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DESEJO ANTIGO

O que é preciso para Belém ter ar-condicionado nos ônibus?

Não é de hoje que falamos e desejamos a implementação do ar-condicionado na frota da capital paraense, então o que tem impedido que esse desejo se torne realidade?

Imagem ilustrativa da notícia O que é preciso para Belém ter ar-condicionado nos ônibus? camera Muito se fala na melhoria do transporte público, mas poucos entendem a real dimensão e complexidade para tornar sua implementação possível | Elielson Modesto/Ascom Segup

“Belém ainda não está preparada para receber ônibus com ar-condicionado”. Essa é a fala dura, porém necessária, de Maisa Tobias, engenheira civil, professora da UFPA, doutora em Engenharia de Transportes pela Universidade de São Paulo (USP), com ênfase em Planejamento e Operações de Transportes, e ex-diretora superintendente da Superintendência de Mobilidade Urbana de Belém (Semob).

“Dura” porque não é o que muitos belenenses gostariam de ler e “necessária” porque muito se fala em melhoria no transporte público, mas pouco se entende sobre a real dimensão e sua complexidade, desde o planejamento até a implementação - e como essa tarefa não pode ser realizada por uma andorinha só.

Especialista alerta para a importância de aprender com o passado para tornar o futuro possível
📷 Especialista alerta para a importância de aprender com o passado para tornar o futuro possível |Alex Ribeiro/ Agência Pará

Uma volta ao passado

Para entender o problema que há pela frente, é preciso primeiro viajar ao passado. Mais especificamente para 22 de maio de 2017.

Duas semanas antes, um projeto de inserção do ar-condicionado nos ônibus de Belém havia sido rejeitado por 31 vereadores na Câmara Municipal porque não existia um estudo técnico ou de impacto na tarifa. Em 22 de maio, então, foi criada uma comissão para analisar os impactos e a viabilidade deste estudo. A primeira audiência pública, entretanto, ocorreu apenas em 16 de janeiro de 2018, com a apresentação de um projeto básico feito pelo engenheiro George Lavor Teixeira, da empresa EGL Engenharia, de Brasília (DF).

Aquele projeto iria subsidiar a concorrência pública para a concessão do Novo Sistema de Transporte Coletivo de Belém. A expectativa era que no mês seguinte já fosse realizada uma licitação para a regularização da situação contratual do setor. Como resultado, teria melhoria das condições das viagens com otimização dos serviços e a sua modernização por meio de uma bilhetagem eletrônica integrada.

Dez audiências públicas depois e estamos em 30 de setembro de 2019. Ela seria, segundo a Prefeitura, a última antes da licitação que estava prevista para janeiro de 2020. Foram discutidos com a sociedade a consolidação do projeto básico que subsidiaria a concorrência pública e nele estavam inseridos:

I - tempo de contrato de, no mínimo, 6 anos, com possibilidade de renovação por igual período;

II - integração de alguns serviços com bilhete único;

III - transição gradual das linhas de ônibus; eliminação ou fusão de linhas sobrepostas;

IV - implantação gradativa de frota de veículos equipados com ar condicionado;

V - criação de linhas locais que terão a função de alimentação do BRT.

Foi aberto o prazo de 1º a 30 de outubro de 2019 para o recebimento de ideias, ponderações e sugestões da população. Encerrado, novos trâmites seriam seguidos até janeiro de 2020, quando seria publicado o edital de licitação.

Primeira pauta do transporte público foi oficialmente discutida em maio de 2017
📷 Primeira pauta do transporte público foi oficialmente discutida em maio de 2017 |Alex Ribeiro/Agência Pará

Com o avanço da pandemia da Covid-19, todos esses trâmites e o projeto base ficaram adormecidos até que o assunto da renovação da frota voltou a ser pauta em 27 de março de 2022, quando foi anunciado que seria aberto um edital de licitação para a modernização desses veículos na cidade das mangueiras.

Esse projeto seria o mesmo discutido nos anos anteriores e que foi submetido a 11 audiências públicas? Segundo a Prefeitura de Belém, não. Deixando de lado os cinco anos de trabalho e tratativas, a gestão municipal informou que se trata de um novo edital, que passou por reanálises.

O novo edital de licitação para a operação do serviço de transporte coletivo por ônibus é fruto de um processo que envolveu estudos e reanálises empreendidos pela atual gestão da Prefeitura de Belém, em conjunto com o Poder Público.

