
O turismo de natureza vive um momento de expansão no Brasil. Segundo a sexta edição da Revista Tendências de Turismo 2025, produzida pelo Ministério do Turismo e pela Embratur, o viajante atual prioriza conexão com a natureza e quer ainda vivenciar experiências autênticas e imersivas, ou seja, conectar-se com o ambiente natural e com a cultura daquele território.
Esse movimento é perceptível não apenas no turismo interno, mas também no crescimento do interesse internacional: só no primeiro semestre de 2025, o Brasil recebeu 5,3 milhões de turistas estrangeiros, o que pode antecipar em dois anos a meta do Plano Nacional de Turismo 2024–2027, que previa a entrada de 8,1 milhões de visitantes até 2027.
Nesse cenário, os parques naturais brasileiros despontam como um dos grandes ativos turísticos do país. Segundo dados do Instituto Semeia, essas áreas protegidas podem receber quatro vezes mais visitas do que recebem hoje — chegando a até 56 milhões de visitas anuais. Caso esse potencial seja alcançado, os parques podem contribuir com até R$ 44 bilhões para o PIB nacional e gerar cerca de 1 milhão de postos de trabalho.
Não por acaso, os guias de turismo vêm ganhando cada vez mais protagonismo e “ver os benefícios do ecoturismo chegando à ponta, na vida real das pessoas, é o que dá sentido a todo esse esforço por mais conservação, mais infraestrutura e mais inclusão nos parques brasileiros", como enfatiza Renata Mendes, diretora executiva do Instituto Semeia — organização filantrópica, sem fins lucrativos, que trabalha para potencializar o desenvolvimento socioeconômico sustentável de parques e unidades de conservação brasileiras.
Para a diretora executiva do Instituto Semeia, "quando o turismo é bem conduzido, ele gera oportunidades de emprego e renda para moradores locais”. Em muitas regiões, por exemplo, a atividade sustenta famílias inteiras, contribuindo diretamente para a conservação dos ecossistemas e para a valorização das comunidades onde atuam, afinal esses profissionais desempenham um papel que vai muito além de conduzir trilhas ou apresentar curiosidades sobre a fauna e a flora.
É o caso de Inês Karoline Barreto de Oliveira, a Karol, de 31 anos, que há quase uma década atua como guia de turismo no Parque Estadual do Utinga, em Belém (PA). Com mais de um século de existência, o parque passou por um importante processo de reestruturação a partir de 2015, o que foi decisivo para impulsionar a visitação e ampliar sua relevância como destino de ecoturismo na Região Norte.

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Karol vive exclusivamente da renda como guia e encontrou ali muito mais do que uma profissão. Formada em Educação Física, ela conheceu o ecoturismo durante a faculdade, ao participar de um estágio que mudaria sua trajetória. “Achei uma coisa nova, que eu nunca tinha visto. Nesse momento, entendi que ali era o meu lugar’”, lembra. Desde então, transformou a paixão pela natureza em profissão — e também em propósito de vida.
“Hoje eu não consigo dizer quem é a Karol sem estar próxima à natureza, sem ver o brilho nos olhos dos nossos visitantes”. Ela conta ainda que a profissão também a ajudou a superar desafios pessoais: “Eu era muito tímida, tinha muita vergonha de falar em público, e melhorei por conta do contato com a natureza. O mato, como muitos dizem, tem muito a nos ensinar”, conta.

Reflexão, inspiração e liderança
Karol revela que sempre teve o apoio da família e de pessoas próximas, o que nem sempre viu acontecer com os colegas de profissão, e se sente feliz com a sua escolha. “Eu me sinto muito realizada por conseguir manter a minha família por meio do meu trabalho. E tudo o que faço é por amor. Amor à natureza. Então, o dinheiro é só uma recompensa do amor que proporciono diariamente às pessoas”, completa.
A profissional também é exemplo de liderança feminina em um ambiente majoritariamente masculino. “Sou a única mulher na liderança da empresa onde trabalho. Gosto de incentivar outras mulheres a se desafiarem, a descobrir até onde podem ir. Não existe isso de ‘isso não é trabalho de mulher’. A gente pode, sim, e deve ocupar esses espaços”, salienta.
Além disso, a guia recomenda a profissão e cita que o guiamento oferece a sensação de liberdade — realidade um tanto distante, segundo ela, de quem vive entre quatro paredes, com ar-condicionado e atrás de uma mesa de computador. “O guiamento, independente de onde seja, é libertador e proporciona vivências que nenhum escritório pode oferecer”.
Ela reforça que, quanto mais visitas aos parques, mais oportunidades se criam. “O turismo de natureza é feito de pessoas, para pessoas. Quanto mais visitas, mais renda, mais visibilidade e mais trabalho — não só pra mim, mas para toda uma cadeia. Um ajuda o outro”, enfatiza.
E, segundo Karol, cada visitante que passa deixa uma marca, principalmente as crianças, já que são muito sinceras, espontâneas. “Teve uma vez que uma criança me disse: ‘Tia, minha mãe joga isso no chão... Agora vou falar pra ela que não pode mais’. São momentos assim que mostram como nosso trabalho vai além da informação: ele provoca mudança, gera consciência. Como guia, que vive exclusivamente dessa profissão, ver esse impacto acontecer diante dos olhos é o que dá sentido à nossa presença nos parques”, lembra.

