As primeiras feiras livres de Belém surgiram no contexto histórico e social da exploração econômica da borracha na Amazônia, e isso ocorreu pela necessidade de abastecimento à cidade, acompanhando o intenso ritmo do crescimento populacional na capital.

Hoje, conforme dados da Secretaria Municipal de Economia (Secon), existem 32 feiras e 17 mercados municipais em Belém, com cerca de 4.899 permissionários cadastrados trabalhando. Mas esse número de trabalhadores pode triplicar, levando em consideração auxiliares, ajudantes e demais informais que também atuam nas unidades de abastecimento.

Seja em mercados municipais, nas feiras ou no entorno delas, além da comercialização, feirantes e comerciantes também estabelecem relações de amizade e confiança, que tecem a história de cada um deles, apesar da lida.

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PEDREIRA

Com as inovações tecnológicas e as relações cada vez mais imediatas, as formas de comercialização e aproximação com o cliente mudaram. No celular do morador da Pedreira e feirante Nildo Moreira, de 43 anos, o aplicativo de mensagens instantâneas vive cheio de pedidos de fregueses que, por motivo de trabalho ou locomoção, não conseguem ir até a banca do feirante para escolher as frutas a dedo. Mas isso não é problema, já que a clientela confia tanto na experiência de Nildo, que a seleção dos produtos fica por conta da casa. Antes de trabalhar no mercado, as calçadas do entorno da feira eram seu local de trabalho, e desde lá, sua marca registrada já era a exigência com a qualidade dos produtos e a vontade de dar o melhor sempre.

“Tem cliente que chega aqui e não sabe escolher, não tem esse tato. Então, a maioria pede para que eu faça essa escolha e procuro ser honesto com o meu serviço, é assim que a gente ganha e fideliza a clientela. Tem também os que não podem vir até aqui. A maioria é de idosos, aí mandam a lista das frutas que desejam e encaminho fotos dos produtos também”, contou. Mas Nildo não só ensina como também aprende com todos que por ali passam. “É a melhor coisa do ofício, cada dia aprendo alguma coisa diferente, isso para mim é felicidade”, destaca.

As frutas vendidas na banca são adquiridas todas na feira da Ceasa e, segundo ele, a relação com os fornecedores é importante para o trabalho. “Costumo dizer que a minha relação com os fornecedores é a mesma relação que você pode ter com a manicure que faz suas unhas e a cabeleireira que cuida e corta o seu cabelo, aquele profissional já sabe o jeito que você gosta do serviço, por isso tem sua confiança”.

Outro feirante simpático e exigente do bairro é Odirlei da Silva, 43. Segundo ele, desde os 12 anos trabalha no ramo, já que seu pai também era feirante. Na época, enquanto o pai buscava as frutas para a revenda, Odirlei cuidava da banca e fazia as negociações. Hoje, ele faz duas rotas para aquisição das frutas comercializadas. “Na Ceasa, a gente vai para comprar as frutas que são de fora, que não tem na região. No Ver-o-Peso, a gente adquire as regionais, que vêm dos municípios próximos de Belém, todos escolhidos a dedo”, ressaltou.

Para quem trabalha há 30 anos com a venda de frutas na feira do bairro, as habilidades para escolher o melhor produto são bem simples. “Para não sair no prejuízo, nem vender frutas ‘mais ou menos’ aos fregueses, costumo pegar mercadorias com maior durabilidade. Por exemplo, a banana tem que ser mais verde, não pode ser muito madura, porque é rápido que estraga. A gente paga um pouco mais caro por isso, mas vale”, comentou.

Entre os trabalhadores informais, o maranhense Jodedson Foicinho, 46, ganha a vida nas andanças pelo bairro do Marco e parte da Pedreira com seu carrinho de frutas sortidas. Na primeira vez que veio à capital, o autônomo tinha apenas 12 anos de idade. Quando retornou, aos 18 anos, constituiu família e fez a vida por aqui em Belém.