Perguntamos à Prefeitura quais mudanças foram feitas nesse novo edital em comparação com o estudo feito pelo engenheiro George Lavor Teixeira, da EGL Engenharia e se, entre as mudanças, existia alguma que na época era viável, mas que no atual contexto não caberia; o questionamento não foi respondido.

Por nota, a Semob se limitou a falar sobre a consulta pública online, que está disponível até dia 25 junho e que, por meio dessa nova licitação, busca sustentabilidade e tarifas de remuneração justas.

A Semob busca com a licitação a sustentabilidade a longo prazo do setor, com tarifas de remuneração justas, públicas, compatíveis e com integração tarifária dos serviços. A licitação vai permitir a regularização da situação contratual do setor, melhorar as condições das viagens, otimizar, racionalizar e elevar o nível do serviço ofertado na rede de transporte do município. Vai modernizar a estrutura de gestão do setor, por meio de contratos de concessão, adoção de tecnologias gerenciais, auditoria e transparência.

A data para a abertura do edital de licitação, entretanto, continuava indefinida. “Continuava”, no passado, pois agora o caso se tornou assunto da esfera judicial. No começo de junho, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA) deferiu o pedido do Ministério Público do Pará (MPPA) e determinou que a prefeitura divulgue o edital de licitação em até 60 dias.

Na ação, o MPPA ressaltou a necessidade de abertura do processo, afirmando que os problemas no transporte público da capital paraense são resultado, em grande parte, justamente da falta de licitação. Ao acatar o pedido, a Justiça determinou que o novo edital siga as recomendações do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará, sob pena de multa diária de R$ 10 mil, além de outras possíveis medidas, em caso de descumprimento.

Também procurado pelo DOL, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belém (Setransbel) comentou sobre a participação que teve durante as tratativas do primeiro estudo desde 2017 e se as propostas apresentadas na época foram acolhidas.

O Setransbel esclareceu que participou de todas as audiências públicas realizadas e que aguarda a publicação do edital para analisar os itens do certame. A respeito do posicionamento da categoria em relação ao novo edital de licitação, foram claros:

O Setransbel informa que é favorável ao processo licitatório, com ampla discussão entre as partes envolvidas: usuários, poder concedente, entidades da sociedade envolvidas no tema da mobilidade. A entidade entende que etapas do certame devem contemplar requisitos legais e técnicos indispensáveis ao correto desenvolvimento do processo. Por conseguinte, as regras devem ser claras e transparentes para que não haja desequilíbrio econômico financeiro no cumprimento do prazo contratual pelas concessionárias vencedoras.

Recentemente, o Ministério Público determinou que a Prefeitura de Belém divulgue o edital de licitação em até 60 dias
📷 Recentemente, o Ministério Público determinou que a Prefeitura de Belém divulgue o edital de licitação em até 60 dias |Alex Ribeiro/Agência Pará

Há um cenário ideal?

Em entrevista ao DOL, Maisa Tobias enfatizou sobre a urgência em se estabelecer uma comunicação efetiva entre os agentes de interesse como primeiro passo. Afinal, para um projeto tão importante, a participação da sociedade civil e, principalmente, do poder público deve ser uma constante. Também é preciso ser realista: querer nem sempre é poder.

— Quem não quer ar-condicionado? Todo mundo quer. Em uma capital como Belém isso é necessário, mas uma coisa é querer outra coisa é poder. O sistema de transporte que está em vigor atualmente não é viável em Belém. Para funcionar um sistema de transporte adequado é preciso investimento: capital, mão-de-obra, sistema operacional e, principalmente, frota. De onde vai sair esse dinheiro? Quem vai pagar essa conta?

Quando foi concedido o reajuste para R$ 4 da tarifa do transporte público em Belém, foi anunciado que já estava em votação pelo Congresso Nacional um subsídio para esse projeto. “Esse seria o recurso que vai arcar com os custos dessas mudanças?”, perguntamos à Prefeitura, que se limitou a responder apenas que tem como objetivo estabelecer “tarifas de remuneração justas, públicas, compatíveis e com integração tarifária dos serviços”.

— É preciso ter uma empresa consolidada para assumir um sistema operacional. O que não pode acontecer é uma licitação apenas de troca de empresas. É preciso que sejam identificados os responsáveis, por exemplo, das operações dos terminais de integração, da capacitação da mão-de-obra, do sistema de bilhetagem dos passageiros, da coleta de dados, etc — argumentou Tobias ao ser solicitada para pincelar um cenário ideal para a implementação do transporte público em Belém, tendo em vista a integração de um Bus Rapid Transit (BRT), o sistema de bilhetagem, a renovação da frota e a instalação do ar-condicionado.

