Após uma manifestação pública durante entrevista a um canal no YouTube, o presidente do Paysandu Sport Club, Roger Aguilera, disse que a “solução” para o clube seria a mudança na estruturação administrativa, saindo do modelo associativo para uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol). Dias depois, o próprio mandatário bicolor negou que o clube seria vendido em sua gestão, mas, segundo informações trazidas pelo jornalista da RBA TV, Danilo Pires, Aguilera esteve no Rio de Janeiro na última semana para sondar possibilidades de SAF.
No Brasil, desde que a lei da SAF (Lei 14.193/21) foi instituída no país, um levantamento feito por Rodrigo Monteiro de Castro, advogado, professor de Direito na IBMEC-SP e coautor da "Lei da SAF", e divulgado no dia 29 de julho de 2025 pelo portal Migalhas, apontou que, ao todo, são 117 clubes como SAF no Brasil, em 21 dos 27 estados (a conta inclui o Distrito Federal). Apenas Amapá, Maranhão, Pará, Piauí, Rondônia e Tocantins não registraram clubes nesses moldes.
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O Botafogo, campeão da Libertadores e do Campeonato Brasileiro em 2024, é considerado o caso de maior sucesso entre as SAFs no Brasil. Outros gigantes como Cruzeiro, Atlético-MG e Vasco da Gama também aderiram ao modelo. Porém, houve casos em que a SAF, em vez de ser a solução, virou problema, como no caso do próprio Vasco, que teve enormes problemas envolvendo a controladora de sua SAF, tendo conseguido na justiça a retomada do controle.
Com isso, o torcedor não deve cair na tentação de acreditar que, como num passe de mágica, todos os problemas financeiros e administrativos do clube irão ser resolvidos com a transformação em SAF. No próprio caso do Botafogo, tido como o caso mais exitoso desse novo fenômeno no futebol brasileiro, foram ao menos 2 anos de preparação para que houvesse essa grande transformação.
Como funciona uma SAF?
Um clube pode abrir uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol) de três formas: sendo fundado diretamente com essa estrutura, convertendo-se de associação civil para SAF ou transferindo o departamento de futebol e seus ativos para uma nova empresa. Após constituída, a SAF pode ter seu capital vendido total ou parcialmente a investidores, empresários ou fundos — casos como Botafogo (John Textor), Cruzeiro (Ronaldo e depois Pedro Lourenço) e Bahia (Grupo City) ilustram esse modelo.
A principal mudança está na natureza jurídica. Enquanto as associações civis são entidades privadas, sem fins lucrativos, controladas por sócios e impossibilitadas de serem vendidas, a SAF permite a entrada de capital privado e a venda de participação acionária, podendo inclusive abrir capital na Bolsa de Valores, como ocorre em outros países.
Na associação civil, o presidente é eleito pelos sócios e exerce um mandato temporário, geralmente de dois a quatro anos (no Paysandu os mandatos duram 2 anos), sem remuneração e sujeito a reeleição. Já na SAF, o proprietário (ou grupo de sócios) tem poder de decisão permanente, permanecendo no controle até vender sua participação.
A gestão da SAF é profissionalizada e comandada por executivos contratados, como CEO (diretor-geral), CFO (diretor financeiro), CLO (diretor jurídico), CMO (diretor de marketing) e diretor de futebol, todos subordinados ao dono ou ao conselho de administração, que define as diretrizes estratégicas. Embora associações civis possam adotar estruturas semelhantes, nelas há instabilidade maior devido à troca periódica de dirigentes.
A associação que originou a SAF pode manter direitos e obrigações previstos em contrato, inclusive cláusulas de retomada do futebol em casos de descumprimento. Por fim, a SAF, como qualquer empresa, é um ativo negociável: pode ser revendida parcial ou totalmente conforme o interesse de seus proprietários.
Desafios para o Paysandu se tornar uma SAF
Na mesma entrevista, Aguilera afirmou que já foi realizado um estudo apontando que o potencial valor de mercado de uma futura SAF do Paysandu giraria em torno de R$ 300 milhões. Mas é importante destacar que esse valor corresponde ao valor estimado que o futebol do Papão valeria no mercado. Esse valor milionário não representa o montante a ser investido pelos eventuais compradores, pois, da desvinculação do futebol da parte associativa, se seguirem os modelos adotados, as dívidas totais serão assumidas pelo investidor.
Outro fator preponderante é que a transparência precisa ser amplamente apresentada, algo que nos últimos anos não vem acontecendo dentro do clube. A obscuridade quanto aos resultados financeiros e patrimoniais do Paysandu é de chamar atenção. Exemplo disso é a não publicação do balanço financeiro referente ao ano de 2024 até o presente momento, quase final de 2025. Tal ausência fere uma obrigação exposta na Lei Geral do Esporte, que prevê a publicidade dos registros até o final de abril do ano subsequente.
A última auditoria feita na documentação do clube, publicada no Portal da Transparência do Paysandu, dá conta de graves erros contábeis e de registros no ano de 2021. Desde então, não houve sequer menções de que tais inconsistências apontadas pelos auditores foram corrigidas. Para que um investidor possa se interessar por uma eventual SAF do Paysandu, ele precisará ter em mãos todas as informações contábeis do clube, para entender a real situação.
E, por fim, além do descompasso financeiro que o clube vem vivendo ao longo dos últimos anos, algo que pode atrasar também esse processo é o enorme passivo de dívidas na esfera trabalhista. O DOL vem trazendo em primeira mão diversas ações que envolvem atrasos recorrentes de salários e verbas trabalhistas, até práticas de fraudes em contratos visando burlar as leis trabalhistas. Tais problemas na justiça, além de manchar a imagem do clube na busca de um investidor, podem fazer com que o valor de mercado da SAF bicolor caia devido ao enorme passivo de dívidas.
Afinal, SAF é a solução?
A questão que deve ser tratada não é puramente acreditar que, com a transformação do Paysandu numa SAF, o clube voltará aos seus dias de glórias; o debate vai muito além dessa visão simplista que muitos querem replicar. Visto que esse é um processo que demanda tempo e organização, algo que, levando em consideração o que vem sendo feito, não é uma característica de quem vem administrando o clube ao longo da última década.
Esse é um trabalho de médio a longo prazo, para que possa ser apresentado um projeto atrativo aos potenciais investidores e, talvez o que seja mais importante a se destacar, é o cuidado para quem vender. No cenário em que o clube se encontra, é tentador vender para o primeiro investidor ou grupo que apareça oferecendo um caminhão de dinheiro. O Vasco da Gama, trazendo novamente como exemplo, sofreu com essa “pressa” em vender para bravateiros que prometeram o paraíso e entregaram problemas e páginas policiais.
A SAF pode ser uma solução ao amadorismo que vem tomando conta do clube, porém, é preciso ser bem pensada e planejada, para que não caiam no conto do vigário. É necessário ter calma e estratégia e, claro, a torcida não pode comprar a ideia simplista que podem tentar vender para uma aceitação pública. Tempo e organização são primordiais para ao menos começar esse processo.
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