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APURAÇÃO

Gilberto Martins é investigado pela Corregedoria do MPPA

Além de responder a dois Processos Administrativos Disciplinares no Conselho Nacional do MP, o ex-Procurador Geral de Justiça do Pará, Gilberto Martins, virou alvo de uma investigação da Corregedoria do Ministério Público.

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Imagem ilustrativa da notícia Gilberto Martins é investigado pela Corregedoria do MPPA camera Gilberto Martins | Ascom/MPPA

O ex-Procurador Geral de Justiça (PGJ) do Pará, promotor Gilberto Martins, além de responder a dois Processos Administrativos Disciplinares (PADs) no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), virou alvo de uma investigação da Corregedoria do Ministério Público do Pará (MP-PA). No último 9 de abril, horas antes de deixar o cargo de PGJ, Gilberto ajuizou uma ação criminal contra uma promotora, por sonegação fiscal. O problema é que o processo administrativo da Receita Federal sobre o caso ainda estava em andamento, o que significa que essa dívida de impostos poderia nem mesmo existir. A atitude dele contrariou uma Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF). Daí a denúncia apresentada à Corregedoria do MP-PA, por um promotor.

Súmulas vinculantes são uma espécie de instrução do STF para que casos iguais ou muito parecidos sejam julgados da mesma maneira, a fim de evitar um mar de sentenças conflitantes, em vários estados. Em dezembro de 2009 (ou seja, há 12 anos), o STF aprovou a Súmula Vinculante 24. Ela afirma que antes do lançamento definitivo do tributo “não se tipifica crime material contra a ordem tributária”, previsto na Lei 8.137/1990, artigo primeiro, incisos I a IV. Esse “lançamento definitivo do tributo” é a confirmação e quantificação da dívida, o que só ocorre ao final de um processo administrativo da Receita. Nele, o contribuinte pode se defender e até provar que não deve nada. Além disso, se o caso não envolver outros crimes, pode pagar a dívida, o que afasta a punição judicial.

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Mesmo assim, às 18h24 de 09 de abril, um sábado, e o último dia de seu mandato como PGJ, Gilberto ajuizou a ação criminal contra a sua colega promotora. Apesar da longa trajetória como promotor, ele talvez desconhecesse que um processo assim acabaria rejeitado pelos tribunais, por incorrer naquilo que juízes, advogados e promotores chamam de “ausência de justa causa”, e que pode ser traduzido como falta de razão de ser. Afinal, como alguém poderia ser processado por sonegação, se nem se sabia se o crime existira? Ao examinar o caso, o desembargador Mairton Marques Carneiro, do Tribunal de Justiça do Estado (TJE), fez duras críticas a Gilberto e as Câmaras Criminais Reunidas rejeitaram a ação. O próprio MP-PA, aliás, já sob a direção do novo PGJ, César Mattar, pediu ao TJE essa rejeição. Gilberto nem mesmo teria tomado o depoimento da promotora.

Toda essa história espantosa foi relatada pelo DIÁRIO, em reportagem do último 8 de agosto. E foi com base nela que um promotor apresentou denúncia contra Gilberto a assessoria da Corregedoria do MP-PA. Em 12 de agosto, o assunto foi encaminhado ao Corregedor-Geral, Manoel Santino Nascimento Junior, sugerindo que o caso fosse “autuado” (registrado) como uma Reclamação Disciplinar (RD), para a coleta de informações. Segundo fontes, a RD se encontra sob sigilo e o xis da questão seria se Gilberto cometeu a infração disciplinar ao desrespeitar a Súmula do STF.

Ele ajuizou a ação com base no artigo 1, inciso I, da Lei 8.137/90, que classifica como crime contra a ordem tributária a omissão de informações, ou declarações falsas às autoridades fazendárias, para suprimir tributos, contribuição social ou obrigações semelhantes.

Mas, como observou o desembargador Mairton Carneiro, esse crime é de “natureza material”: o que o caracteriza não é apenas a omissão de dados, mas a redução ou supressão do tributo a pagar, coisa que só existe realmente ao final do processo da Receita. O desembargador destacou que Gilberto “ignorou totalmente” a farta jurisprudência dos tribunais superiores (ou seja, o conjunto de decisões a respeito disso), ao ajuizar aquela ação, além de ignorar a “aplicação obrigatória” da Súmula 24.

Ele também ressaltou que os fatos mencionados na ação poderiam ter sido esclarecidos se Gilberto “tivesse tido mais prudência no exercício de seu mister”, dando oportunidade a que a promotora “prestasse as devidas informações ainda no âmbito administrativo, evitando-se o ajuizamento temerário desta demanda”.

No entanto, “diante dessa pressa, o ex-Procurador Geral de Justiça, Gilberto Valente Martins, preferiu expor um membro do Parquet (MP) de forma desnecessária no apagar das luzes de seu mandato, deixando de lado o apreço pela natureza dialética de investigações no atual cenário democrático, ficando visível que a proposta precipitada da presente denúncia induz ao cerceamento de defesa e ofende a garantia constitucional do devido processo legal”.