Nesse mundo perfeito, a implementação levaria ao todo três anos, sendo divididos em: um ano para discutir a papelada, treinamento de pessoal, captação de dados e informações para a estruturação do sistema. Mais um ano para o processo licitatório que, geralmente, costuma levar 120 dias, sem considerar aqui possíveis embargos e, por fim, mais um ano para a implementação do projeto na cidade.

— Quando se fala em renovação de frota, é preciso considerar também o custo e o tempo para a troca desses veículos — A doutora ressaltou também que veículos novos como esses do BRT são encomendados. Um sozinho chega a custar mais de R$ 1 milhão, em uma estimativa geral. Além desse montante, deve-se tomar como nota o tempo até que ele seja construído. A contar do momento em que é feita a solicitação, o prazo é de 90 dias.

Cidade de Marabá, no sudeste paraense, foi a primeira do Estado a modernizar a frota com ar-condicionado
📷 Cidade de Marabá, no sudeste paraense, foi a primeira do Estado a modernizar a frota com ar-condicionado |Prefeitura de Marabá

A primeira cidade do Pará com ar-condicionado nos ônibus

Se em Belém a situação da refrigeração parece travada, sem grandes perspectivas de realização em um futuro próximo, no sudeste do Estado a situação é diferente. Marabá foi a primeira cidade do Pará a implementar o ar-condicionado na sua frota. Um trabalho que começou de forma tímida e recente: 16 de março de 2022. Os estudos para a viabilidade desse projeto foram iniciados em 2019.

A primeira audiência foi realizada em 30 de janeiro de 2020, quando a proposta foi apresentada para a comunidade e vereadores. Em maio daquele ano, foi feita a licitação. A Integração Transportes foi a vencedora, mas a pandemia da Covid-19 acabou freando o processo e a empresa foi obrigada a operar de forma reduzida.

— No estudo foi apontado que para atender Marabá o transporte público precisava de um Terminal de Integração, sendo a frota de 77 ônibus, com 70 transitando e sete na reserva. Desses 77, 20% teriam com ar-condicionado. Passamos o ano de 2019 estudando, fazendo levantamentos e avaliando estudos de caso de outras cidades. Marabá está passando, depois da pandemia, por essa transformação no transporte público — explicou Jair Guimarães, secretário de Segurança Institucional de Marabá.

Nesse primeiro momento, apenas oito veículos da empresa vencedora da licitação circulam com ar-condicionado em seus interiores, mas a expectativa é aumentar para 35. A passagem custa R$ 3,74 e os usuários também têm à disposição, além da meia-passagem e gratuidades, a integração de linhas e a rota universitária (a princípio apenas para a Unifesspa), em que estudantes pagam apenas uma passagem para ter acesso a qualquer um dos três campus da instituição.

Em um cenário ideal, renovação da frota e implementação de ar-condicionado em Belém levaria, ao todo, três anos
📷 Em um cenário ideal, renovação da frota e implementação de ar-condicionado em Belém levaria, ao todo, três anos |Elielson Modesto/Ascom Segup

Aprendendo com o passado

Marabá estudou, planejou e implementou o projeto após avaliar pós e contras. Diálogos não faltaram e todos os setores responsáveis participaram. No caso da secretaria na qual Jair está à frente, o setor de trânsito também faz parte. Ao fim, todos chegaram a um denominador comum: modernização do transporte era possível, mesmo sem nenhum outro caso similar na região.

Mas se em Marabá foi possível, por que em Belém a situação é tão complicada? Maisa é cirúrgica em sua avaliação no que diz respeito à “pedra no sapato” sobre o transporte público da capital:

— O que faltou foi coordenação geral. Um multi-órgão que envolvesse a participação do poder público privado, municipal e estadual para que pudesse assumir, de fato, a construção de um sistema operacional adequado que viabilizasse o projeto ideal na capital paraense. As discussões desse projeto deveriam ter o envolvimento de, pelo menos, 30 a 40 órgãos para a coisa andar junto. Para você ter uma ideia, em outras cidades (Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo) existia um órgão institucional que assumia o sistema, que estava à frente em conjunto com os demais. Enquanto não tiver isso, enquanto tudo o que for feito ficar apenas entre poucos, a gente vai continuar remando contra a maré.

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Reportagem: Fernanda Palheta

Edição: Gustavo Dutra

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