Já passamos pelo Dia dos Pais no Brasil e nesta semana foi comemorado o Dia das Crianças. As duas datas deixaram as redes sociais lotadas de pessoas se declarando para as suas mães e, em alguns casos, as chamando de “pãe” ou "mai". As homenagens sugerem a ausência paterna ou a “substituição” da figura do pai por mães solo.

No Brasil, das crianças nascidas em 2021, quase 100 mil não têm o nome do pai no registro civil, de acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).

Em 2019, o número de registros civis apenas com o nome da mãe aumentou de 5,5% para 5,9%. No ano seguinte, em 2020, o índice subiu para 6% e, em 2021, a porcentagem está em 6,3%. 

Ao pensar em filhos criados por mães solos, se tem a ilusão de que elas são feitas para assumirem o papel do pai também, mas o que se observa é a a sobrecarga adquirida por essas mulheres, o que por vezes anula muitos desejos e projetos pessoais.

Mais que uma situação financeira, o abandono afetivo causa danos e traumas aos filhos e a mães também, que precisam assumir mais uma função.

PSICOLOGA

Desenvolvido desde a infância e capaz de influenciar diretamente no crescimento de uma pessoa, o afeto está diretamente ligado a autoestima. A partir da relação com os pais, é possível notar se a criança crescerá com saúde mental mais fortalecida ou não.

O abandono paterno pode influenciar diretamente nessa questão, fazendo com que a criança cresça de forma não muito saudável em alguns casos. “Muitos estudos mostram autoestima é muito influenciada pela questão do afeto, a falta de afeto, seja paterna, materna ou dos responsáveis pode fragilizar a autoestima. Porque a criança pensa que não é boa o suficiente para sustentar aquele amor. Não tem nada a ver com ela, mas como ela não é racional o suficiente, ela pensa assim”, explicou a psicóloga Vânia Celedonio, Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e em Terapia se Casal.

Por muito tempo, chegou-se a acreditar que ter uma figura masculina e paterna fosse necessário na criação de um ser humano. A questão mudou: hoje o foco é a rejeição paterna. Pais que não participam da criação dos filhos porque não fazem questão mesmo.

Psicóloga Vânia Celedonio, Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e em Terapia se Casal.
📷 Psicóloga Vânia Celedonio, Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e em Terapia se Casal. |Acervo Pessoal

Com pais ausentes, temos mães sobrecarregadas que tem a culpa e responsabilidade de criar filhos sozinhas. “É necessário para boa formação emocional dessa criança uma figura que vá proporcionar afeto, autonomia , que entregue bons valores, proteja e que eduque”, acrescentou.

“Uma rede de apoio é muito importante porque ajuda a mulher a ter qualidade de vida na criação dessa criança. Sem isso, ela sente cansaço, sobrecarga, stress, e nessa condição emocional ela não vai conseguir manifestar o seu melhor comportamento na criação. Essa sobrecarga influencia diretamente nessa falta de apoio na criação, culpa, medo, tristeza”, explicou.

A psicóloga Vânia Celedonio alerta para o uso dos termos “mãe guerreira”, “pãe” e "mai", que só servem para “romantizar a ausência paterna e isso não é algo positivo”, destaca.

“Quando a ausência paterna começar a interferir na fragilidade da autoestima, autoconfiança, nas relações interpessoais, quanto há uma tristeza e raiva latente, ou quando a criança está desmotivada para fazer as coisas básicas, como ir à escola, além de desacreditar nas pessoas, é a hora de procurar uma ajuda”, explica a psicóloga.

ADVOGADA

Um suporte jurídico é de suma importância para tratar relações conflituosas entre pais e filhos, e muitas vezes uma definição de compromissos e responsabilidades pode trazer tranquilidade para alguns relacionamentos.

No vídeo a seguir, a advogada Jullianny Geraldo explica mais sobre abandono paterno.

RENATA E JULIA

Ainda na gravidez, Renata se viu sozinha diante das mudanças da sua vida. Sem que o pai da sua filha Julia fosse presente e demonstrasse interesse em acompanhar a filha durante seu desenvolvimento na gestação ou tivesse preocupações básicas sobre a responsabilidade da chegada da criança, Renata se encontrou em um mundo novo.

Além da ausência presencial, ainda existem problemas com a pensão alimentícia. Aos 8 anos, desde 1 foi decidia pela guarda compartilhada, o que não ocorre, já que Julia não vê o pai biológico há anos.

“Ele nunca participou da criação da minha filha, recentemente meu marido quis adotá-la como pai afetivo, mas o biológico se opôs”, contou Renata.

Renata e Júlia
📷 Renata e Júlia |Acervo Pessoal

A mãe conta que a filha sempre sentiu a ausência do pai, principalmente no início da fase escolar, quando ela observava que seus amiguinhos, mesmo com pais separados, tinham a participação do pai na vida. Outro questionamento feito pela criança é em relação ao sobrenome do pai, que não era explicado com a ausência.

Por conta de inúmeros afazeres, Renata ainda se sentia culpada em ver a filha crescer e sem que desse a atenção necessária. “Eu sempre disse que tinha três empregos, porque eu trabalhava, estudava e cuidava da minha filha. Quando eu olhava a Júlia dormindo a noite, eu achava que ela tinha crescido tanto e eu tinha perdido isso, me sentia culpada em ter que trabalhar e estudar, ao invés de estar com ela”, contou.