Mairton Carneiro salientou, ainda, as provas de que a Receita aceitou a impugnação apresentada pela promotora, “ou seja, o procedimento fiscal de impugnação está em andamento, não podendo o Judiciário antecipar o julgamento da esfera administrativa, dizendo se há ou não tributo sonegado”. O entendimento do desembargador foi semelhante ao do MP-PA, já sob a gestão de César Mattar. Por delegação dele, o promotor de Justiça Armando Brasil reexaminou o processo. Segundo ele, Gilberto afirmou na ação, “de forma equivocada”, que o processo administrativo já estava concluído, quando documentos da Receita informam o contrário. Devido à ausência de justa causa, Brasil pediu que que o TJE rejeitasse a ação. Para ele, qualquer processo iniciado antes da conclusão do processo administrativo será “arbitrário, ilegal e constrangedor”.

Algumas atitudes

No CNMP, que fiscaliza a atuação dos MPs de todo o Brasil, são dois os PADs contra Gilberto Martins, por decisão do corregedor nacional, Rinaldo Reis Lima, que já sugeriu que ele seja punido com três sanções de censura. Mas advogados ouvidos pelo DIÁRIO dizem que ele pode acabar também processado na esfera criminal, devido à gravidade das denúncias.

Os PADs tramitam sob sigilo. Por isso, no site do CNMP, não constam os nomes dos autores das Reclamações Disciplinares 1.00582/2021-57 e 1.00768/2021-60, que deram origem a eles. Também não aparece o nome de Gilberto: diz apenas que se trata de “um membro” do MP-PA. Mas o DIÁRIO obteve informações seguras de que o alvo das investigações é mesmo ele.

A acusação seria a de que Gilberto vazou à imprensa informações de processos judiciais que se encontravam sob segredo de Justiça e envolviam o Governo do Estado. Isso tudo ocorreu às vésperas das eleições municipais do ano passado.

Gilberto foi nomeado PGJ, por duas vezes, pelo ex-governador Simão Jatene, do PSDB, rival do MDB. A primeira nomeação ocorreu em março de 2017. Cinco meses depois, ele afastou o procurador Nelson Medrado das investigações do escândalo do Betocard: o abastecimento de viaturas da Polícia Militar em postos de gasolina de Beto Jatene, filho de Jatene, que teriam lucrado mais de R$ 5 milhões com a transação. Medrado havia denunciado pai e filho à Justiça, por improbidade administrativa.

A recondução de Gilberto ao cargo ocorreu no final de 2018, no apagar das luzes do governo de Jatene. Desde 2019 e até abril deste ano, quando terminou o seu segundo mandato, Gilberto travou uma guerra de acusações contra Helder Barbalho, o governador eleito, em 2018, pelo MDB. Uma postura oposta àquela que manteve durante todo o governo de Jatene.

Um exemplo é o Asfalto na Cidade, que teria lesado os cofres públicos em mais de R$ 1 bilhão. Outro, o “Dinheirinho” de Izabela Jatene, filha de Jatene: em um diálogo grampeado pela polícia, Izabela pediu ao então subsecretário de Receitas da Secretaria da Fazenda (Sefa), Nilo Noronha, a lista dos 300 maiores contribuintes do Pará, para “começar a buscar esse dinheirinho deles”.

Devido ao seu comportamento, Gilberto passou a ser visto por alguns, de dentro e de fora do MP-PA, como um PGJ que agia de maneira político-partidária. Os fatos que levaram à abertura desses PADs, no CNMP, seriam um exemplo disso. O vazamento desses processos contra o Governo era ilegal. Como isso foi feito às vesperas da eleição pode ter tido influência nos resultados do pleito.

Em abril último, pouco antes de deixar o cargo, Gilberto disparou várias ações judiciais contra Helder, um fato nunca visto por parte de um PGJ. Ele chegou a acusar o Governo de superfaturar as bombas de infusão adquiridas para o combate à pandemia, e que custaram R$ 5.250,00 cada uma. Mas nada disse sobre as bombas compradas a R$ 14 mil cada, pelo ex-secretário de Saúde de Belém, Sérgio Amorim, que estariam superfaturadas em 217%, segundo um Relatório do próprio MP-PA. Braço direito do ex-prefeito tucano Zenaldo Coutinho, Amorim é cunhado de Gilberto.

No site do CNMP, consta que ambas as Reclamações Disciplinares contra o tal “membro” do MP-PA foram examinadas pela auxiliar da Corregedoria, Jacqueline Orofino da Silva Zago Oliveira, que encontrou “elementos suficientes da existência e autoria de infração disciplinar”, por violação do dever funcional previsto no artigo 154, inciso 27, da Lei Orgânica do MP-PA: “zelar pelo respeito ao sigilo legalmente imposto a documento ou assunto que conheça em razão do cargo ou função”.

Os pareceres dela foram acolhidos na íntegra pelo corregedor nacional, Rinaldo Reis Lima, que determinou a instauração dos PADs “ad referendum” (sujeita à aprovação posterior) do Plenário do CNMP. O exame pelo Plenário está marcado para esta segunda-feira, 18. No site do CNMP consta que o tal “membro” do MP-PA teve oportunidade de se defender nos processos gerados pelas Reclamações Disciplinares, o que indica que as alegações que apresentou não convenceram a Corregedoria.

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