O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve um primeiro contato com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, ao meio-dia em Hiroshima, no Japão, horário local, quando ambos se viram frente a frente na sessão de trabalho sobre a paz, que reúne os membros do G7 e os convidados da cúpula.
O brasileiro participa da reunião entre o americano Joe Biden e o canadense Justin Trudeau. O ucraniano, diante dele, está entre o indiano Narenda Modi e o sul-coreano Yoon Suk-yeol. No meio está o japonês Fumio Kishida , anfitrião da cúpula.
Em seu discurso oficial, distribuído pela comitiva, Lula afirmou: "Condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia" e "repudiamos veementemente o uso da força como meio de resolver disputas".
Mas "ao mesmo tempo, a cada dia em que os combates prosseguem, aumentam o sofrimento humano, a perda de vidas e a destruição de lares. Tenho repetido quase à exaustão que é preciso falar da paz".
Para o brasileiro, "os mecanismos multilaterais de prevenção e resolução de conflitos já não funcionam" e é preciso lembrar que as guerras hoje "vão muito além da Europa", destacando o Oriente Médio e o Haiti.
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Fez uma crítica indireta a EUA, França e Reino Unido, também presentes, dizendo que os "membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU continuam a longa tradição de travar guerras não autorizadas pelo órgão", não só com expansão territorial, caso da Rússia, mas "em busca de mudança de regime".
Outras falas de Lula
Em viagem a Abu Dhabi, no mês passado, Lula afirmou que tanto Ucrânia quanto Rússia era responsáveis pela guerra. "O presidente [russo, Vladimir] Putin não toma a iniciativa de parar. [O presidente ucraniano, Volodimir] Zelensky não toma a iniciativa de parar. A Europa e os Estados Unidos continuam contribuindo para a continuação desta guerra", disse na ocasião.
Ele acrescentou também que a "decisão pelo conflito foi tomada por dois países" e defendeu grupo pela paz.
Depois, em Madri, ainda lidando com as repercussões negativas de suas declarações, o presidente tentou se esquivar de uma pergunta sobre se considerava os territórios da Crimeia e do Donbass ucranianos ou russos.
"Não cabe a mim decidir de quem é a Crimeia ou o Donbass. Quando você senta numa mesa de negociação, pode discutir qualquer coisa, até a Crimeia. Quem tem que discutir isso são os russos ou os ucranianos", respondeu o líder brasileiro a um jornalista espanhol.
ÍNTEGRA DO DISCURSO NO G7
"Abaixo, a íntegra do discurso, que foi precedido por improviso do presidente:
Hiroshima é o cenário propício para uma reflexão sobre as catastróficas consequências de todos os tipos de conflito. Essa reflexão é urgente e necessária. Hoje, o risco de uma guerra nuclear está no nível mais alto desde o auge da Guerra Fria.
Em 1945, a ONU foi fundada para evitar uma nova guerra mundial. Mas os mecanismos multilaterais de prevenção e resolução de conflitos já não funcionam.
O mundo já não é o mesmo. Guerras nos moldes tradicionais continuam eclodindo, e vemos retrocessos preocupantes no regime de não proliferação nuclear, que necessariamente terá que incluir a dimensão do desarmamento.
As armas nucleares não são fonte de segurança, mas instrumento de extermínio em massa que nega nossa humanidade e ameaça a continuidade da vida na Terra.
Enquanto existirem armas nucleares, sempre haverá a possibilidade de seu uso.
Foi por essa razão que o Brasil se engajou ativamente nas negociações do Tratado para a Proibição de Armas Nucleares, que esperamos poder ratificar em breve.
Em linha com a Carta das Nações Unidas, repudiamos veementemente o uso da força como meio de resolver disputas. Condenamos a violação da integridade territorial da Ucrânia.
Ao mesmo tempo, a cada dia em que os combates prosseguem, aumentam o sofrimento humano, a perda de vidas e a destruição de lares.
Tenho repetido quase à exaustão que é preciso falar da paz. Nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Precisamos trabalhar para criar o espaço para negociações.
Também não podemos perder de vista que os desafios à paz e à segurança que atualmente afligem o mundo vão muito além da Europa.
Israelenses e palestinos, armênios e azeris, cossovares e sérvios precisam de paz. Iemenitas, sírios, líbios e sudaneses, todos merecem viver em paz. Esses conflitos deveriam receber o mesmo grau de mobilização internacional.
No Haiti, precisamos agir com rapidez para aliviar o sofrimento de uma população dilacerada pela tragédia. O flagelo a que está submetido o povo haitiano é consequência de décadas de indiferença quanto às reais necessidades do país. Há anos o Brasil vem dizendo que o problema do Haiti não é só de segurança, mas, sobretudo, de desenvolvimento.
O hiato entre esses desafios e a governança global que temos continua crescendo. A falta de reforma do Conselho de Segurança é o componente incontornável do problema.
O Conselho encontra-se mais paralisado do que nunca. Membros permanentes continuam a longa tradição de travar guerras não autorizadas pelo órgão, seja em busca de expansão territorial, seja em busca de mudança de regime.
Mesmo sem conseguir prevenir ou resolver conflitos através do órgão, alguns países insistem em ampliar a agenda do Conselho cada vez mais, trazendo novos temas que deveriam ser tratados em outros espaços do sistema ONU.
O resultado é que hoje temos um Conselho que não dá conta nem dos problemas antigos, nem dos atuais, muito menos dos futuros.
O Brasil vive em paz com seus vizinhos há mais de 150 anos. Fizemos da América Latina uma região sem armas nucleares. Também nos orgulhamos de ter construído, junto com vizinhos africanos, uma zona de paz e não proliferação nuclear no Atlântico Sul.
Testemunhamos a emergência de uma ordem multipolar que, se for bem recebida e cultivada, pode beneficiar a todos.
A multipolaridade que o Brasil almeja é baseada na primazia do direito internacional e na promoção do multilateralismo.
Reeditar a Guerra Fria seria uma insensatez.
Dividir o mundo entre Leste e Oeste ou Norte e Sul seria tão anacrônico quanto inócuo.
É preciso romper com a lógica de alianças excludentes e de falsos conflitos entre civilizações.
É inadiável reforçar a ideia de que a cooperação, que respeite as diferenças, é o caminho correto a seguir."
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