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INOVAÇÃO NO PARÁ

Secretaria dos Povos Originários atende demandas históricas

Indígenas dizem que a nova estrutura de atendimento às demandas das comunidades pode ter papel fundamental para melhorar as condições de educação e defesa territorial das populações no Estado

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Imagem ilustrativa da notícia Secretaria dos Povos Originários atende demandas históricas camera Em 2019, o governador Helder Barbalho criou o Conselho Estadual de Política Indigenista, dentro da Sejudh | Marco Santos /Agência Pará

Desde o anúncio, feito há uma semana, de que o Pará terá uma Secretaria de Estado exclusivamente voltada ao atendimento das demandas dos povos originários, frentes de defesa dos indígenas e outras entidades relacionadas estão na expectativa de saber mais detalhes da criação da pasta inédita e também pela possibilidade de ter alguma participação direta ou indireta em toda essa tramitação.

De acordo com a Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), a iniciativa do governo estadual vem atender a um dos anseios mais antigos das comunidades indígenas. “A gente recebe com muita felicidade, clareza, mas também com muita responsabilidade. Porque esse papel não pode ser apenas do governo, é uma responsabilidade conjunta. Tem de ser assertiva, tem de dar certo e para isso os indígenas devem pegar na mão do Estado e vice-versa, caminhar juntos com um objetivo alinhado. Se der certo, é bom para todos, o Estado ganha visibilidade. Estamos preparados para construir um Pará também com a nossa cara”, afirma sua presidente, a ativista Puyr Tembé.

Vale lembrar que, ainda em 2019 e já na gestão Helder Barbalho (MDB), foi fundado o Conselho Estadual de Política Indigenista (Consepi), vinculada a Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), justamente para manter aberto um canal de diálogo entre os dois lados para a elaboração de políticas públicas. Coordenadora do Núcleo de Formação Indígena da Universidade do Estado do Pará (Uepa), instituição pioneira na oferta de cursos de graduação específicos para estudantes indígenas, a professora Joelma Alencar vê a criação da pasta como uma vitória.

“É uma vitória do movimento indígena, que tem lutado nesses mais de 500 anos pela vida e por um mundo melhor, vendo muitas atrocidades cometidas contra suas famílias, contra seus territórios, e mesmo assim conseguindo resistir. Depois do Consepi, agora teremos um espaço de contribuição e cuidado específico, que poderá se articular com outros órgãos para o atendimento das várias demandas apresentadas pelos povos indígenas aqui no Pará. Um órgão deliberativo e não apenas consultivo, que faz parte do organograma da Administração Direta”, comemora. “Apesar de ser uma necessidade antiga, penso que neste momento, com o cenário político mais favorável do que antes, essa pasta terá melhores condições de avançar nas políticas públicas indigenistas”, complementa Joelma.

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Ainda que não tenha recebido detalhamentos sobre quando será oficialmente criada a Secretaria ou como funcionará, a coordenação da Federação garante já estar à disposição para participar de todo e qualquer movimento relacionado ao que promete ser um marco para as comunidades originárias no Pará. “Se tivermos participação, queremos e precisamos contribuir. Acho que a Fepipa é um instrumento fundamental para esse processo de diálogo. Não dá mais para construir qualquer cenário ou política pública sem os povos indígenas”, reforça Puyr.

Puyr Tembé diz que responsabilidade pelas comunidades indígenas deve ser conjunta
📷 Puyr Tembé diz que responsabilidade pelas comunidades indígenas deve ser conjunta |Ricardo Amanajás

Perguntada pela reportagem sobre as demandas que pedem urgência à futura Secretaria de Estado dos Povos Originários, a ativista cita a a educação escolar como um todo. “Temos a própria Uepa tratando das formações e licenciaturas indígenas, muitos alunos nossos se formando, e precisamos seguir qualificando. Precisamos ainda levar políticas públicas de saúde, de segurança territorial, ambiental. O Pará deve somar forças com o governo federal, dar um basta nessa mineração que corre há milhares de anos nas terras e nas almas dos povos indígenas”, sugere. “É decadente ver os Munduruku, os Caiapó, passando por todo impacto ambiental e social nos territórios, é preciso ajudar a desintrusão das terras, o Estado tem o dever de ajudar e assumir esse papel”, avalia.

A Uepa também já se antecipa e informa que não hesitará em participar e contribuir para que a pasta de fato cumpra sua função de forma a melhor atender seu público-alvo. “Fomos a primeira instituição no Pará a ofertar um curso de formação superior específico para indígenas, aprovamos a cota para indígenas nos vestibulares da Universidade, dentre outras medidas, então nós temos essa expertise, temos algum conhecimento das realidades dessas comunidades, das situações que vivem em um cotidiano bastante problemático que acompanhamos durante as formações”, relata Joelma Alencar.

Ela já elencaria, como demanda emergencial da nova Secretaria, uma gestão territorial de proteção e regularização das terras. “Não há como os indígenas realizarem ações, por exemplo, de auto sustentabilidade, educativas, culturais sobressaltados e fragilizados pelas ameaças das invasões e apropriação indevida dos seus territórios”, justifica, em seguida listando as práticas educativas e suas consequências.

