“Para andar nas ruas, a gente tem dificuldade. Muitas vezes, penso que estou colocando a bengala no asfalto, mas na verdade está entrando dentro do esgoto, que são abertos. Fico em dúvida e tenho que esperar alguém passar para pedir ajuda para poder atravessar. De ponta a ponta, a dificuldade é grande. Feche os olhos ou coloque uma venda preta, venha andando com uma varinha e veja se você vai conseguir”. Este é o relato das dificuldades vivenciadas pelo ex-fotógrafo Moizanier Rodrigues, 54, que perdeu totalmente a visão em um acidente de trabalho, há 22 anos.
À época, Moizanier passava pelo período de experiência em uma empresa, onde exercia uma função braçal e acabou ficando cego durante a atividade. Assim como ele, muitos belenenses que possuem algum tipo de deficiência física, visual, ou até mesmo idosos com mobilidade reduzida, mulheres grávidas e pessoas obesas enfrentam inúmeras dificuldades diante da falta de acessibilidade para se locomover pela cidade, nos bairros e até nas ruas onde moram. Além das dificuldades de mobilidade urbana, as pessoas com deficiência também sofrem com o preconceito, conforme ressaltou Moizanier.
“Estou lutando para me aposentar e ainda não consegui. Estava há quatro meses na empresa quando aconteceu e não tinha a carteira assinada”, disse ele, que vive somente com um auxílio. “As calçadas não são padronizadas. Era para ter um bom senso para a gente poder ir e vir. As casas com garagem eram para ser baixas, mas com rampas para a gente poder subir e descer. Os ônibus são o seguinte: fico na parada, espero alguém me avisar qual ônibus vem, aí me coloca na porta do ônibus e subo. Era para os ônibus terem um dispositivo que quando parasse, avisasse ‘carro tal’. A tecnologia está bem avançada, então era para ter um sistema assim. Quando a gente entra em locais, somos mal recebidos, porque existe o preconceito”, lamenta.
INACESSÍVEL
Apesar das diversas leis sancionadas no país em favor das pessoas com deficiência, na prática, não existe promoção da acessibilidade em cidades como Belém. É o que afirma a fundadora da Associação Paraense da Pessoa com Deficiência (APPD), diretora de comunicação da entidade e defensora pública, Regina Barata. “Estou há 42 anos na APPD falando de acesso. Hoje nós já deveríamos estar com o conceito de uma sociedade completamente inclusiva. Mas ainda estamos na falta da acessibilidade, porque acesso é tu ter direito, agora tu acessar é executar o direito. Ainda estamos no primitivismo, porque além de termos uma cidade inacessível e inadequada, a própria cultura vem e acaba com o nosso processo inicial”, pontua.
Regina cita como exemplo a vila onde está localizada a sede da entidade. A pedido da APPD, foi instalado o piso tátil para facilitar o acesso de deficientes visuais. Contudo, além da falta de manutenção, houve várias intervenções na área. “Isso cria complicações na questão cultural, porque fizemos a calçada há 20 anos e hoje essa pessoa tem 60 anos. Com certeza, tem dificuldade de locomoção”, declara.
Para Regina, o tema acessibilidade é universal e precisa ser discutido de forma urgente, sobretudo, ouvindo as pessoas que vivenciam essas dificuldades no dia a dia. “Acessibilidade não é uma pauta da pessoa com deficiência. É uma pauta da cidade, porque tem pessoas com deficiência, pessoas obesas, idosos, mulheres grávidas, todos que enfrentam qualquer problema de acesso à mobilidade da cidade. É uma pauta atrasada e agora eu penso que é o momento do despertar com a COP, que ao invés de tratar da Amazônia, necessita falar dos amazônidas. É uma pauta do cotidiano, porque não somos incluídos nos cinemas, nos shoppings, nos shows. Portanto, tem que ser pensado em todos que habitam (a cidade)”, assinala.
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