O bairro da Campina, em Belém, abriga desde o tempo áureo da borracha vários casarões antigos, ruas estreitas e calçadas formadas por pedras portuguesas que até hoje carregam parte da história de formação da capital. A área rica em cultura e potencial turístico passou e ainda passa por grandes transformações, atravessando atualmente um dos períodos mais críticos desde sua existência. Não é difícil encontrar problemas por ali: são calçadas quebradas, buracos e muito lixo que tomam conta do que necessitava e ainda necessita de preservação.
Sem os cuidados e manutenções que deveriam ser constantes para preservar sua caracterização, o então centro histórico de Belém sofre com o abandono e obras paradas, deixando apenas transtornos para quem trabalha e frequenta constantemente a área. Quem circula pelo comércio e seu entorno reclama da má gestão municipal que, dentre outras demandas, tem como dever proteger a estética paisagística e histórica da cidade, seguindo o que recomenda o código de conduta do município.
Na rua João Alfredo, uma das principais da área, o cenário é de caos. A obra de requalificação da via iniciada em julho deste ano encontra-se praticamente parada. O vendedor que preferiu se identificar apenas como Nivaldo disse que desde quando a área foi interditada para circulação, poucas foram as vezes que operários estiveram trabalhando. “Esses é um serviço porco que está sendo feito e ninguém sabe de fato o que vai ser. Parte das pedras da rua foi removida e agora começaram a jogar o cimento”, reclama.
Para ter acesso às lojas ou demais ruas a partir desse ponto, as pessoas precisam se aglomerar e passar por um corredor estreito, um risco em plena pandemia. Mais à frente, uma grande quantidade de aterro, tubulações e blocos de concreto foi descarregada no meio da rua, dificultando ainda mais a passagem de pedestres. “A gente espera que essa obra de fato traga benefícios e deixe o nosso comércio bonito novamente. Estamos em uma área histórica e isso precisa ser preservado”, completa o vendedor Nivaldo.
Segundo o professor e historiador Michel Pinho, as mudanças na cidade fazem parte de um longo processo histórico e não há interesse da gestão municipal em intervir de forma eficaz e consciente nesses espaços. “Foi assim que interferimos nosso espaço indígena ou na destruição colonial durante a belle époque. O mais absurdo dos casos de hoje é que possuímos farto material governamental para impedir, orientar ou organizar o planejamento da nossa cidade”, alega. “Não há por parte da prefeitura da cidade nenhuma grande preocupação nas descaracterização do nosso patrimônio edificado”, acrescenta.
O professor de História destaca ainda que, por conta de obras mal elaboradas, parte da memória de Belém foi apagada, restando apenas lembranças ou raros registros do que era. “As obras por si só deveriam preservar as nossas linhas arquitetônicas, mas se observarmos como elas são feitas, deixam de lado a construção de nossa memória e das edificações. Temos, infelizmente, uma longa lista de prédios importantes que deixaram de existir em função do descaso”, conta o historiador.
ABANDONO
Além da rua João Alfredo, outra área dentro do comércio passa por reforma há meses. A praça das Mercês também foi alvo de polêmicas quando a prefeitura decidiu fechar o lugar e realocar vendedores ambulantes que ficavam instalados em torno da estrutura. “É uma tristeza ver todo esse ferro cercando uma praça que já deveria ter sido entregue à população. Nem a placa informando sobre a obra deixaram. Sabemos que esses serviços de manutenção são importantes, mas é preciso mais respeito com a nossa história”, pontua o aposentado Reginaldo Souza, 64.
Outros pontos importantes do centro histórico passam pela mesma situação, como é caso da praça Dom Pedro II. Localizada em frente à sede da Prefeitura, a obra de requalificação iniciada em dezembro de 2019 está abandonada e sem operários trabalhando. O prazo de entrega do serviços que custou mais de R$ 1 milhão era de seis meses. A praça do Carmo, palco importante de manifestações culturais, também sofre com o descaso das obras incompletas. O espaço era para ter sido entregue reformado em agosto, mas até hoje a área permanece cercada e com o cronograma atrasado.
Michel Pinho recorda que existe grande importância e é dever de todos cuidar, preservar e respeitar o centro histórico da cidade, como forma de um planejamento maior do plano diretor da cidade. “Devemos entender como cidadãos que o gerenciamento de Belém precisa respeitar normas, e a luta pela preservação do patrimônio é uma destas questões. Falar de saneamento e de direito de moradia está relacionado diretamente com o centro histórico e suas casas e prédios. Enfim, a gestão é pela a cidade, portanto pelo patrimônio também”, defende.
Mesmo com vários monumentos e edificações históricas que foram desvalorizadas, negligenciadas e perdidas no tempo, o historiador ressalta que “é importante tentar descaracterizar a belle époque paraense apenas como a portadora dos prédios importantes de Belém”, visto que outros que ainda resistem aos anos também precisam ser preservados. “Temos edificações desde o século XVIII como a casa rosada que ainda está de pé, temos os sobrados construídos por Landi que ainda estão de pé, é preciso entender as várias camadas de Belém. Sem perceber que nossas ruas e casas são frutos de uma longa história restará apenas o pó”, afirma.
A Prefeitura de Belém foi procurada, mas não se manifestou sobre o assunto até o fechamento desta edição.
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