O caso do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, assassinados no interior da Amazônia durante uma expedição para denunciar crimes ambientais em terras indígenas, reacendeu um sentimento de injustiça e descaso alimentado por três anos no coração da viúva de um indigenista da Funai assassinado em virtude de sua atuação no Vale do Javari, no extremo oesta do Amazonas.
Em 2019, Maria (nome fictício atribuído pela reportagem da Agência Pública para preservá-la do assédio da imprensa) e a filha estavam na moto de seu marido, Maxciel Pereira dos Santos, quando ele foi morto com dois tiros na nuca. A ação ocorreu em plena Avenida da Amizade, a mais movimentada de Tabatinga (AM). Até o momento em que esta matéria está sendo publicada, a Polícia Federal do Amazonas não conseguiu desvendar o crime.
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Nos últimos dias, diante da enorme repercussão inernacional sobre o desaparecimento de Bruno e Dom, no município de Atalaia do Norte (AM), Maria voltou a sentir um misto de tristeza e saudade. Sentimentos que agora têm a companhia de uma questionamento inevitável. “Por que não fizeram o mesmo sobre o Max? Fiquei muito revoltada. Eu me coloco no lugar da família deles, mas por que deixar a gente de lado?”, perguntou em entrevista concedida à Agência Pública.
Na reportagem, Maria revela que conheceu Maxciel em 2015 em uma festa na cidade de Atalaia do Norte. Assim que o relacionamento ficou sério, o ex-servidor da Funai assumiu a filha que Maria tinha de outro relacionamento e os dois passaram a morar juntos até a morte de Max, como ela o chamava.
A viúva diz lembrar com clareza do dia em que o marido foi assassinado, em 6 de setembro de 2019. Max havia acabado de retornar de viagem a um posto da Funai no Rio Curuça.
“Ele chegou por volta das 9 horas (da manhã). Eu já estava pronta esperando, a gente pegou a baleeira e descemos o rio, fomos pra Tabatinga. Chegamos lá por volta da uma hora da tarde, fomos pra mãe dele. Saímos para comprar almoço e, quando a gente terminou de almoçar, fomos pra casa do irmão dele, onde a gente ficava hospedado. Ficamos lá descansando até às cinco e meia que foi quando eu senti fome e chamei ele pra ir jantar. Quando a gente saiu, foi coisa de dez minutos e aconteceu a tragédia”, relembra, com a voz embargada.
"Quando deram o primeiro tiro eu estava olhando pro outro lado da rua, eu achei que fosse um pneu de um carro que tivesse estourado. Quando eu olhei pro outro lado, eles já estavam emparelhados com a gente com a arma encostada na cabeça do Max. Eu vi a arma na minha frente, mas foi tudo muito rápido. Tão rápido que não deu pra ver se a pessoa tava de capacete, sem capacete. Só deu pra ver a arma apontada para a cabeça do meu marido. Depois dos tiros, a gente foi virando, caindo e já foi todo aquele desespero”, diz.
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Naquele diz, afirma Maria, um verdadeiro martírio teve início. Ela conta que teve depressão e durante algum tempo sequer conseguia sair de casa. Nem mesmo para trabalhar. Precisou fazer bolos para garantir alguma renda. Uma atividade que acabou funcionando como uma espécie de terapia e da qual sobrevive até hoje.
A respeito das investigações sobre a morte de Maxciel, Maria diz saber muito pouco. Ela chegou a prestar depoimento à Polícia Federal no dia seguinte ao crime. Depois disso, só voltou a ser procurada pela corporação no ano passado. Um agente pediu que ela prestasse um novo depoimento, mas ela disse não ter forças para reviver aquele momento.
Servidor rígido
Maxciel deixou de ser um servidor da Funai durante o governo Temer, quando medidas administrativas o tornaram apenas um colaborador do órgão. De acordo com fontes ligadas à Funai ouvidas pela Agência Pública, Maxciel era um servidor rígido no serviço. O ex-militar, que anteriomente havia servido à Aeronáutica, chegou a ser cotado para coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental por influência, inclusive, de Bruno Pereira, o indigenista desaparecido, de quem era amigo.
Ele atuou durante anos como Chefe do Serviço de Gestão Ambiental na Frente de Proteção, o setor responsável pela parte operacional das ações de fiscalização. “Ele era odiado pelos pescadores do Rio Ituí, do Curuçá, fez ações nessa terra indígena todinha. Era um cara bem conhecido na região. Deu muito prejuízo para os pescadores ilegais”, recorda um servidor da Funai, também ouvido sob anonimato.
Questionado sobre uma possível relação da morte do indigenista com essas ações de fiscalização, Almério Alves Vadique, o “Kel”, integrante do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ex-servidor da Funai, e amigo de Max não tem dúvidas: “Com certeza. Porque já tinham falado na rua aqui que iam matar ele”, revela. A irritação dos pescadores com Maxciel, e mesmo com Bruno Pereira deve-se, em parte, à destruição de equipamentos em áreas protegidas, uma reclamação comum de infratores ambientais contra servidores da área socioambiental.
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