Uma nota pública assinada por 22 entidades e movimentos sociais pede às polícias do Rio de Janeiro o imediato cessar-fogo na Vila Cruzeiro, uma das favelas do Complexo da Penha, na zona norte da cidade, depois da ação que deixou ao menos 22 mortos e sete feridos nesta terça (24).
"A situação é de explícita calamidade e requer que as agências de Estado se mobilizem imediatamente e de forma articulada para suspender a ação das forças policiais, sob o risco de ainda mais pessoas tornarem-se vítimas dessa barbárie", diz a carta divulgada à imprensa no início da tarde.
O texto é endereçado ao governo do Rio de Janeiro, ao Ministério Público estadual, à Secretaria de Polícia Militar, à Polícia Federal e à Superintendência da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no estado. Esta última participou da incursão que começou por volta das 4h na comunidade.
As organizações dizem que vêm recebendo "preocupantes relatos de familiares em desespero, em busca de notícias por entes ainda desaparecidos" e que há notícias de que corpos de vítimas e potenciais feridos se encontram na região da mata que divide os complexos da Penha e do Alemão.
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"Mães e familiares estariam mobilizados a adentrar o local em meio ao tiroteio no desespero de localizar seus parentes. Ativistas de direitos humanos também estão no meio do fogo cruzado, sendo ameaçados por agentes de segurança que estão no local impedindo a retirada de novas vítimas e reprimindo a manifestação de moradores", afirmam.
Corpos e feridos chegavam a todo momento no Hospital Estadual Getúlio Vargas durante a tarde desta terça, fazendo o número inicialmente divulgado de 11 mortos dobrar para 22 ao longo do dia, enquanto familiares gritavam em protesto na porta da unidade.
"Infelizmente, eles [os policiais] não estão fazendo o socorro dos mortos e dos alvejados. A gente está pedindo um cessar-fogo, ao menos temporário, para socorrer feridos e retirar corpos", afirmou Cristino Valle Brito, da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil), que acompanhava a retirada do corpo de um jovem de uma kombi.
A nota assinada pelos movimentos também afirma que "na região vivem cerca de 200 mil pessoas, que estão sob forte impacto emocional e psíquico diante do terror vivido de mais uma chacina", e lembra que 19 unidades escolares tiveram seu funcionamento afetado, segundo a Secretaria Municipal de Educação.
Ressaltam ainda que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringiu operações policiais no estado durante a pandemia da Covid-19 ainda está em vigência, assim como uma determinação da Corte para que o estado implante medidas que reduzam a letalidade policial.
Entre as entidades que assinam a carta estão a ONG Anistia Internacional, a Casa Fluminense, o Coletivo Papo Reto (do Complexo do Alemão), a ONG Conectas Direitos Humanos e a deputada estadual Dani Monteiro (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RJ.
Procurada, a PM não respondeu quantos agentes ainda permanecem na comunidade e como está a situação no momento. Disse apenas que segue em apuração a respeito de entrada de feridos em unidade de saúde da região.
Por volta das 12h, um policial civil ferido pelos estilhaços de um projétil no nariz chegou ao hospital Getúlio Vargas. Segundo o delegado Alexandre Herdy, titular da Delegacia de Homicídio que esteve no hospital, a equipe foi atacada enquanto fazia perícia.
Em entrevista coletiva após a ação, o secretário de Polícia Militar culpou o STF pela migração de criminosos ao estado. "A gente começou a reparar essa movimentação, essa tendência deles de migração para o RJ, a partir da decisão do STF", declarou o coronel Luiz Henrique Marinho Pires.
Segundo o comandante do Bope (Batalhão de Operações Especiais), tenente-coronel Uirá do Nascimento Ferreira, a incursão não visava cumprir mandados de prisão, mas prender em flagrante mais de 50 criminosos que sairiam dali em comboio em direção à favela da Rocinha, na zona sul da cidade.
A intenção da polícia era surpreender esse comboio com um aparato policial que já estava montado fora da comunidade. Parte do grupo vinha de outros estados como Alagoas, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte —ao menos três dos baleados eram do Amazonas e do Pará.
A ação, porém, foi frustrada quando a primeira equipe foi atacada. A partir daí, a PM decidiu fazer uma operação de emergência com cerca de 80 agentes e mais 26 da Polícia Rodoviária Federal (PRF), além de helicópteros e veículos blindados, segundo ele para cessar os ataques.
Conforme os criminosos recuavam, os confrontos iam "entrando" na comunidade, até chegar a uma área de mata que liga a Vila Cruzeiro ao Complexo do Alemão. Foi ali que o maior grupo de homens foi baleado. Na região foram apreendidos 13 fuzis, 12 granadas, 4 pistolas, 10 carros e 20 motos.
Entre os mortos está Gabrielle Ferreira da Cunha, 41, alvejada dentro de casa na Chatuba, uma comunidade distante da área da operação. A Delegacia de Homicídios da Capital fez perícia na residência para investigar de onde partiu o tiro.
O Ministério Público estadual e o MPF também abriram investigações para apurar eventuais violações de direitos durante a incursão. O primeiro recomendou a apreensão e perícia de todas as armas dos policiais militares envolvidos na ação, comparando com os projéteis que venham a ser retirados das vítimas.
ORGANIZAÇÕES QUE ASSINAM A CARTA
1. Apadrinhe um Sorriso
2. Articuladas
3. Casa Fluminense
4. Coletivo Papo Reto
5. Conectas Direitos Humanos
6. Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro
7. Dani Monteiro - Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do
8. Estado do Rio de Janeiro
9. Fase- RJ
10. Fórum Social de Manguinhos
11. Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial
12. Instituto de Defesa da População Negra
13. Instituto Marielle Franco
14. Instituto Raça e Igualdade
15. ISER - Instituto de Estudos da Religião
16. Justiça Global
17. Movimenta Caxias
18. Movimento Candelária Nunca Mais
19. Movimento Favelas Na Luta
20. Observatório de Favelas
21. Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência
22. Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado
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