"Remista é gay, é gay, é gay". A frase, gritada com força e sem o menor sentido ou graça, é facilmente audível em partidas do Paysandu, puxada por uma torcida organizada.
Na "música", com uma pobreza estética peculiar digna de quem prefere nos versos atacar o rival (em alguma partida ou mesmo no Estado) que torcer, é dito que a referida torcida "Não dispensa que eu sei! Matador de Leão e come c* de Remogay!". O ato ainda é divulgado por outras páginas de torcedores que buscam fama falando do Paysandu:
Sem incentivar o clube e nem mesmo a própria agremiação que pulsa na arquibancada, o grito "de guerra" pode ainda ser considerado criminoso - inclusive para quem o compartilha - e resultar na eliminação do Paysandu da Série C caso a torcida (ou parte dela) insista em repetir as ofensas no próximo domingo (1º), diante do Náutico-PE, no Mangueirão.
Segundo Paulo Barradas, advogado, professor e Mestre em Direitos Fundamentais, "afirmar que remista é gay pode ser homofobia sim. Por homofobia entende-se toda ação que nega a uma pessoa ou a um grupo, sua cidadania", explica. Barradas ainda explica que o ato incorre no inciso V do artigo 13-A da lei 10.671/2003:
Não gostou de saber que seu ato que você julga "inocente" ou "engraçadinho" pode render a eliminação do seu clube e acha "mimimi" ou que estão "destruindo" o futebol? Então é hora de falar de respeito, civilização/ civilidade e, principalmente, lei. Ela é clara, até mais do que alguns lances de algumas partidas.
Entenda: no último domingo (05), a partida entre entre Vasco e São Paulo foi a primeira da Série A a ser paralisada por homofobia. Isto ocorreu aos 19 minutos do segundo tempo porque parte da torcida vascaína gritou "time de veado".
A reação do treinador da equipe, Vanderlei Luxemburgo, foi clara e aponta para a necessidade de educação e respeito e - por que não?! - civilidade por parte dos torcedores homofóbicos - sim, um grito como este não é "piada", é uma expressão clara de homofobia, assim como vociferar "remista é gay".
Luxa fez gestos com as mãos e falou para os torcedores pararem com o coro. O sistema de som do estádio também entrou em ação e o locutor pediu ao público que não cantasse gritos homofóbicos "para não prejudicar o Vasco", algo que pode acontecer por aqui também. Esta nova postura também prevê que os árbitros ou outros oficiais das partidas deveriam relatar em súmula "ocorrência de manifestações preconceituosas e de injúria" por orientação sexual.
No domingo foi exatamente isto que ocorreu. O árbitro Anderson Daronco conversou com os capitães de Vasco e São Paulo. Também pediu para acionarem o sistema de som do estádio. O episódio foi relatado na súmula e pode gerar denúncia ao STJD. Em seguida, isto pode levar o clube do Rio a perder três pontos.
O exemplo é claro e serve de alerta ao Papão. Mesmo se o clube fizer um bom papel em casa e garantir os 3 pontos, pode acabar vendo eles irem embora por conta do preconceito de torcedores que ainda acham as ofensas atos "engraçadinhos". Aí a decisão ficaria para Recife, na casa do Náutico. Vale lembrar que o Timbu possui apenas uma derrota em casa, em 12 de maio, por apenas 1 a 0 para o Ferroviário-CE, em partida válida pela 3ª rodada.
FIFA E STJD EXIGEM MUDANÇA
A tentativa de mudança de mentalidade no futebol brasileiro é reflexo direto de uma nova determinação do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), que atende a normas da Fifa e se embasa em decisão do STF (Supremo Tribunal Federal).
Recentemente, o STF decidiu, por 8 votos a 3, enquadrar casos de homofobia e transfobia dentro da Lei do Racismo.
A decisão, citada no texto do STJD, é importante porque, até então, as ofensas homofóbicas e transfóbicas não eram crimes tipificados em lei; passaram a ser entendidas como crime hediondo, inafiançável e com pena de dois a cinco anos de prisão, como os casos de racismo.
Além da decisão federal, o novo texto do STJD cita ainda duas recomendações da Fifa. A mais recente, do dia 25 de julho, é uma circular endereçada pelo órgão máximo do futebol mundial às suas confederações nacionais e internacionais que incentiva o combate à "ocorrência de comportamentos discriminatórios durante as partidas de futebol".
Também cita o Guia de Boas Práticas da Fifa. No texto, está previsto que o árbitro "pare, suspenda ou abandone a partida por qualquer ofensa ou interferência externa", também considerando "o comportamento dos torcedores".
"A sociedade tem que entender que torcedor é o entusiasta que enaltece as virtudes de seu time. Aquele que promove tumulto e agressões não é torcedor e sim meliante disfarçado de cidadão! O torcedor de um time não tem motivos para odiar o torcedor de outro time já que ambos são interessados no desenvolvimento do mesmo esporte.", sintetiza Paulo Barradas.
PUNIÇÃO AO CLUBE MANDANTE DA PARTIDA
Assinado pelo procurador-geral do STJD, Felipe Bevilacqua, o texto enviado aos clubes tem como base legal o artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CDJD), que discorre sobre "ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência".
No documento, a punição prevista é de três pontos, podendo dobrar em caso de reincidência, e multa que pode chegar a R$ 100 mil. Vale lembrar que em julho de 2017, a mesma torcida que segue com os cantos homofóbicos, fez com que o Paysandu se tornasse o primeiro time do país a ser denunciado por homofobia, algo incoerente por ser um clube criado em uma periferia, popular e considerado "do povo", ou seja, de todos.
INÉDITO NO BRASIL, MAS NÃO NO MUNDO
A paralisação pode ter sido a primeira do Campeonato Brasileiro, mas não no mundo.
Na sexta-feira (16), a partida entre Nancy e Le Mans, pela segunda divisão francesa, foi a primeira do país a ser interrompida por gritos homofóbicos vindos da torcida. Cinco dias depois, dessa vez na primeira divisão, Brest e Reims também parou pelo mesmo motivo.
Após se popularizarem na Copa do Mundo de 2014, os gritos de "bicha" no tiro de meta adversário já renderam punição à CBF (Confederação Brasileira de Futebol) em jogos da seleção.
A mais recente, durante a Copa América, foi aplicada pela Conmebol após a partida de estreia contra a Bolívia, no estádio do Morumbi (em São Paulo). A entidade multou a confederação em 15 mil dólares (R$ 61 mil, em valores atuais).
Antes, A Fifa já havia punido a CBF em 2016 com pena de 20 mil francos suíços (então, R$ 66 mil reais), pelo comportamento da torcida na partida das eliminatórias da Copa do Mundo contra a Colômbia, em setembro daquele ano em Manaus. Outra punição veio no ano seguinte, pela partida contra o Equador, em Porto Alegre.
E aí, torcedor, vai ter coragem de cantar de forma preconceituosa e prejudicar o Papão?
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