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MEMÓRIAS

Estrada de Ferro de Bragança está presente na memória

Para quem vivenciou o período em que a EFB esteve em funcionamento ou para quem ouviu relatos sobre a época, a estrada de ferro tem um significado especial. Confira o que dizem algumas dessas pessoas!

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Imagem ilustrativa da notícia Estrada de Ferro de Bragança está presente na memória camera Jorge levou a família para ver a locomotiva, em Castanhal | Mauro Ângelo

Presente na memória de muitos que vivenciaram as transformações provocadas pela Estrada de Ferro de Bragança (EFB), a característica da roupa queimada com pequenos furos feitos pela fuligem emitida pelo trem foi conhecida pelo aposentado Alcides Carvalho, 90 anos, quando ele decidiu viajar em um vagão diferente do que estava acostumado. Morador do município de Bragança até hoje, ele mantém vivas as memórias do período em que o principal meio de transporte entre o nordeste do Estado e a capital Belém era a ferrovia.

Da fuligem, Alcides guarda uma história em especial. “Quando eu fui tirar a passagem para Belém, a moça perguntou se eu queria bilhete para a 1ª classe ou para o vagão Dutra. Eu disse que queria ir no Dutra porque era o presidente da época”, recorda. “Foi quando eu paguei um mico muito grande. O vagão Dutra era todo de ferro, muito bonito, mas esquentava muito. Ele era todo aberto, então a brasa espalhava e ia queimando a nossa roupa. Na 1ª classe o vagão era fechado, então não tinha esse problema”.

A ida até Belém era justificada pela necessidade de fazer compras de produtos que ainda não chegavam a Bragança. Ele lembra que, à época, além da vestimenta alinhada, o que carregava na viagem era uma pequena maleta de madeira onde ele arrumava as suas roupas. “Quem tinha mais recursos viajava de trem de paletó, igual quando a pessoa vai na Câmara Municipal”, sorri. “O trem saía daqui 6h e chegava em Belém 18h”.

Vizinho de funcionários que trabalhavam na estrada de ferro, Alcides lembra que, em dias certos, passava pela estrada de ferro o chamado trem pagador, responsável por fazer o pagamento dos salários das pessoas que trabalhavam ao longo da ferrovia. “Era um trem expresso que saía de Belém e a cada estação ele parava e pagava os funcionários da estrada de ferro”, conta. “Quando João Goulart – ex-presidente do país - tomou conta, fez um decreto que dizia que todo funcionário público federal tinha que assinar o nome para poder receber, mas muitos funcionários da estrada de ferro não sabiam assinar o nome. Teve um vizinho que chegou um dia para a esposa com o pagamento e disse ‘guarda porque eu não sei quando eu vou receber de novo. Eu não sei assinar o meu nome’”.

Alcides Carvalho
📷 Alcides Carvalho |Mauro Ângelo

Patrimônio histórico, igreja das Mercês está em estado precário

No percurso onde a ferrovia circulou anos atrás, as lembranças da aposentada Raimunda Nascimento, 78 anos, são um pouco mais breves, mas igualmente entrelaçadas por memórias afetivas. Nascida e criada na comunidade Nossa Senhora do Livramento, em Igarapé-Açu, a aposentada resguarda praticamente no quintal de casa as ruínas do que já foi a Estação Livramento, outra que recebia a locomotiva da estrada de ferro. “A gente ia para lá pra esperar o trem. Na época eu viajei nele para ir só até Benevides, nunca passei para Belém”.

Raimunda Nascimento
📷 Raimunda Nascimento |Mauro Ângelo

A estrutura da construção que Raimunda descreve como bela e enfeitada hoje se mistura ao mato que cresce em meio à floresta. Para ter acesso às ruínas, é preciso caminhar alguns minutos floresta adentro a partir da lateral da casa da aposentada. Na beira da pista, uma placa indica a existência dos últimos resquícios da construção. A melhor maneira de chegar até a antiga estação é perguntando para os moradores que, assim como Raimunda, mantêm o hábito de sentar-se à sombra das árvores no final da tarde. “Muita gente vem aqui e pergunta. É só ir direto que vai dar na estação”.

