lésbica? Nada disso interessa para os casais que estão no centro do salão, dançando juntinhos de seus amores.

Mais do que isso, conhecer personagens icônicos da aparelhagem nos mostra uma incrível realidade: a dos super fãs. O Rei dos Copos, que está com a aparelhagem para onde for, vende os incríveis chapéus de cowboy (claro que saímos da festa com os nossos) e, obviamente, copos. Copos de plástico, térmicos, taças, para todos os gostos.

Mas, de longe, uma das mais incríveis foi a Marta. Tapioqueira, ela vai para todas as festas do Carabao, sem exceções, apenas para dançar e se divertir. Mas, neste fatídico dia, estava comemorando seu aniversário. Conhecida dos funcionários, DJs e donos da aparelhagem, ela nunca deixou de ser citada, vista e falada. Marta parece uma entidade. Onde ele estiver, ela vai junto, não importa onde ou quando, ela vai.

Os DJs, a propósito, grandes estrelas do show, são celebridades. Fotos, abraços, conversas. Todos queriam uma foto com Silvinho, um dos principais DJs do Carabao. Com a entrada dele, também pudemos subir no búfalo e ver como tudo funciona, e o trabalho incrível feito ali em cima.

Estar em cima do Furioso do Marajó, inclusive, é uma experiência única. A estrutura, que é apenas 1% do total utilizado nas grandes festas, já é inacreditável. Estar lá em cima é se sentir no topo do mundo, em outra realidade.

A música estourando nossos ouvidos, ver todos dançando ali embaixo, saber como funciona cada mecanismo daquela máquina, tudo nos fez sentir em outro plano. No controle, mesmo sem poder encostar.

Mas nada nos preparou para o que vinha pela frente: o DJ Tom Máximo. Ao subir no búfalo, a aura da festa mudou completamente. As luzes se apagaram e o festival começou. Ali, nós vimos o que realmente era uma festa de aparelhagem. Mesmo em um espaço pequeno, como era o Pará Clube, o show de luzes, brilhos e explosões nos transportou para a maior das festas e mostrou, de fato, o poder do Carabao.

Uma noite no Carabao, aparelhagem do Marajó que leva nome de uma raça de búfalo
📷 Uma noite no Carabao, aparelhagem do Marajó que leva nome de uma raça de búfalo |(Rafael Miyake)

Mixagens perfeitas, sincronia inacreditável, e os olhos vermelhos do búfalo brilhando sobre todos enquanto o público, em transe, celebrava de forma quase apoteótica a chegada da estrela da noite!

O DJ Tom Máximo colocou, nas alturas, os grandes sucessos do tecnomelody, e o público gritou, dançou e cantou junto, até chegar o maior dos momentos, que nos deixou completamente arrepiados: novo namorado.

O tecno da Banda Puro Desejo tocando, sem vocais, foi o suficiente. Toda a casa começou a cantar, completamente afinados, em uníssono, como se tivesse treinado durante toda a vida para aquele momento. E, vamos ser sinceros, todos nós treinamos mesmo.

A sensação de ouvir aquilo, de estar ali naquele momento, foi diferente de qualquer outra. Foi de, mesmo de fora (estávamos em uma área da produção no momento), se sentir completamente inserido no momento, em uma realidade em que, ali, só existíamos nós e a música. Uma emoção sem igual.

Nós cantamos, dançamos, gritamos, nos divertimos, mas não esquecemos o que nos levou ali. Toda aquela festa, aquela celebração, foi o resultado do trabalho duro e pesado de 38 funcionários que, durante toda a noite, corriam de um lado para o outro com bebidas, mesas (!!) e baldes, equipes de produção e segurança que estavam 100% atentos para que tudo corresse como planejado, sem falar no trabalho de antes e de depois.

A aparelhagem leva até seis horas para ser completamente montada, em seu potencial máximo, e precisa ser desmontada em três horas após o fim da festa para ser levada ao próximo local.

O Carabao, por exemplo, terminou a festa no Pará Clube próximo ao amanhecer, e de lá seguiu direto para Bragança, onde fez um grande show, com grande estrutura, na Fazenda do Sabá, na estrada de Ajuruteua. O trabalho de equipe, logística e organização para um feito desses beira o inimaginável.

As festas de aparelhagem vão muito além de apenas as festas: são geração de emprego e renda, são acesso a entretenimento e cultura para uma população que sofre com a falta destes, e são grandes celebrações da cultura paraense, da cultura nortista, que ninguém, em lugar algum, conseguiria reproduzir da forma como é feita aqui.

História

O DOl conta um pouco da história das aparelhagens na segunda matéria que compõe esssa reportagem. Criadas entre os anos 1945 e 1950, as aparelhagens surgiram a partir das já conhecidas “rádios-cipó”. Empresários que usavam as “boca de ferro”, como eram chamados esses sistemas sonos rudimentares, compraram aparelhos de som e mixagem para as suas divulgações, logo esses aparelhos foram ressignificados e começaram a ser usados em festas comunitárias. Leia mais aqui.

Equipe Dol Especiais

  • Laura Vasconcelos é reporter do portal Dol, jornalista formada pela Universidade da Amazônia (Unama), nascida em Belém do Pará. É também autora de dois livros de crônicas: "Fugacidade dos dias" (2020) e "A distância" (2022).
  • Rafael Miyake: Rafael é repórter do portal DOL. Nascido e criado em Belém do Pará, é formado em comunicação social com ênfase em jornalismo pela Universidade Federal do Pará. É pós-graduando em Jornalismo Digital pela Anhanguera.
  • Anderson Araújo é editor e coordenador dos conteúdos especiais do Dol. Formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2004, e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto (Portugal), em 2022. É também autor de dois livros de contos e crônicas publicados em 2013 e 2023, respectivamente.
  • Thiago Sarame e Vicente Crispino são profissionais multimídias do Dol, que prepararam tecnicamente fotos, áudios e vídeos que dão vida e registram a experiência nesta reportagem.

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