Vultosos ganhos em curtos períodos de tempo! É assim que as casas de apostas esportivas e influenciadores disparam diariamente, sobretudo nas redes sociais, propagandas sobre os jogos. O fenômeno das apostas virtuais é relativamente recente, mas já tem alcançado uma dimensão que merece atenção.
Atualmente, as "bets", como são chamadas as apostas esportivas por aplicativos, são difundidas nos principais canais de comunicação, patrocinando personalidades, clubes e até campeonatos, como por exemplo o Campeonato Brasileiro de Futebol. É a ampla chancela de instituições e pessoas influentes que torna a cada dia mais fácil a adesão de mais e mais jogadores.
De acordo com um relatório da XP Investimentos, as apostas representam atualmente 1% do Produto Interno Bruto (PIB) e comprometem 20% da renda disponível das famílias de menor renda. A consultoria PwC também aponta que as apostas agora correspondem a 1,38% do orçamento médio dessas famílias, um crescimento significativo em relação a cinco anos atrás, quando esse percentual era de 0,27%. Mas o que faz uma pessoa menos favorecida economicamente utilizar parte significativa de sua renda para apostar nos jogos?
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Para o psicólogo e professor Alberto de Freitas, com mestrado pela Universidade Federal do Pará (UFPA) voltado a jogos, não há uma resposta única para a avalanche das apostas, mas uma série de aspectos que devem ser analisados. Para ele, de acordo com sua tese de mestrado, direcionada para o mundo dos videogames, os jogos podem dar ao jogador uma pequena dose de prazer.
Alberto é formado em Psicologia pela UFPA, é professor da Faculdade Estácio do Pará (FAP) e possui mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela instituição, na linha de Psicanálise: Teoria e Clínica, pela UFPA. “Tentando resumir um dos principais argumentos da minha pesquisa, afirmo que os jogos podem nos dar pequenas doses de realização e prazer. É como se a dificuldade em alcançar nossos desejos, ou ainda, a angústia de não saber qual é de fato o nosso desejo, pudesse ser parcialmente atenuada, de maneira inconsciente, quando conseguimos alcançar o objetivo do jogo. É uma pequena vitória que traz um prazer incompleto”, explica.
Assim como as loterias e o Jogos do Bicho, que existem há muito tempo e nutrem um sonho de vitória - que quase sempre não irá acontecer - o prazer de ganhar, mesmo que seja uma pequena vitória, é semelhante àquele de quando se realiza um grande desejo, como por exemplo, de comprar o celular do ano, o videogame ou até mesmo uma casa ou um carro.
Quando falamos de jogos de sorte (ou azar), por mais que o sujeito faça todos os seus rituais e mandingas, pouca coisa ou quase nada é influenciado pelas ações do jogador. No final das contas o resultado é aleatório. Nesses casos, a sensação da vitória pode ser ainda mais empolgante, afinal o sujeito está “vencendo o próprio destino”, “é o universo que está a favor”, ou qualquer outra justificativa que a pessoa possa se dar para continuar jogando mais uma rodada. De novo: o prazer, inconscientemente falando, tem a mesma origem daquele de quando realizamos um grande desejo. Mas até aqui, só falamos de jogos de apostas tradicionais, das loterias e jogos do bicho que existem a muito tempo
Alberto de Freitas, Psicólogo e professorPara além dos fatores de prazer em obter uma pequena vitória no jogo, a acessibilidade ligada à facilidade de acesso aos jogos podem ser um fato interessante para que essa onda de vício esteja cada vez mais presente no dia a dia da população.
Acesso fácil 24 horas na palma da mão
Antigamente, para jogar em um cassino, ou em jogos tradicionais como o Jogo do Bicho, era preciso ir até o local para fazer a aposta. Hoje em dia, porém, em qualquer smartphone, as pessoas possuem acesso 24h às plataformas, seja de jogos tradicionais ou das “bets”, que são fenômenos relativamente recentes. Além disso, segundo o professor Alberto, aquele dinheiro dado “de graça” no início também pode ser uma forma de atrair o jogador.
“Podemos falar sobre a onipresença dos smartphones em nosso cotidiano. As loterias e cassinos já existem a muito tempo, mas agora eles estão 24h abertos em nossos bolsos, a um clique de distância", comenta o professor da UFPA. "Se a uma primeira vista isso pode não parecer fazer muita diferença, quando paramos para pensar sobre como utilizamos nossos celulares a todo momento, acessar o aplicativo de bet se torna mais uma daquelas tarefas que fazemos quase que automaticamente, sempre que temos um tempinho livre ou queremos fugir do contato social brevemente", complementa.
"Se antes era preciso separar algumas notas, se dirigir a uma banquinha do bicho e entregar o dinheiro mão à mão, hoje, a transferência de valores se dá por meio de números e pixels em uma telinha virtual, quase nem parece de verdade. A facilidade que as casas de aposta virtuais oferecem também é extremamente convidativa: o dinheiro inicial dado 'de graça', as vitórias iniciais previamente programadas, as informações propositalmente confusas sobre o processo de saque. Todos esses fatores funcionam como uma isca que cada pessoa pode morder por diferentes motivos”, explica.
Marketing por trás dos jogos
A ideia de ganhar uma “renda extra” é o carro chefe do marketing de casas de apostas esportivas, que também utilizam o “aposte com responsabilidade” ou “use só o dinheiro da diversão”. Segundo o psicólogo, em um país onde a desigualdade econômica e social é muito grande, o “ganhar um graninha extra” surge como uma mensagem que faz brilhar os olhos dos apostadores.
“Dentre estes motivos, a ideia de que é possível ganhar uma “renda extra” através dessas plataformas já foi – e continua sendo em algum nível – muito difundida no marketing das bets, mas devido algumas polêmicas recentes, o discurso de “renda extra” tem sido trocado pelo do “use só o dinheiro da diversão”. No entanto, o fato é que em um país com uma desigualdade econômica e social tão grande, a possibilidade de ganhar um dinheiro a mais é sempre muito bem-vinda, por mais misteriosa e errante que ela possa ser. Afinal, novamente: quando a vitória vem, o prazer é certo”, finaliza.
Veja sintomas de vício em apostas:
- Necessidade de aumentar aos pocuso o valor apostado;
- Irritação quando tem que parar de jogar;
- Não conseguir parar o comportamento de jogo por muito tempo;
- Jogar ao se sentir angustiado;
- Pensar sempre nos jogos;
- Não aceitar perder e ter desejo de jogar até ganhar, na tentativa de ficar "quite" com a banca;
- Mentir sobre o hábito de jogar;
- Ter prejuízos nas relacões ou no emprego por ter hábito de jogar;
- Emprestar dinheiro de terceiros para pagamento de dívidas de jogo.
Equipe DOL Especiais:
- Lucas Contente é repórter do portal DOL. Nascido na cidade de Muaná, na Ilha do Marajó, e criado desde os nove anos em Belém, é formado em comunicação social - jornalismo pela Faculdade Estácio FAP.
- Anderson Araújo é editor e coordenador dos conteúdos especiais do Dol. Formado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 2004, e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto (Portugal), em 2022. É também autor de dois livros de contos e crônicas publicados em 2013 e 2023, respectivamente.
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