Entenda o anúncio

No último dia 22, o governador Helder Barbalho anunciou em publicação nas redes sociais, junto de uma nota em solidariedade ao povo da Terra Yanomami, em Roraima, que estão enfrentando uma crise humanitária sem precedentes muito em função da omissão do governo Bolsonaro, e disse que criará a Secretaria de Povos Originários do Pará com um titular indígena no cargo de secretário.

O recente relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), e com dados do ano de 2021, tem um capítulo apenas de situações relacionadas à omissão do poder público. E segundo esse levantamento, foram 34 casos de desassistência geral em todo o país naquele ano, sendo três aqui no estado.

“No Pará, os Tembé da TI Alto Rio Guamá convivem com invasões e até com um depósito de lixo da prefeitura municipal de Garrafão do Norte dentro do território. O lixão irregular tem provocado problemas ambientais e danos à saúde da comunidade indígena. O MPF recomendou à Prefeitura que paralisasse a operação do depósito; como a recomendação não foi atendida, o MPF solicitou à Justiça Federal que o município seja obrigado a elaborar um plano para retirar o lixo da terra indígena”, detalha um trecho da publicação.

Na área da Educação, foram dois casos de desassistência no Pará, um em Paragominas, na TI Alto Rio Guamá, envolvendo mais de um povo, e em São Félix do Xingu, atingindo oito povos. Os problemas incluem evasão escolar, merenda de baixa qualidade e falta de material escolar, bem como o desrespeito à cultura e linguagem indígenas no processo educacional.

O cenário é ainda pior na Saúde, foram oito casos envolvendo desde chuva de veneno em Capitão Poço, inclusive matando um jovem indígena, a contaminação dos rios por mercúrio em Jacareacanga, falta de vacinas, etc. As análises incluem ainda denúncias ignoradas sobre disseminação de bebidas alcoólicas e outras drogas.

Educação com respeito à cultura e gestão do território é urgente

“As demandas da educação também são muito necessárias, porque juntamente com as demandas de saúde, que muitas vezes perpassam questões socioculturais, são importantes no desenvolvimento da conscientização ambiental. É preciso a gente trabalhar com as crianças, com jovens, para que essas futuras gerações possam também dar essa continuidade em busca do bem viver indígena, de projetos voltados para sustentabilidade e o fortalecimento linguístico cultural do seu povo”, explica Joelma.

Assim como a crise humanitária que condena os Yanomami em Roraima tem a ver com as consequências negativas do garimpo em terras indígenas, os impactos negativos das atividades da agropecuária - ambas potencializadas no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que deixou o cargo em 31 de dezembro passado - também fazem sofrer os povos indígenas no Pará. “A exploração dos recursos ambientais também resulta em problemas de violência social, segurança alimentar e sérios problemas sanitários. Povos do sul e sudeste do Pará e do médio Xingu amargam a implantação das hidrelétricas, se encontram desprotegidos, em situação de fome, de miséria, em processos gravíssimos de alcoolização e também em condições bem preocupantes de saúde”, lamenta a coordenadora do Núcleo de Formação Indígena da Uepa.

DIMINUIÇÃO DE RISCOS

Com uma pasta para nortear, direcionar e criar todas as diretrizes da política indigenista, e mais o Consepi, Puyr Tembé vê o Pará tendo a capacidade de seguir uma diretriz que já está em implementação pelo governo federal, com o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas, conduzido por Sônia Guajajara, primeira deputada federal indígena eleita pelo estado de São Paulo e primeira indígena à frente de um ministério.

“A gente está disposto a construir essa história, se pudermos estar dentro. Os Yanomami estão próximos, é um caso gravíssimo, mas aqui mais perto ainda temos os povos Parakanã, em Novo Repartimento, de recente contato e com 900 habitantes vivendo na extrema vulnerabilidade por conta de grilagem nas terras deles, ilícitos que rondam e falta de políticas públicas. Se nós não acordamos para o que aconteceu com os Yanomami, nós vamos assistir esse mesmo cenário aqui no Pará. Tudo o que não queremos”, alerta a presidente da Fepipa.

“A própria questão dos Munduruku no oeste do Pará, e do Caiapó, tanto quem vive na fronteira do Mato Grosso como quem vive aqui na região de Redenção, São Félix do Xingu, Cumaru do Norte, Ourilândia, região muito delicada que precisa de atenção total pelo descaso de anos. Precisamos ajudar o governo federal a cuidar disso. Essa pasta deveria ter acontecido há muitos anos, e é preciso que a gente consiga dar vida para esse órgão, vida financeira, vida de recursos humanos. Não podemos esquecer que nesse processo tivemos pandemia que atropelou o funcionamento do Consepi, então são mais desafios que cambam na Secretaria. O sonho só será realizado se tivermos autonomia, construída com povos indígenas, sociedade civil que quer diálogo de construção. Não dá para ser instrumento sem eles”, finaliza Puyr Tembé.

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