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VENTILADORES PULMONARES

Inquérito detalha esquema que levou ao indiciamento de Sérgio Amorim

Investigação policial sobre a compra de ventiladores pulmonares pela Prefeitura de Belém junto à GM Serviços culminou com o indiciamento do ex-secretário de Saúde, cunhado do procurador geral de Justiça, Gilberto Valente

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Imagem ilustrativa da notícia Inquérito detalha esquema que levou ao indiciamento de Sérgio Amorim camera Sérgio Amorim é investigado por irregularidades ocorridas na gestão do prefeito Zenaldo | Agência Belém

É explosivo o conteúdo do Inquérito da Polícia Civil que investigou a compra de ventiladores pulmonares pela Prefeitura de Belém junto à GM Serviços Comércio e Representação. A investigação culminou com o indiciamento do ex-secretário de Saúde de Belém, Sérgio de Figueiredo Amorim, que é cunhado do procurador geral de Justiça, Gilberto Valente Martins, chefe do Ministério Público Estadual (MP-PA).

Amorim foi indiciado por fraude licitatória, associação criminosa e outros crimes, que podem lhe custar até 18 anos de reclusão, se condenado. O DIÁRIO teve acesso às 350 páginas do Inquérito, enviado à Justiça no último dia 1. Ele revela uma ciranda entre a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) e duas empresas, também indiciadas por fraude licitatória e associação criminosa. Um esquema que, só em Belém, teria lesado os cofres públicos em mais de R$ 1,1 milhão.

Segundo o Inquérito, o esquema funcionava assim: a Macedo Hospitalar, uma empresa tradicional do mercado, representante exclusiva de algumas das maiores marcas mundiais de equipamentos médicos, vendia esses produtos à GM Serviços sem nota fiscal ou qualquer documento da transação. Aí, a GM Serviços, que a polícia parece acreditar que é uma empresa fantasma, revendia os mesmíssimos equipamentos à Sesma, mas por um preço muito superior ao que havia “comprado”.

Na maioria das vezes, através de dispensas licitatórias assinadas por Sérgio Amorim. Ou até sem qualquer formalidade legal, como ocorreu com esses ventiladores, que a GM Serviços “comprou” da Macedo por R$ 390 mil e revendeu à Sesma por R$ 720 mil, ou 85% a mais, sem nem mesmo um contrato.

O caso todo é muito enrolado, a começar pela história da GM Serviços, que, como o DIÁRIO mostrou, foi aberta, em 2012, como uma cafeteria, a “Coffe Cake Doceria”, e hoje realizaria 35 atividades, incluindo psicanálise. A investigação policial confirmou que a empresa nasceu como uma lanchonete, em um ponto comercial na Cidade Nova IV, em Ananindeua, com um capital de R$ 30 mil.

Permaneceu no mesmo ramo até maio de 2016, quando, com um novo dono (que seria cabeleireiro e amigo da dona atual), aumentou o capital para R$ 400 mil; mudou o nome para Quality Uniformes e Serviços e transferiu o endereço para a Travessa WE-68-A, Conjunto Guajará, também em Ananindeua.

Só em novembro de 2017 é que foi parar, formalmente, nas mãos da empresária Genny Missora Yamada, sua proprietária desde então. Ganhou o nome de GM Serviços e começou a participar de licitações. Em 2019, passou a realizar 28 atividades, sendo a principal o comércio atacadista de produtos médicos, hospitalares e laboratoriais. Também alterou o nome de fantasia para “MY02 Soluções em Saúde”. Mas manteve o mesmo endereço, do qual só se mudou, em março deste ano, para a rodovia Mário Covas, no bairro do Coqueiro, onde passou a realizar 35 atividades.

FICÇÃO

O problema, como descobriu a polícia, é que boa parte do que você leu acima não passaria de ficção. Porque seriam vários os indícios da “natureza fantasmagórica” da GM Serviços: o objeto social “guarda-chuva”, com um grande número de atividades; balanços contábeis e informações do Ministério do Trabalho indicando que só começou a ter empregados no ano passado, além de endereços que, aparentemente, nunca ocupou.

No último 9 de outubro, durante a Operação Quimera, que cumpriu mandados judiciais de busca e apreensão, a polícia não encontrou a empresa em funcionamento em nenhum dos endereços que ela registrou na Junta Comercial do Pará (Jucepa). Na rodovia Mário Covas, que seria seu endereço atual, o prédio ainda estava em construção e não havia qualquer galpão para armazenar equipamentos hospitalares.

Os operários disseram que a empresa confecciona uniformes e que só há uns quatro meses estava naquele local (por coincidência, após o DIÁRIO denunciar o escândalo desses ventiladores). Na Rua Jardim Anabiju, no bairro do Castanheira, endereço que constava no site dela, o prédio estava vazio e a vizinhança nunca ouvira falar da empresa.

Na Travessa WE-68-A, Conjunto Guajará, onde teria permanecido de 2016 até março deste ano, e que é o endereço que consta nas notas fiscais dos ventiladores que vendeu à Sesma, a polícia encontrou uma gráfica. O dono do imóvel disse que alugou o prédio à outra empresa de Genny, em dezembro de 2015. Mas que a empresária deixou o local em abril de 2017.

São vários os indícios de irregularidades

Reforçam as suspeitas o fato de a Sesma só ter realizado cotação de preço dos ventiladores junto à GM Serviços. Já para a compra dos monitores, pediu a cotação de mais uma empresa, mas Sérgio Amorim, sem qualquer justificativa formal, decidiu comprá-los também da GM Serviços, apesar do preço dela ser maior.

