O desmonte de políticas sociais que vem ocorrendo no Brasil nos últimos anos afeta de forma mais profunda as populações vulneráveis. Assim como os indígenas, as comunidades ribeirinhas, principalmente na Amazônia Legal, vivem à margem das principais políticas públicas, como o direito à energia elétrica, entre outras necessidades básicas. Dados estatísticos estimam que mais de 7 milhões de pessoas vivem em casas de várzea ou palafitas, sem acesso a água tratada e onde a alimentação é pouco variada, sendo composta basicamente de peixes e farinha.
Pouco tem sido feito pelo governo federal, ao longo de décadas, para ajudar as comunidades tradicionais de ribeirinhos e não existe para essa população, tão importante para o Brasil, um conjunto de leis e normas que garantam o acesso aos direitos fundamentais exercidos pelos demais cidadãos e cidadãs brasileiros.
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“É uma população tradicional ainda desprotegida, que vem sofrendo há anos pelo descaso e pela falta de políticas públicas próprias às suas características e especificidades”, explica o senador Jader Barbalho (MDB-PA), que apresentou ao Congresso Nacional, na semana passada, um projeto de lei que propõe a criação do Estatuto do Ribeirinho.
O Estatuto estabelece uma norma de caráter mais geral a ser adotada em relação a uma determinada camada da população, como os já aprovados da Criança e do Adolescente; do Idoso; dos Militares; entre outros.
“A ideia principal é que, a partir da aprovação da proposta, sejam assegurados aos povos ribeirinhos e ao ribeirinho, os direitos à igualdade de oportunidades e à defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos”, reforça Jader.
A existência formal das chamadas populações tradicionais no Brasil, entre elas os ribeirinhos, só foi reconhecida oficialmente em fevereiro de 2007, pelo Decreto nº 6.040 que, ao reconhecer essas populações, ampliou o reconhecimento parcial trazido pela Constituição de 1988, aos indígenas e quilombolas.
O senador destaca que um dos principais problemas enfrentados pela sociedade ribeirinha da Amazônia Legal é a falta de saneamento básico, precariedade no acesso à saúde, transporte e educação.
“Alguns povoados ficam tão entranhados na floresta que o acesso somente pode ser feito por canoas motorizadas que passam pelos igarapés, ziguezagueando entre as árvores. Não é raro encontrar lugares que nunca receberam um médico”, lembra o senador. Ele destacou que nas comunidades, geralmente, há apenas um agente de saúde, “que é um morador treinado pela prefeitura mais próxima, mas que não está apto a fazer diagnósticos”.
Outro grave problema é a distância entre as escolas e as moradias, em uma região que tem a menor densidade demográfica do país. A estimativa é que residam nas comunidades ribeirinhas ou isoladas cerca de cinco mil crianças e jovens, que precisam sair de seu povoado diariamente, para frequentar uma escola. O número é impreciso, já que nem todas as comunidades são registradas.
Jader Barbalho destaca também que a alimentação pouco variada da população ribeirinha é composta basicamente de peixes e o que expõe as crianças à situação de insegurança alimentar sazonal severa.
Direitos fundamentais
A proposta de criação do Estatuto define como ribeirinho aquele que reside nas proximidades dos rios, igarapés, igapós, lagos da floresta e tem a pesca artesanal como principal atividade de sobrevivência, podendo também cultivar pequenos roçados para consumo próprio e praticar atividades extrativistas e de subsistência; além de definir outras disposições preliminares.
O projeto de lei garante ao ribeirinho todos os direitos fundamentais “inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral” assegurando por lei ou por outros meios, “todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.
A proposta prevê a obrigação do Poder Público de garantir ao ribeirinho “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, à habitação, à alimentação, à informação, aos meios de comunicação em massa, a financiamentos públicos, à titulação de terras, à tecnologia, à energia elétrica, ao respeito e à convivência familiar e comunitária, à Justiça, entre outros”.
Deverão ser priorizadas: acesso à rede de serviços de saúde e à educação de qualidade próximos ao local de residência; preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; regularização fundiária através da titulação de terras; destinação obrigatória de recursos públicos para a construção de habitação; e distribuição de cestas básicas durante os períodos de cheia dos rios.
Indenização por deslocamento
No título dos Direitos Fundamentais estão dispostos 10 capítulos, entre eles o direito de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam e que serão reconhecidos pelo Poder Público, o direito à moradia digna, onde fica determinada a obrigatoriedade de inclusão da construção típica do ribeirinho no Programa Casa Verde e Amarela ou em outro programa similar.
No Capítulo 10, o senador acrescentou uma obrigação até então inédita, e que tem enormes reflexos no modo de vida do ribeirinho amazônida, que mora em áreas com potencial para produção de energia hidrelétrica: o capítulo das indenizações pelo processo de deslocamento forçado do ribeirinho.
De acordo com o artigo 38, o ribeirinho que for diretamente atingido e compulsoriamente transferido do seu território tradicional para dar lugar à construção de barragens ou hidrelétricas, ou mesmo para a formação dos lagos que as compõem, terá direito à indenização financeira e à compensação pelos danos causados aos seus direitos sociais e à natureza, que deverão ser feitas pelos principais atores envolvidos, sejam da esfera pública ou privada, e pelo Estado brasileiro.
“Essa é uma garantia de que nunca mais teremos casos tão graves e de tamanho desrespeito aos nossos povos tradicionais como o que ocorreu com a população ribeirinha impactada pela construção da usina de Belo Monte”, lembra.
Os ribeirinhos deslocados para a construção da Usina Belo Monte, em Altamira, até hoje lutam na Justiça pelo direito à retomada do seu modo de vida após serem retirados de suas terras originais.
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