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Copa de 50: o Maracanazo e o racismo no Brasil

O torneio de 50 foi a primeira Copa do Mundo depois da interrupção de 12 anos causada pela Segunda Guerra. No Brasil, era grande a expectativa pelo primeiro título mundial

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Imagem ilustrativa da notícia Copa de 50: o Maracanazo e o racismo no Brasil camera A seleção brasileira perdeu para o Uruguai na histórica final do Maracanã | Reprodução

A decisão entre Brasil e Uruguai na Copa de 1950 foi um dos jogos mais aguardados na história do futebol nacional. O fato de aquele torneio também ser o primeiro em 12 anos — por conta da irrupção da 2ª Guerra Mundial de 1939 a 1945, o que inviabilizou as edições de 1942 e 1946 — contribuía para a ansiedade.

Considerada hoje de segundo ou terceiro escalão, a seleção uruguaia, àquela altura, era uma das mais vencedoras no futebol mundial. Bicampeã olímpica em 1924 e 1928 e campeã da edição inaugural de 1930, o time comandado por Juan López Fontana tinha bons valores no ataque, como o meia Juan Alberto Schiaffino e o ponta Alcides Ghiggia, e raça na defesa, representada pelo volante e capitão Obdulio Varela.

Em termos de qualidade técnica, porém, o time não era páreo para o Brasil. Embora não tivesse mais craques como Leônidas da Silva ou Domingos da Guia, a equipe de Flávio Costa tinha como base o Vasco da Gama, melhor time da América do Sul no fim dos anos 40. De lá, vinham o goleiro Moacyr Barbosa, o volante Danilo Alvim e o atacante Ademir de Menezes. Ademir, por sua vez, um jogador raro, como descreveu o jornalista Luiz Mendes, em As Táticas do Futebol:

“Ademir foi o homem que inventou uma nova posição — a de ponta de lança. Jogava na frente e um lançamento feito para a área, atrás do beques, era sempre alcançado por Ademir, cuja velocidade se fez famosa. Era um pânico para qualquer equipe jogar contra o time que contasse com Ademir Marques de Menezes.”

No meio-campo, a presença dos armadores Zizinho, do Bangu, talvez o maior craque do futebol brasileiro pré-Pelé, e Jair Rosa Pinto, do Palmeiras. Juntos, esses jogadores mostraram sua força com doses de crueldade na fase decisiva: 7-1 na Suécia, com quatro gols de Ademir, e 6-1 na Espanha.

Tragédia no Maracanã

O último jogo do quadrangular decisivo se daria no Maracanã, no Rio de Janeiro, à época o maior estádio do mundo e especificamente construído para a Copa de 1950. Internamente, o objetivo do governo Gaspar Dutra era construir um campo que fosse uma prova do sucesso do futebol brasileiro e da vitória da seleção. O início da partida indicava esse destino. Depois de um primeiro tempo sem gols, Friaça, ponta-direita do São Paulo, marcou 1-0 para o Brasil, para a felicidade dos 200 mil torcedores na plateia.

Aos 21 minutos do segundo tempo, Schiaffino empatou a partida, o que ainda dava o título à seleção canarinho. Porém, com 11 minutos para o fim, Ghiggia fez 2-1 e, com isso, garantiu o bicampeonato uruguaio. Incrédulo, o público no Maracanã se calou, enquanto os dirigentes da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) ficaram tão atordoados que se recusaram a entregar o troféu a Obdulio Varela.

A cidade do Rio de Janeiro, por sua vez, entrou em caos. Do lado de fora do estádio, um grupo de torcedores derrubou o busto do prefeito Ângelo Mendes de Moraes, insultado por felicitar o time de forma prematura. A derrota ainda influenciou a própria seleção brasileira, que abandonou o uniforme branco e azul e ficou dois anos sem disputar uma partida oficial.

Barbosa: a culpa eterna

O goleiro do Vasco e da seleção brasileira, Moacyr Barbosa, foi o que mais sofreu com a derrota. Como arqueiro, sofreu infindáveis críticas de imprensa e torcida, que o culpavam por permitir os dois gols e o responsabilizavam pela perda.

Torcedores de equipes adversárias do Vasco, como Fluminense e Flamengo, também o zombavam em campo e, por ser negro, as críticas, muitas vezes, eram permeadas por altas doses de racismo. Entre os casos mais famosos, há um que envolve o humorista Chico Anysio (1931-2012), que, mesmo em 2006, em pleno século 21, culpava Barbosa pela derrota de 1950.

“Não tenho confiança em goleiro negro”, disse Anysio, às vésperas da Copa da Alemanha, em artigo ao Diário Lance! em que se posicionava contra a titularidade de Dida no gol da seleção. “O último foi Barbosa, de triste memória na seleção brasileira”.

Antes, em 1993, Barbosa foi impedido de visitar a concentração da seleção brasileira na véspera do jogo eliminatório da Copa de 1994 contra o Uruguai em 1993. Fato rapidamente abafado e minimizado pela CBF.

O advogado e doutor em filosofia, Silvio Almeida, em entrevista para a ESPN, vê esse cenário bem além do futebol: “Barbosa é uma figura fundamental dentro desse pensamento de que os negros não são confiáveis, que não têm uma capacidade de organização racional. A posição de goleiro exige confiança e a capacidade de organização racional é fundamental”, disse. “O racismo ele se estrutura no nosso país. Uma das coisas que ser negro no Brasil e que você é sempre olhado como parte de um grupo. Nunca como um indivíduo. Ou seja, o erro do negro é o erro de todos os negros. Coisa que não acontece com os brancos. Os brancos, inclusive têm o direito de errar individualmente. E como erra enquanto indivíduo, eles podem se corrigir, ele são passivos de perdão. Agora, o erro de um negro é o erro de todo mundo”, disse.

Em O Negro no Futebol Brasileiro, o jornalista Mário Filho, que assistiu ao Maracanazo (como ficou conhecida a derrota), escreveu sobre a reação dos brasileiros à derrota para o Uruguai. Segundo Mário, boa parte das críticas da torcida se direcionava aos jogadores negros.

“Três pretos foram escolhidos como bodes expiatórios: Barbosa, Juvenal e Bigode [os dois últimos faziam parte do trio de defesa brasileiro]”, contou o jornalista.

Rumores contam que Barbosa queimou as traves do gol do Maracanã em um churrasco. Foi um consolo simbólico, mas serviu para o arqueiro expiar seus próprios fantasmas.

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