
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na manhã desta quarta-feira (10), às 9h, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete acusados de envolvimento em uma tentativa de golpe de Estado. A análise dos ministros da Primeira Turma foca nos integrantes apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o “núcleo crucial” da suposta organização golpista.
A sessão teve início com a apresentação do voto do ministro Luiz Fux, que trouxe pontos de divergência em relação aos colegas Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que votaram no dia anterior pela condenação dos réus. O julgamento deve seguir até quinta-feira (11), com os votos das ministras Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, e pode ter desfecho já na sexta-feira (12), quando devem ser anunciadas eventuais penas.
Acompanhe o julgamento:
Críticas à acusação e defesa do direito ao contraditório
O ministro Luiz Fux rejeitou a acusação da PGR de que os réus formavam uma organização criminosa armada e afirmou que os critérios técnicos para essa tipificação penal não foram atendidos. Para ele, o grupo teria se reunido com um objetivo específico e limitado no tempo, praticar um golpe de Estado, o que não configura a estrutura exigida para o crime de organização criminosa.
Fux também questionou a ausência de comprovação do uso de armas de fogo por parte dos réus, o que inviabilizaria o agravante de ser uma organização armada. "Organização criminosa não se caracteriza quando o acordo se circunscreve à prática de um ou mais delitos, claramente individualizados e não indeterminados", afirmou.
Outro ponto importante do voto foi a crítica à condução do processo pela PGR. O ministro acusou o órgão de ter prejudicado o direito de defesa dos réus ao praticar o chamado document dumping, o fornecimento massivo de documentos em curto prazo, o que, segundo ele, criou um “tsunami” de informações que dificultou a atuação das defesas.
Danos do 08 de janeiro e vínculo com os réus
Luiz Fux também descartou o reconhecimento de responsabilidade solidária dos réus pelos danos ocorridos nos ataques às sedes dos Três Poderes, no dia 08 de janeiro de 2023. “Não se pode reconhecer a responsabilidade solidária de todos os componentes do grupo aos danos ocorridos em 8 de janeiro”, declarou. Ele destacou que o Ministério Público não conseguiu demonstrar ligação concreta entre cada réu e os atos de vandalismo em Brasília.
No mesmo sentido, o ministro argumentou que não há provas de que Jair Bolsonaro tenha liderado os atos antidemocráticos. “A simples alegação de liderança intelectual, desacompanhada de evidências concretas de responsabilidade de um indivíduo pelo dano, não é suficiente para a condenação”, pontuou.
Fux defendeu a necessidade de diferenciar os executores dos crimes dos autores intelectuais e ressaltou que nem mesmo os envolvidos diretamente podem ser isentados de culpa. Ele se referiu aos envolvidos como “vândalos”, afirmando que seria equivocado supor que essas pessoas não tinham noção de que estavam cometendo crimes.
Para o ministro, o crime de dano qualificado deve ser “absorvido” por acusações mais graves, como tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. “Um delito só pode ser considerado se não houver um crime mais grave que o absorva”, disse. Com isso, Fux sinalizou que, ao contrário do relator Alexandre de Moraes, não é favorável à soma das penas por diferentes crimes cometidos no mesmo contexto.
Delação de Mauro Cid é validada por maioria
Um dos pontos mais aguardados da sessão foi a definição sobre a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. As defesas dos réus haviam pedido a anulação da delação, alegando inconsistências nas versões apresentadas, além de suposta coerção por parte da Polícia Federal e da PGR para adequar os depoimentos à narrativa da acusação.
No entanto, Fux acompanhou Moraes e Dino, e votou pela manutenção da validade da colaboração premiada. Com isso, formou-se maioria (3 a 0) na Primeira Turma do STF para confirmar a legitimidade da delação. Para o ministro, as eventuais irregularidades nas comunicações do delator não comprometeram o conteúdo essencial dos depoimentos.
A defesa de Mauro Cid considerou o voto de Fux “contraditório”, mas comemorou o fato de que ele manteve a validade da delação. “É uma contradição, mas para a gente manter a delação é o que basta”, afirmou o advogado Jair Alves Pereira.
Repercussões e próximos passos
O voto de Fux causou reações imediatas. O advogado de Jair Bolsonaro, Celso Vilardi, afirmou que a manifestação do ministro “lavou a alma” da defesa. Ele comemorou especialmente o fato de Fux ter rejeitado o crime de organização criminosa, contra o qual o procurador-geral Paulo Gonet havia sugerido penas mais severas para o ex-presidente.
No plenário, a ministra Cármen Lúcia manteve-se reservada durante a maior parte da sessão, anotando trechos do voto de Fux e consultando a Constituição. Ela é considerada um voto certo pela condenação e será a próxima a se manifestar, seguida por Cristiano Zanin.
O deputado federal Lindbergh Farias (PT), presente no julgamento, disse que a posição de Fux já era esperada e que não deve impactar o andamento do projeto de lei da anistia no Congresso. “Foram muitos recados nos últimos dias. Alcolumbre sem disposição de votar texto amplo, Lula acenando para veto, Dino falando em inconstitucionalidade. Vai colocar para votar pra quê?”, questionou o parlamentar.
Quer mais notícias direto no celular? Acesse nosso canal no WhatsApp!
Os réus e os crimes atribuídos
Além de Jair Bolsonaro, são réus no processo:
- Mauro Cid – tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens
- Alexandre Ramagem – deputado federal (PL-RJ) e ex-diretor da Abin
- Almir Garnier – almirante e ex-comandante da Marinha
- Anderson Torres – ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF
- Augusto Heleno – general e ex-ministro do GSI
- Paulo Sérgio Nogueira – general e ex-ministro da Defesa
- Walter Braga Netto – general, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice de Bolsonaro em 2022
Eles são acusados de cinco crimes: Golpe de Estado; Abolição violenta do Estado Democrático de Direito; Dano qualificado pela violência contra patrimônio da União; Organização criminosa armada; Deterioração de patrimônio tombado. As penas somadas podem ultrapassar 40 anos de prisão.
Seja sempre o primeiro a ficar bem informado, entre no nosso canal de notícias no WhatsApp e Telegram. Para mais informações sobre os canais do WhatsApp e seguir outros canais do DOL. Acesse: dol.com.br/n/828815.
Comentar