Hoje, com a ajuda da filha Gabriela, 21, os dois saem às 7h30 de casa para trilharem a rota das encomendas. É que Jodedson já tem fregueses fiéis e entrega nas residências os pedidos realizados. Com a renda do ofício, ele sustenta toda a família. “Já trabalhei de carteira assinada mas o salário não compensa. Com o dinheiro daqui, dá para sustentar a família, bem melhor. Mas, trabalhar com vendas é assim, tem dias que vai bem, outros que não. Mas ter uma clientela fiel já ajuda muito”, disse.

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VER-O-PESO

Segundo dados da Secon, em todo o Complexo do Ver-o-Peso, existem 1.193 permissionários distribuídos na Feira do Açaí, Mercado de Carne Francisco Bolonha, Mercado de Ferro (Peixe), Pedra do Peixe e Feira do Ver-o-Peso.

Mas, se contarmos com os demais ajudantes e ambulantes da área, esse número pode dobrar. Ou seja, 2.400 pessoas atuam formalmente e informalmente no Complexo do Ver-o-Peso, ainda conforme informações da Secon.

Dentre esses números, existem pessoas com histórias como a do vendedor de frutas Cláudio Moraes Maia, 70, que já trabalha com vendas há 60 anos. De família humilde, ele conta que desde os 10 anos já trabalhava com um carrinho vendendo os mais variados tipos de produtos e não tinha um ponto fixo. “A gente se mudava muito, então, para cada canto que eu me mudava, começava a vender alguma coisa nas ruas dos bairros. Onde desse certo, eu ia vendendo”.

Conhecido como ‘Louro do Abacaxi’ pelos mototáxis e demais ambulantes do Ver-o-Peso, Cláudio revela que recebeu o apelido na época em que vendia abacaxi gelado. Até hoje, os clientes passam pelo ponto e perguntam sobre a iguaria. “Eu vendia quando estava na época, agora não está, aí os clientes passam aqui e querem, mas ainda não dá, tudo tem seu tempo”, brinca.

Morador do bairro da Terra Firme, o vendedor afirma que o movimento na feira do Ver-o-Peso é melhor para garantir as vendas. Segundo ele, o segredo para a comercialização das frutas é a simpatia e conversa com o cliente. “As vendas estão devagar, mas é assim mesmo, aí o cliente para e a gente dá atenção, tenta fazer uma promoção. O segredo é manter a simpatia, mesmo em dias não tão bons”, pontuou.

Assim como o ‘Louro do Abacaxi’, Edna Cardoso, 52, trabalha informalmente no Mercado do Ver-o-Peso. Os pais de Edna eram feirantes e, assim como tantos outros trabalhadores da área, começou a trabalhar desde a infância, sempre ajudando os pais. Aos 14 anos, Edna se mudou para Salinas e só retornou à capital em 2022, o que a fez voltar com as vendas de frutas regionais na calçada da maior feira livre da América Latina. “Meu pai vendia peixe, mas aí ganhou uma banca aqui na feira e começou a vender frutas. Depois que voltei, passei a vender frutas também. Agora, tem até tira-gosto de pupunha para quem quiser comprovar a qualidade dos produtos que a gente vende”, destacou.

Apesar da alegria e do sorriso largo, Edna confessa que o que ganha com as vendas não dá para sustentar a casa, onde ela mora com o marido. “É mais uma forma de complementar a renda mesmo, ajudar o meu marido nas contas de casa”. De qualquer forma, ela conta que o trabalho a faz feliz e que não tem como ficar triste trabalhando na feira. “É tanta história que a gente ouve, tanta risada que a gente dá, não tem como ficar triste não. É sorriso no rosto para atrair a clientela e vamos em frente”.

Vendedores de frutas em uma das feiras da capital paraense. Foto: Irene Almeida/Diário do Pará

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