Lembranças e emoção

Na época em que a chamada ‘Maria Fumaça’ passava pela localidade de Granja Eremita, povoado do distrito de São Francisco do Pará, Arcelino Gomes da Silva, 77, e Clara da Silva, 78, eram noivos. Hoje, casados há 55 anos, eles ainda guardam na lembrança as viagens realizadas no trem. “Era muito gostoso viajar de trem”, conta Arcelino.

Sempre que pensa nas experiências vivenciadas a partir da estrada de ferro, as lembranças de Arcelino vão além das viagens no trem. Passam pela espera, na entrada de casa, pela movimentação de pessoas e pelas características de cada locomotiva, cada vagão. As emoções despertadas pelas lembranças do trem são tão grandes que inspirou o aposentado a escrever um artigo para um concurso intitulado ‘Talentos da Maturidade’.

Clara da Silva e Arcelino Gomes da Silva
📷 Clara da Silva e Arcelino Gomes da Silva |Irene Almeida

Os escritos de Arcelino contam a maneira como o trem fazia parte da vida das pessoas que moravam no percurso da estrada de ferro. “A nossa casa ficava um pouco distante da estação, 1 km mais ou menos, mas quando algum trem parava na estação todos ficavam a postos na frente da casa para ver o trem passar”, lembra. “O trem ainda estava na estação ou mesmo voltando no sentido Bragança/Belém, à grande distância, eu já sabia se era o ‘Misto’ – trem com passageiros de primeira e segunda classe e alguns vagões com cargas; ‘Horário’ – composição mais seletiva com vagão de classe especial, não carregava cargas e dificilmente atrasava, pois era puxado pelas locomotivas mais potentes e melhores”.

Apesar das lembranças acerca do funcionamento do trem, as vivências mais marcadas dizem respeito às pessoas que seguiam viagem. “Lembro como era bom ficar observando quando alguém arremessava alguma carta, sempre presa em algo mais pesado para não se perder devido à velocidade em que o trem passava”, lembra. “Mas a festa maior era nos dias que meu saudoso pai voltava das compras em Igarapé-Açu, pois o trem só ia parar com 1 km de distância e na última plataforma lá estava ele jogando bombons para a criançada”.

“Nunca esqueci as histórias que meu pai contava pra gente”

Apesar de não ter vivenciado o período em que a máquina esteve em funcionamento, o pedreiro Jorge Antônio da Silva, 55, mantém nas lembranças histórias ligadas à locomotiva. Ele conta que o pai trabalhou cortando lenha para abastecer a locomotiva, em um ponto de manutenção no município de Santa Izabel. “A estrada de ferro encerrou no ano em que eu nasci, em 1965, mas eu nunca esqueci as histórias que meu pai contava pra gente”, recorda. “Quando algumas pessoas tinham que descer onde não havia estação, eles se arriscavam saltando da locomotiva que passava devagar. Tinha gente que vendia coisas na estrada e só fazia jogar pra dentro dos vagões. Quando a locomotiva estava para passar dava aquele apito e o meu pai sabia que tinha que ir pra beira do trilho para levar a lenha pra abastecer. Quem ficava no trilho ficava com a roupa queimada com a faísca do carvão”.

Jorge levou a família para ver a locomotiva, em Castanhal
📷 Jorge levou a família para ver a locomotiva, em Castanhal |Mauro Ângelo

Para manter tais histórias na família, o pedreiro fez questão de levar os filhos gêmeos Francisca Beatriz e Raimundo William, 10 anos, para ver a locomotiva que resiste ao tempo em Castanhal. Acompanhado também pela esposa Adriana da Silva Santos, 38, ele só lamentou o estado que se encontra a máquina, enferrujada e com parte do assoalho já danificado. “Ouvia as histórias do meu pai e sempre tive vontade de viajar de trem, o que eu ainda não consegui fazer. Trouxe meus filhos para pelo menos conhecer a locomotiva, mas é triste que esteja se acabando assim”.

