A retomada das aulas presenciais para 110 mil alunos das 123 escolas da rede pública estadual de Manaus, nesta segunda-feira (10), colocou em teste as novas medidas de segurança contra a pandemia da Covid-19 em ambiente escolar, como a redução de turmas e restrições nas interações.
O retorno foi marcado por denúncias de descumprimento das regras de distanciamento social nas escolas e pelo início de uma greve parcial de professores e pedagogos, que são contrários à voltadas aulas presenciais.
O Sindicato dos Professores de Manaus (Assprom Sindical) convocou greve a partir desta terça-feira, enquanto o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas (Sinteam) orientou os professores a não comparecerem às escolas.
O governo do estado não tem estimativa sobre quantos professores aderiram ao movimento.
Com 107.197 casos confirmados e 3.384 óbitos por Covid-19 até o dia 10 de agosto, o Amazonas, que viveu o pico da pandemia entre os meses de abril e maio, foi o primeiro estado brasileiro a liberar a reabertura das escolas particulares, dia 6 de julho, e é também o primeiro a retomar as aulas em escolas públicas.
Mas logo no primeiro dia de reabertura das escolas, o Sinteam enviou uma comissão a escolas da zona Leste de Manaus e flagrou irregularidades como aglomerações na porta das escolas, distanciamento inadequado nas salas de aula, salas sem ventilação de ar, ausência de dispensadores de álcool em gel nas salas de aula e até alunos sem máscara.
"O que avaliamos é que ainda não é o momento de retomarmos as aulas presenciais. É preciso rever esse posicionamento", disse a presidente do Sinteam, Ana Cristina Rodrigues.
Ela disse que o sindicato deve fiscalizar as escolas durante toda a semana.
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Segundo Rodrigues, o número de alunos faltosos no primeiro dia de aula foi significativo. "Imagine quando o comparecimento for de 100%", alertou, afirmando que mesmo com a redução das turmas pela metade, o espaço físico das salas de aula é insuficiente para garantir o distanciamento de 1,5 metro.
Nesta segunda (10), apenas os estudantes do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de escolas estaduais da capital retornaram às aulas presenciais. As turmas de ensino fundamental devem retomar as aulas a partir de 24 de agosto. No interior e na rede municipal ainda não há previsão para a volta às aulas presenciais.
A Secretaria de Estado de Educação do Amazonas (Seduc-AM) anunciou a adoção de medidas para a volta às aulas, como a redução das turmas pela metade, estudo híbrido (dois dias de aulas presenciais e dois dias de aula online na semana ), adequação das escolas com a instalação de janelas, pias, tapetes sanitizantes e dispensadores de álcool em gel, além da distribuição de máscaras para professores e alunos e de restrições para a socialização.
Apesar disso, muitos pais preferiram não arriscar e não levaram os seus filhos para a escola.
É o caso de Maria*, 41, que ainda não se sente segura em deixar o filho voltar à escola. O estudante de 16 anos, que cursa o 2º ano do ensino médio, está ansioso para rever os colegas e preocupado com os estudos, já que deve pretende realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no próximo ano, mas concordou com a decisão da mãe.
"Aqui em casa quase todo mundo pegou e, graças a Deus, ficamos bem, mas ele perdeu uma tia, minha cunhada, e um colega dele perdeu o avô, então ele sabe bem do que essa doença é capaz, não é uma gripezinha. Preferimos não arriscar, mesmo com a pressão para a preparação para o Enem. O ano, a gente recupera", disse Maria.
Mãe de dois alunos da rede estadual, um deles do 1º ano do ensino médio, Fátima*, 46, também não mandou o filho para a escola. "E pelo que vi nas redes sociais hoje [segunda], com alunos aglomerados fora e dentro da escola, com máscara embaixo do nariz, nem pretendo mandar meu outro filho, que está no 7º ano, no dia 24", desabafou.
Muitos professores também não compareceram ao trabalho nos primeiros dias de aula. É o caso do professor de sociologia Marcelo Rodrigues, 36.
