Desde o seu cruzamento com a travessa Frutuoso Guimarães até a término, no encontro com a avenida Visconde de Souza Franco, a Rua Gaspar Vianna guarda diferentes relatos sobre a memória da cidade de Belém e, ainda, de seus filhos ilustres.
Seja pelas construções históricas, pelos diferentes usos ao longo do tempo, ou mesmo pelos nomes atribuídos, a rua ajuda a contar parte da história da capital paraense.
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Tendo já no seu ponto de início a imponente construção da Igreja das Mercês, no bairro da Campina, a Rua Gaspar Viana já era uma via histórica da cidade mesmo antes de receber esse nome.
O doutor em história social e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Amilson Pinheiro, lembra que anteriormente ela recebia o nome de Rua do Açougue, justamente porque foi a rua que abrigou o primeiro açougue de Belém. A marca da atividade desenvolvida também lhe conferiria outro nome, o de Rua da Indústria.
“Depois ela foi rua da Indústria por abrigar um centro industrial, já no século XIX e início do século XX”, contextualiza o professor. “Foi um período que Belém estava passando por um processo de mudança de urbanização, de saneamento, todo aquele projeto da Belle Époque e houve também a dinâmica de algumas atividades comerciais e industriais e ali se reuniam várias indústrias, fábricas, então, ela deixou de ser Rua do Açougue e passou a ser Rua da Indústria”.
Também nesse período do final do século XIX e início do século XX, muitas cidades brasileiras começaram a passar por processos de saneamento e embelezamento, o que resultou em muitas reformas urbanas. Foi neste contexto que a atuação do bacteriologista paraense Gaspar Vianna, que hoje dá nome à rua.
“Nesse processo de saneamento e embelezamento das cidades, os governos, tanto municipais, quanto federal, também se depararam com alguns problemas, como, por exemplo, a questão da saúde e da higiene. Muitas doenças se proliferavam no Brasil naquela época, Belém mesmo teve muitas epidemias clássicas na história, e sanear e embelezar as cidades significava também cuidar dessa questão sanitária e da saúde. Então, nesse período do século XIX e início do século XX, houve um desenvolvimento muito grande da ciência, da biologia, da medicina no mundo ocidental e, por conseguinte, no Brasil”.
Capital do Brasil à época, o Rio de Janeiro já era uma cidade belíssima e muito importante para o país, mas era também marcada pela proliferação de muitas doenças que acabavam por resultar na morte de muitas pessoas, sobretudo estrangeiros. “Em função disso e das políticas de saúde pública, se estabeleceram vários institutos de pesquisa, hospitais e as pesquisas médicas e sanitaristas se desenvolveram muito no Rio de Janeiro”, contextualiza Amilson.
“Aí, um rapaz de Belém, que nasceu em 1885, chamado Gaspar Vianna, um jovem brilhante que estudou no antigo Colégio Paes de Carvalho e se destacava muito, foi estudar no Rio de Janeiro. Lá ele teve contato com esse grupo de cientistas, com Oswaldo Cruz, com Juliano Moreira, entre muitos outros cientistas importantes naquele momento e vai desenvolver uma série de pesquisas, publicar bastante coisa e ele faz algumas descobertas importantes para a medicina”.
Entre as descobertas realizadas pelo paraense está a cura para a leishmaniose tegumentar, doença infecciosa que provoca úlceras na pele e mucosas. Neste contexto, Gaspar Vianna se torna uma pessoa muito importante para a medicina e para a pesquisa e se torna um paraense muito conhecido no Rio de Janeiro.
“Aos 29 anos, em 1914, sendo brilhante como ele já era, ao fazer uma autópsia de um cadáver, ele fez uma incisão e, nesse procedimento, ele foi contaminado. Ele fica doente e em dois meses ele morre. Então, essa morte prematura dele, com 29 anos, cria um impacto muito grande não só na sociedade científica do Rio de Janeiro, como aqui em Belém, no próprio Pará”, aponta o professor.
“Movidos por esse sentimento de perda e luto pelo falecimento de um grande cientista, a Intendência Municipal, que era como se fosse a Prefeitura de Belém, vai mudar no ano seguinte o nome da rua de Rua da Indústria, para Rua Gaspar Viana, em homenagem a esse grande médico e pesquisador paraense que estava fazendo sucesso no Rio de Janeiro. A partir de então, a rua é oficializada através de decreto municipal e passou a se chamar Gaspar Viana. É uma homenagem à ciência”.
A importância da personalidade que identifica a rua histórica é reconhecida por quem tem na Rua Gaspar Viana o seu local de trabalho. O guardador de carros Raimundo Nazareno Marques, 61 anos, trabalha no local desde os 19 anos e acompanhou parte das mudanças da história mais recente da via.
“Eu cheguei aqui para trabalhar com 19 anos, na época a moeda era o cruzeiro ainda, uma época muito boa de comércio”, lembra. “É muita memória que eu tenho daqui. É da onde eu tiro o meu sustento do dia a dia”.
MARCOS HISTÓRICOS
Igreja de Nossa Senhora das Mercês (Rua Gaspar Viana, esquina com a travessa Frutuoso Guimarães)
A primeira construção data de 1640, quando os padres mercedários ergueram uma ermida em taipa e um convento. A construção atual da igreja teve início em 1748. Já em 1978 ocorre um grande incêndio que destruiu o convento anexo à igreja, tendo o convento sido reconstruído em 1987. Apesar de a igreja ter sido preservada, com o tumulto gerado pelo incêndio alguns objetos sacros se perderam ou foram danificados. A construção atual tem alguns elementos internos atribuídos ao arquiteto italiano Antônio Landi, como o trabalho de talha existente nos púlpitos.
Capela de Santo Antônio (Rua Gaspar Viana, com a travessa Frei Gil)
Os franciscanos da Província de Santo Antônio de Lisboa chegaram ao Pará em meados de 1617. Já em 1743 eles inauguram o convento anexo à capela. Além do piso em madeira, destacam-se no interior da Igreja os painéis em azulejos que datam do século XVIII. Os azulejos em azul e branco retratam cenas religiosas e decorações florais. Também é destaque a bela pintura que toma o forro da sacristia.
Complexo Histórico Tiradentes (Rua Gaspar Viana, esquina com a avenida Assis de Vasconcelos)
Construção histórica que data do século XIX, o prédio que hoje abriga o Complexo Histórico Tiradentes passou por reformas concluídas em 2019 e reúne, no mesmo espaço, cinco unidades da Polícia Militar do Estado do Pará, incluindo o Museu da Polícia Militar.
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