“Mamãe teve 15 filhos. Deles, só um não trabalhou na Estrada de Ferro de Bragança”

Saídos também do município de Igarapé-Açu ainda antes que a ferrovia chegasse até o local, os pais do aposentado José Pompeu Bezerra Falcão, 90 anos, rumaram em direção à área mais próxima de Belém em busca de um trabalho que possibilitasse o sustento da família. Na altura do que hoje é o município de Marituba, o pai encontrou na Estrada de Ferro de Bragança não apenas a oportunidade que buscava para si, mas também a que viria, futuramente, empregar praticamente todos os seus filhos.

“Mamãe teve 15 filhos. Deles, só um não trabalhou na Estrada de Ferro de Bragança: o mais velho que se tornou marinheiro e foi morar no Rio de Janeiro. Eu trabalhei na oficina como serralheiro por 14 anos e depois me aposentei”, recorda José Pompeu, décimo segundo entre os irmãos.

José Pompeu trabalhou na Oficina da Estrada de Ferro
📷 José Pompeu trabalhou na Oficina da Estrada de Ferro |Mauro Ângelo

Local de ofício de José Pompeu por tanto tempo, a antiga Oficina da Estrada de Ferro ainda pode ser vista na área onde hoje funciona a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater), às margens da rodovia BR-316. À época, o que hoje é o município de Marituba não passava de uma vila operária que dava suporte e manutenção à ferrovia. Apesar da construção já não existir, Pompeu ainda recorda com exatidão da casa onde nasceu. “Eu nasci na casa nº 03 de Marituba. Ficava bem perto da caixa d’água”, lembra. “Quando a ferrovia foi extinta muitos operários foram transferidos para o Ceará, Pernambuco. Acabaram com quase tudo. Foi uma das maiores injustiças que já fizeram com o Estado do Pará”.

Para além de resquícios de algumas das antigas estações e caixas d’água espalhadas ao longo do percurso da Estrada de Ferro de Bragança, o que sobrou do trem pode ser visto em Belém e no município de Castanhal. No espaço do Parque da Residência, na capital paraense, um dos vagões especiais usados pelos governadores e suas comitivas em viagem pela EFB ainda pode ser visitado. Já na Praça da Estrela, no município de Castanhal, o que permanece é a imponente locomotiva que percorria os trilhos da estrada.

ESTRADA DE FERRO

A Estrada de Ferro de Bragança (EFB) começou a ser construída em 1883 com o objetivo de aproximar as províncias do Pará e do Maranhão e estimular o desenvolvimento da região bragantina paraense. Quando concluída, em 1908, a ferrovia tinha 293 km de extensão e ligava Belém a Bragança, passando por diversas localidades, vilas de trabalhadores e colônias que, posteriormente, vieram a se transformar em municípios paraenses, como é o caso de Marituba, Santa Izabel do Pará, São Francisco do Pará, Igarapé-Açu, dentre outros.

Mestre e doutorando em história social da Amazônia, o historiador Vitor Nazareno da Mata Martins aponta que a construção foi iniciada em cumprimento à lei provincial de 1870, que determinava que a construção de uma linha férrea deveria partir do marco da primeira légua patrimonial da cidade, que fica na atual avenida Almirante Barroso, em frente a Universidade do Estado do Pará (Uepa), seguindo em direção ao conhecido ‘Caminho para São Luís’. “A construção de uma estrada de ferro, naquela época, pode ser entendida, também, como um marco que simbolizava a recuperação econômica e demográfica da capital da Província do Grão-Pará, que havia atravessado um processo revolucionário quatro décadas antes na Cabanagem, a qual resultou na morte de aproximadamente 30 mil pessoas e em um consequente colapso social e econômico, nos primeiros anos que se seguiram”, contextualiza.

Estação de São Brás
📷 Estação de São Brás |Dimitri Kessel/Life

A EFB seguiu em funcionamento, transportando cargas e passageiros, até o dia 31 de dezembro de 1965, quando foi desativada. Ao longo dos anos, parte das estações espalhadas pelo percurso foi destruída, assim como os trilhos que foram retirados. Apesar disso, as transformações provocadas pela estrada de ferro permanecem vivas nas memórias de quem acompanhou o marco da modernidade que o Estado do Pará vivenciou à época.

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