Ele leciona para 17 turmas diferentes na escola Professora Maria Teixeira Góes, na zona Leste de Manaus, mas não retornou para o trabalho na data marcada pela Seduc e nem tem previsão de quando pretende voltar.
"Não me sinto confortável para retornar às aulas, não temos condições mínimas de segurança, não só para os professores, mas para toda a comunidade envolvida, e por isso me nego a voltar nessas condições", afirmou o professor, que comunicou sua ausência à direção da escola com antecedência.
Outra professora da rede estadual, que preferiu não se identificar, alertou para o fato de nem todas as escolas terem sido adaptadas para que as medidas de segurança sejam cumpridas.
"Na minha escola, as salas são super pequenas e não tem espaço para o distanciamento mínimo necessário. E as salas não foram adaptadas com janelas, então não tem ventilação. Eu me sinto totalmente insegura de voltar a lecionar. Se eu ganhasse um pouquinho melhor e tivesse condições de bancar as minhas faltas, não voltaria agora de jeito nenhum", declarou.
Representante da Assprom Sindical, sindicato que reúne professores e pedagogos da rede pública, o professor Lambert Melo afirmou que a greve deve dar mais segurança aos professores que são contrários à retomada das aulas presenciais.
"Estamos na expectativa que, a partir desta terça, não haja mais movimentação nas escolas", disse.
Semana passada, a Justiça do Amazonas negou um pedido da Defensoria Pública Estadual (DPE) para impedir a retomada das aulas na rede pública. Agora, a própria Assprom Sindical pretende acionar a Justiça para impedir a volta às aulas presenciais, informou Melo.
"O primeiro dia foi bastante tumultuado, com aglomeração na porta de entrada em algumas escolas e sem nenhum controle nem fiscalização da direção das unidades ou da Seduc", disse.
Além disso, segundo ele, não há dispensadores de álcool em gel dentro das salas de aula, apenas nos portões de entrada, e os itens de proteção individual prometidos pelo governo não atendem às necessidades de todos.
"Ninguém recebeu álcool em gel e o tal kit de proteção pessoal dos professores se resume a uma máscara de péssima qualidade e mais nada. Uma máscara para usar o dia inteiro", criticou Melo.
Na rede municipal ainda não há previsão de retorno das aulas. Na segunda, o prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB), que recentemente se curou da Covid-19, decretou luto oficial de 3 dias pela morte de 100 mil brasileiros na pandemia.
"O coronavírus não acabou. São mais de 3,3 mil mortes no Amazonas e ainda temos mais registros diários. Muitos estão agindo como se a vida já estivesse voltado ao normal, mas não voltou. Estamos mantendo o teletrabalho no âmbito municipal e as aulas presenciais seguem suspensas até termos a total segurança para mandar nossas crianças de volta para as escolas", disse o prefeito, em nota.
OUTRO LADO
A Seduc negou que tenham sido registradas "ocorrências de aglomerações que prejudicassem a implantação dos protocolos de saúde".
Segundo a secretaria, a retomada das aulas foi planejada e está embasada no Plano de Retorno às Atividades Presenciais, que contempla protocolos de segurança em saúde e a área pedagógica e que foi construído a partir da consulta a 80 mil pais, professores, pedagogos e demais servidores, sob orientações da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS-AM).
Sobre a greve dos professores, a pasta informou que o plano foi apresentado ao sindicato e que "adequações estão sendo feitas nas escolas".
A secretaria também alegou que "não há recomendação dos órgãos de saúde quanto à eficácia da testagem em massa" e que os profissionais da educação poderão realizar testes por meio do plano de saúde privado mantido pela secretaria, quando houver "recomendação médica".
Sobre o Colégio Militar da Polícia Militar Marcantônio Vilaça, escola estadual onde foram registradas aglomerações no portão de entrada, a Seduc informou que a responsabilidade pela escola é da Polícia Militar. Procurada, a PM-AM não respondeu até a conclusão deste texto.
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