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Da infância na natureza à profissão no ecoturismo
Outra história que mostra o potencial do ecoturismo para o desenvolvimento socioeconômico de pessoas e comunidades é a de Anderson Andrade da Silva, também de 31 anos, condutor de turismo no Parque Utinga. Ele trabalha no parque desde a abertura ao público e encontrou na natureza não apenas uma profissão, mas uma forma de vida. “Desde criança eu cresci muito próximo de uma reserva natural. Já conhecia as árvores, as frutas, tomava banho de rio. Foi como fazer uma pré-faculdade da natureza”, brinca.
Hoje, ele também vive exclusivamente da renda do turismo de natureza. Transmitir esse conhecimento e vivência para os visitantes, segundo ele, é uma grande realização. “Muita gente conhece o açaí que vende na cidade, mas não sabe como é a árvore, a folha. Às vezes, só de fazer a pessoa tocar na palha da açaizeira, você já vê o brilho nos olhos. É uma coisa simples, mas que ela leva pra vida toda", afirma.
Uma das experiências mais marcantes de sua trajetória foi participar da sinalização da trilha Amazônia Atlântica, uma rota de mais de 400 km que liga Belém à cidade de Bragança, passando apenas por trilhas em meio à floresta. “Catalogamos os caminhos, mapeamos os percursos. Foi uma aventura que marcou muito, uma experiência única”, lembra.
Anderson ainda compartilha uma das atividades mais emocionantes oferecidas no parque: um passeio de bicicleta até a casa de uma família ribeirinha, a cerca de nove quilômetros da entrada. “É uma experiência autêntica. A gente mostra como eles vivem, como remam, como colhem o açaí. Já teve gente que chorou de emoção. Isso toca as pessoas de verdade”, completa.
Visitação, conservação e geração de impacto socioeconômico se conectam
Parques bem conservados atraem visitantes. “Essa visitação gera demanda por produtos e serviços ofertados por mão de obra local, promovendo impactos econômicos positivos. Como resultado, a própria comunidade e os profissionais que atuam nessa área, como vimos, passam a reconhecer o valor da conservação e se engajam ativamente na sua proteção”, destaca a porta-voz do Semeia.
A porta-voz também ressalta que o fortalecimento do trabalho dos guias é uma das principais estratégias para manter o ecossistema turístico saudável e responsável. “Quando a renda do turismo de natureza chega na ponta, na comunidade local, o resultado é visível: mais conservação, mais educação ambiental e mais dignidade. Os guias são peças-chave nesse ciclo, e precisamos valorizá-los cada vez mais”, afirma.
As histórias como a de Karol e Anderson mostram que o ecoturismo pode ser um caminho real de transformação socioeconômica e conservação ambiental — quando feito com responsabilidade, respeito e inclusão.
Sobre o Instituto Semeia
O Instituto Semeia é uma organização sem fins lucrativos, que atua desde 2011 com a missão de inspirar brasileiros e brasileiras a visitar e se orgulhar dos Parques do Brasil, acreditando que o turismo sustentável nos parques cria um ciclo virtuoso, funcionando como instrumento que contribui positivamente para a conservação ambiental, para a transformação social e para o desenvolvimento econômico local e regional, além de ser peça fundamental na formação de uma maior conscientização ambiental da população. Desde 2011, oferece suporte técnico a mais de 20 governos estaduais, municipais e governo federal, e contribuímos para a conservação de mais de 6.000 km² em 39 parques no Brasil.
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