
Enquanto o mundo se prepara para a COP 30, que pela primeira vez será sediada na Amazônia, em 2025, na cidade de Belém, estudos como o realizado pelo Instituto Mondó ajudam a evidenciar a urgência de colocar as vozes amazônidas no centro do debate climático. A escolha da região como sede da conferência não é apenas simbólica: é uma oportunidade concreta de reconhecer que os impactos da crise ambiental já estão atingindo profundamente a vida de quem habita a floresta. E isso inclui, de forma alarmante, o bem-estar psicológico de crianças e adolescentes.
Dados recém-divulgados pelo Instituto Mondó mostram que 1 em cada 4 adolescentes do arquipélago do Marajó já apresenta sintomas de sofrimento mental relacionados a eventos climáticos extremos, como secas severas e chuvas intensas. O estudo, destaque na III Conferência Internacional de Políticas Públicas e Ciência de Dados, realizada em Portugal, joga luz sobre um problema ainda pouco debatido: os efeitos silenciosos, mas devastadores, da emergência climática sobre a saúde mental de comunidades vulneráveis da Amazônia.
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De acordo com o levantamento, 27,84% dos adolescentes marajoaras entrevistados relataram impactos psicológicos após passarem por secas ou inundações. A pesquisa foi realizada com 208 estudantes do ensino público, além de 102 professores e 212 pais ou responsáveis, todos do município de Breves, no Marajó.
Mais da metade dos adolescentes (56,93%) disse já ter sido diretamente atingida por eventos climáticos extremos. Mas a percepção do impacto emocional é ainda maior entre os adultos: 59,55% dos professores e 51,22% dos pais afirmaram ter sentido efeitos diretos na saúde mental.
A avaliação dos sintomas foi feita com base na ferramenta PHQ-9 (Patient Health Questionnaire-9), padrão internacionalmente utilizado para identificar graus de depressão, conforme os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).
“O estudo mostra que os adultos, especialmente aqueles com responsabilidades familiares e profissionais, sofrem mais diretamente o peso psicológico das mudanças climáticas”, explica Rodrigo Arruda, pesquisador do Instituto Mondó. Ainda assim, ele alerta que os adolescentes podem estar lidando com os traumas de maneira silenciosa ou sem a consciência plena de seus efeitos.
Clima extremo interfere no aprendizado
Para além das emoções, os efeitos do clima também afetam o rendimento escolar e a presença dos alunos em sala de aula. A professora Esteliane Santos, da rede pública de Breves, relata que o período de seca dificulta até mesmo chegar à escola:
“A estrada de terra cheia de poeira atrapalha muito o uso da moto, meu transporte. O trajeto ficou mais longo, meu rendimento caiu e tive que dedicar mais tempo ao trabalho.”
Ela também nota um impacto direto nos estudantes. “Eles ficam menos dispostos nas atividades e faltam mais nas aulas durante secas ou chuvas intensas”, afirma.
Dados orientam criação de programa de acolhimento
Com base nos resultados, o Instituto Mondó criou o PROA – Programa de Orientação e Acolhimento, voltado à saúde mental de adolescentes, famílias e profissionais da educação. A iniciativa é apoiada pela Fundação José Luiz Setúbal e está em fase de implementação em Breves.
Além dos eventos climáticos, o estudo identificou outras fontes de sofrimento mental entre os jovens da região, como violência, racismo, LGBTQfobia, misoginia e bullying.
“O PROA nasce como uma resposta concreta a um problema invisibilizado. Já atuávamos com saúde da família e da mulher, mas percebemos a necessidade urgente de olhar para a saúde mental de forma integrada”, explica Carolina Maciel, diretora executiva do Instituto Mondó.
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Redes de acolhimento formadas na própria comunidade
Até o momento, 50 profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social de Breves foram capacitados para atuar como multiplicadores em suas comunidades. A formação inclui encontros presenciais e mentorias virtuais.
A meta é mapear espaços já existentes de apoio psicológico e fortalecê-los com ações permanentes. “Nosso foco é criar uma rede local, com base na realidade do território. A Amazônia tem suas especificidades, e o cuidado com a saúde mental precisa levar isso em conta”, afirma Carolina.
Um alerta para a COP 30
Os dados reforçam a importância de que, na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), o olhar global se volte para os impactos humanos — especialmente os invisíveis — da crise ambiental na Amazônia. O sofrimento de adolescentes como os de Breves mostra que o debate climático não pode ser apenas sobre gases e florestas, mas também sobre saúde mental, educação, desigualdade e justiça social.
A realização da COP em Belém é, portanto, uma oportunidade histórica de dar centralidade às vozes amazônicas e incluir, de forma séria, os efeitos psicológicos da emergência climática na pauta de ação global.

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