Outra irregularidade é que não houve nem mesmo um contrato entre a Sesma e a empresa, para essa aquisição: ele foi substituído por um Termo de Reconhecimento de Dívida (TRD), um instrumento que, diz a polícia, não seria cabível nessa transação, já que só é usado em casos de contratos anulados, ou que tenham sido prorrogados sem a necessária formalidade legal.

Outro problema é que, na época em que esses equipamentos foram adquiridos não havia qualquer emergência que justificasse uma dispensa licitatória. E mesmo assim, diz a polícia, Sérgio Amorim consumou a compra, que também ocorreu sem ter sido previamente empenhada, como determina a Lei.

INFLUÊNCIA

Ainda segundo o Inquérito, a empresária Genny Missora Yamada, dona da GM Serviços, possui “grande influência” na Sesma, coisa que era do conhecimento de Sérgio Amorim. Tal influência atingiria principalmente a administração das UPAs do Jurunas e da Marambaia, que a Sesma terceirizou, no começo deste ano, para a Organização Social Insaúde. O fisioterapeuta Otávio Oscar Furian, marido da empresária, é funcionário da Insaúde.

Segundo o Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) ele é engenheiro de Controle de Qualidade da UPA da Marambaia. Durante a investigação, a polícia descobriu diversos pagamentos da Sesma à GM Serviços, através da Insaúde, “relativos a aquisições e prestação de serviços nessas Unidades (as duas UPAs), muitos destes sem formalização da motivação para escolha desta empresa para as contratações”.

Escândalo levou à exoneração do então secretário de Zenaldo

O escândalo em torno da compra desses ventiladores levou à exoneração de Sérgio Amorim da Sesma, quatro dias depois da Operação Quimera, realizada em 9 de outubro, para cumpriu mandados de busca e apreensão expedidos pelo juiz Heyder Tavares da Silva Ferreira.

É que o caso todo acabou se tornando ainda mais escandaloso ao trazer à tona o parentesco entre Amorim e o procurador geral de Justiça, Gilberto Valente Martins, chefe do MP-PA. Além disso, gerou um episódio que advogados e promotores da própria instituição consideram tentativa de obstrução da Justiça.

Procurador geral Gilberto Valente
📷 Procurador geral Gilberto Valente |Geraldo Magela / Agência Senado

Naquele dia, a polícia bateu à porta da Sesma e de vários endereços ligados a Amorim e à GM Serviços. Mas quando chegou a um apartamento no qual reside a mãe do então secretário, quem apareceu para abrir o imóvel foi Ana Rosa, irmã de Amorim e esposa de Gilberto Martins. Mas o pior é que antes de Ana Rosa chegar apareceu ali o tenente-coronel Afonso Geomárcio Alves dos Santos, que é assessor militar de Gilberto Martins no MP-PA. Afonso Geomárcio já chegou filmando, com um smartphone, os policiais que aguardavam na porta do apartamento e até pediu “o nome completo” da delegada que comandava a operação.

OCORRÊNCIA

O comportamento inusitado e, aparentemente, intimidatório do militar incomodou tanto os policiais que a delegada até registrou um boletim de ocorrência. Já a Corregedoria da PM abriu investigação para apurar se houve tentativa de obstrução da Justiça. Gilberto Martins alegou à imprensa que o tenente-coronel foi ao apartamento para fazer a segurança de Ana Rosa, que teria direito a esse privilégio por ser esposa dele, um integrante do MP. No entanto, isso não explica o porquê da filmagem dos policiais ou a cobrança do “nome completo”da delegada.

Notas de Empenho indicam superfaturamento

Operação Quimera cumpriu mandados de busca e apreensão
📷 Operação Quimera cumpriu mandados de busca e apreensão |Leandro Santana / PCPa

A polícia também confirmou outra informação do DIÁRIO: não há pagamentos à GM Serviços no portal da Transparência da Prefeitura de Belém, entre 2012 e 2018. Eles só começaram no ano passado, decorrentes, na maioria das vezes, das dispensas ou inexigibilidades licitatórias assinadas por Sérgio Amorim, em favor da empresa.

No entanto, mesmo as licitações da Sesma que a GM ganhou mereceriam uma investigação aprofundada. É o caso do Pregão Eletrônico 07/2020 no qual vendeu à Secretaria um esterilizador de Peróxido de Hidrogênio por R$ 298.900,00, em um contrato assinado por Amorim no último 29 de maio.

O equipamento, diz a polícia, também foi vendido à GM Serviços pela Macedo Hospitalar, só que por R$ 220 mil e com emissão da Nota Fiscal de venda apenas no último 29 de novembro. Porém, é no comparativo de preços dos ventiladores pulmonares que o caso fica ainda mais interessante.

As Notas de Empenho que estavam originalmente no portal da Transparência diziam que dois desses respiradores custaram R$ 260 mil cada. Mas após essa informação vazar na internet e o DIÁRIO publicar a primeira reportagem sobre o caso, a Prefeitura inseriu mais equipamentos nesses documentos, fazendo com que o preço caíssepara R$ 65 mil.

No entanto, no mesmo Pregão 07/2020 aparecem os monitores multiparâmetros que a GM Serviços vendeu à Sesma por R$ 30.208,00 cada, e a diferença é ainda maior: no mesmo Pregão, a Sesma contratou com a empresa MTB Tecnologia a compra desses equipamentos a R$ 6.361,25 cada.

Em outro Pregão, em dezembro do ano passado (ou na mesma época em que iniciou as “tratativas” com a GM Serviços), a Sesma também comprou ventiladores a R$ 49.200,00 e monitores multiparâmetros a R$ 14.500,00. Ou seja, segundo a polícia, há indícios de sobre preço na transação.

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