Essa sobrecarga realmente interfere na vida de muitas mães, algumas que não possuem uma rede de apoio, precisam interromper alguns planos para poder se dedicar na criação dos filhos, já que não contam com a responsabilidade paterna. Além disso, falta tempo até para as mães cuidarem de si.

“É frustrante saber que alguém que podia dividir e participar da criação dos filhos com você, e não tem isso”, desabafou.

“Falta tempo para cuidar da gente mesmo. Quando a Júlia tinha dois anos precisei me operar e ela adoeceu. Passei dois dias com ela em observação e eu que fiquei com ela, resultado: meus pontos estouraram. Não tive a opção de cuidar de mim mesmo operada. Sem contar a parte estética, que deixamos de ter esse tempo para a gente para cuidar dos filhos”, acrescentou.

NATALIA

Natalia Rodrigues tem uma história que pode se confundir diante de tantas outras que conhecemos: sua mãe engravidou aos 21 anos, tentou o relacionamento com o pai da filha, não deu certo e precisou criá-la sozinha.

Farras e mulheres separavam o pai da criação da filha, mas a mãe contou com a ajuda de terceiros. Sem desistir dos sonhos, a Maria Helena Rodrigues, mãe de Natalia, contou com a apoio dos seus pais e da madrinha da filha, estudou e se mudou. “Minha avó nunca deixou que faltasse nada, sempre estudei em bons colégios, fazia curso de inglês, viajava, fiz intercâmbio, me formei, fiz pós graduação, na minha educação a prioridade sempre foram os estudos”, contou.

“Minha família sempre abriu mão dos seus sonhos para bancar os meus, e sou muito grata. Para falar a verdade a minha mãe trabalhava de manhã, de tarde e de noite. Eu quase não via ela em casa na adolescência, mas ela sempre me cobrava, sempre me chamava atenção, fazia o possível né?!”, acrescentou.

Natalia nunca contou com a presença do pai e sabe que os princípios adquiridos na sua caminhada sempre foram em decorrência da boa conduta da sua mãe.

📷 Natalia e Nairana Rodrigues, com a mãe Maria Helena Cardoso Rodrigues. |Acervo Pessoal

Sobre o pai, Natalia nunca viu e não faz questão do contato, mas sabe os danos que essa ausência paterna causou na sua vida.

“Faço terapia e sei que talvez isso tudo pode ter me causado algumas situações ruins, em questão de relacionamentos, talvez. Não confio muito nas pessoas, principalmente homem. Não tenho muita paciência para eles”, analisou.

Há quem diga, que a figura de um homem é importante na formação de uma pessoa, Natalia teve o seu avô na função, mas desde cedo ela teve que construir de forma solitária essa força.

“Para falar a verdade não sinto nada pelo meu pai. Eu tento resolver os meus problemas, por exemplo, de relacionamento, sem precisar buscar um culpado para isso. Até porque não vai mudar em nada”, avaliou.

Natalia se tornou uma mulher forte, mesmo com cicatrizes, mas adquiriu força na sua caminha para resolver problemas e ser feliz. Sobre o pai, ela é taxativa: tenho pena!

THAYNÁ

Mãe de uma neném de quase dois anos, Thayná Macedo precisou lidar desde cedo com a ausência paterna. Hoje, sem fazer questão da participação do pai na sua vida, a blogueira define sua relação: tenho contato, mas não faço questão de falar com ele.

O afastamento é resultado de uma série de ações paternas, mesmo que por diversas vezes a filha quisesse aproximação, o pai preferiu se manter longe.

“Quando eu era criança, até certa idade, eu ia pra Macapá (ele é de lá). Viajava duas vezes no ano para ficar com ele, mas meu pai nunca estava e eu ficava com meus avós. Ele mesmo nunca parava em casa, nunca me deu atenção”, relembrou.

Consciente da ausência paterna, atualmente o pai de Thayná paga pensão alimentícia para ela. Mas a situação financeira só foi normalizada quando a blogueira ela se tornou adolescente, ou seja por quase 15 anos ela não teve suporte emocional e nem financeiro do pai.

“Essa ausência interferiu muito na minha vida, principalmente na minha fase de ‘aborrecência’, eu queria que tivesse ali para me corrigir, mesmo tendo a mamãe sempre, eu queria que ele tivesse ali. Por muito tempo eu procurei, fui atrás, mas não tinha reciprocidade. A maturidade foi chegando e fui entendo que ali eu não cabia, mas foi bem difícil, muuuito”, enfatizou.

Thayná se tornou mãe recentemente, mas ela sempre soube as responsabilidades que sua mãe tinha na sua vida, e a falta de responsabilidade do pai.

“Uma mãe só ‘faz tudo’ quando não tem a ‘ajuda’ de um pai presente, que no caso é a obrigação”. A carga é pesada, mas quando dividida fica menos pior”, analisou.

A blogueira sabe que não tem nenhuma obrigação de amar uma pessoa que não tem contato ou intimidade. “Nem sei dizer de verdade o que ele significa para mim. É uma pessoa como qualquer outra, não existe afeto. Já o meu padrasto eu amo, demais da conta, mas o meu pai biológico eu não sei te dizer o que sinto”, finalizou.

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