A chegada dos portugueses à Amazônia, ainda no século 17, resultou na ocupação do território com fins de exploração colonial e de defesa da região que já despertava interesse de outros países que ameaçavam o domínio português.
Naturalmente, este processo de ocupação enfrentou resistência por parte dos povos indígenas que já viviam no que hoje conhecemos como Belém, resistência essa que deu origem à formação de territórios que até hoje estão presentes na cidade, como é o caso da área acessada a partir da popularmente conhecida Estrada da Ceasa.
O doutor em história social e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Amilson Pinheiro, explica que durante este processo de colonização do século 17, a principal mão de obra usada pelos portugueses era a escrava e indígena, que buscou se afastar do ponto de maior concentração dessa ocupação da cidade como uma forma de se proteger contra tal exploração.
“Nesse processo de ocupação desse núcleo de Belém e áreas próximas, muitos indígenas vão tentar resistir, fugir dessa exploração de sua mão de obra e da escravização e vão se afastar desse núcleo inicial e ocupar outras áreas. É nesse sentido que nasce essa região onde hoje é o Rio Guamá e que ficou conhecido no início do século 17 como um território Murutucu. Essa região que nasceu dessa questão de ser um lugar de refúgio e resistência indígena a essa colonização portuguesa”.
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Refugiados na região que até então era muito afastada do núcleo inicial de formação da cidade, as populações indígenas ainda tiveram que vivenciar a chegada ao território das chamadas missões religiosas que, durante o processo de colonização, vinham com o objetivo de promover a evangelização e a catequização.
“No início do século 18, exatamente em 1711, a Missão Religiosa dos Frades Carmelitas chega a essa região que era ocupada já por esses indígenas que resistiram. Essa missão religiosa dos Carmelitas vai construir uma capela, a Capela de Nossa Senhora da Conceição nessa região. É essa capela que é a origem das atuais ruínas do Engenho do Murutucu que a gente ainda consegue ver hoje”.
Em outro momento, aproximadamente a partir de 1776, outro fato importante envolve a história da área do Murutucu, a chegada do arquiteto italiano Antônio Landi, que teve uma importância muito grande no processo de urbanização de Belém.
“Nessa época da segunda metade do século 18 ele vai chegar nessa região e vai estabelecer uma relação de proximidade, ele gosta dessa região e faz uma série de reformas nessa construção arquitetônica que havia lá. E ele vai fazer, inclusive, a reforma da capela, dando características muito particulares ao estilo arquitetônico e artístico que ele imprimia nas suas obras, como elementos neoclássicos”, explica Amilson Pinheiro.
“Então, com o uso da mão de obra indígena escravizada, Antônio Landi faz uma reforma dessa capela e passa, inclusive, a morar nesse Engenho do Murutucu, tanto é que há vestígios, e o Augusto Meira Filho fala sobre isso no seu livro, de que é lá no Engenho do Murutucu que Landi vai viver e inclusive vai morrer, já no final do século 18”.
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Neste contexto, como havia a ocupação, primeiro, desse refúgio indígena e, depois, da missão religiosa dos Carmelitas e da transformação desse engenho e a reforma da capela pelo Landi, surge um ramal chamado de ramal do Murutucu.
“É esse ramal terrestre que vai dar origem à atual Rodovia Murutucu ou popularmente conhecida como Estrada da Ceasa. Então, a comunicação do engenho com a capital da província, principalmente na segunda metade do século 18, era realizada através do Rio Guamá e também por esse ramal”, explica. “Esse engenho e esse ramal levaram a uma atividade ali naquela região, por isso que se construiu o porto que a gente chama de Porto da Foz do Igarapé do Murutucu”.
CABANAGEM
O historiador Amilson Pinheiro explica, ainda, que outro momento histórico marca o processo de ocupação da área do Engenho do Murutucu, a Cabanagem. O professor explica que após a morte de Antônio Landi, ocorre um certo abandono do território do Engenho Murutucu, que só reaparece com uma grande importância para a história a partir de 1835, quando ocorre a Cabanagem.
“Quando começa a revolução Cabana, a Cabanagem, de uma certa maneira o Murutucu renasce como um território de resistência popular. A gente tem documentos e registros que falam de um lugar de resistência e que foi um núcleo de ocupação de forças revolucionárias indígenas, negras, tapuias, caboclas e ribeirinhas, que através de canoas e batelões se deslocavam do conflito de Belém até o acampamento desse território Murutucu”, relata.
“Então, o ataque a Belém se dava pelo Rio Guamá. Havia esse ‘quartel-general’ das forças revolucionárias da Cabanagem que foi o Engenho Murutucu e eles se deslocavam de lá para realizar ataques em Belém. Então, ele vai ter uma importância muito grande como um lugar de apoio e de articulação dessas forças revolucionárias cabanas ao longo do século 19”.
Estruturas
Seguindo a história do território, o Murutucu se destaca novamente quando são implantadas as estruturas que até hoje estão no local, como a área da hoje Embrapa e da Ceasa. “Esse território Murutucu vai aparecer novamente nos registros históricos já no século 20, a partir de 1940, quando aquela região vai ser ocupada e comprada pela estrutura do estado federal, na época era o Estado Novo, e vai ser criado um Instituto Agronômico Nacional. Vai ser um órgão federal ali no território e que a partir de então, principalmente a partir das décadas de 40, 50 e 60, vai começar a haver uma ocupação maior daquela região”, contextualiza.
“O grande marco para a Estrada da Ceasa e para que ela acabasse se conectando do ponto de vista urbano com Belém vai ser, de fato, a partir de 1975 quando o Governo Federal realiza uma concessão de terras para a construção da Central de Abastecimento, que a gente conhece popularmente como Ceasa, incluindo área do porto de desembarque, porto da Ceasa e que vai ocupar aquela região e transformar em uma região de abastecimento”.
É exatamente este o contexto conhecido pela comerciante Milena Lima, 46 anos, nascida e criada na via que hoje é conhecida como Estrada da Ceasa. “Na minha infância a maior parte da rua ainda era só floresta, depois tinha a área da Embrapa. Ainda não tinha o condomínio que tem agora. Melhorou muito aqui”, recorda. “Aqui é uma área de Belém que parece interior, um local que não tem muita baderna, é tranquilo, bom de morar”.
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