Em meio à intensidade da COP30, a Casa Niaré se tornou palco de um debate direto ao ponto: como estruturar contratos éticos que respeitem culturas, garantam segurança jurídica e destravem a sociobioeconomia da Amazônia. Promovido pela Amazon Investor Coalition (AIC), o painel “Contratos Éticos” reuniu lideranças indígenas, especialistas jurídicos e organizações de referência para compartilhar metodologias e experiências que já conectam comunidades e empresas em acordos mais equilibrados - do desenho à execução.
O que está em jogo
Na base das cadeias da sociobiodiversidade, assimetria de informação, insegurança territorial e relações de poder desiguais ainda marcam muitas negociações. O resultado costuma ser contratos frágeis, conflitos recorrentes e projetos que não se sustentam no tempo. O painel trouxe casos e ferramentas para virar esse jogo: negociação pré-contratual justa, cláusulas claras, monitoramento independente e métricas de integridade.
Vozes do território
Narayamat Suruí, do povo Pessoí (Cacoal, RO), afirmou que contratos justos começam por valorizar a cultura. “Estamos aqui para discutir contratos de trabalho que respeitem o nosso jeito de viver. Quando a empresa reconhece o valor do nosso conhecimento e da nossa cultura, todo mundo ganha”, disse.
Empreendedor “desde os 12 anos”, Narayamat apresentou o Centro de Medicina Tradicional Olawatawa, do povo Paiter Suruí, que coordena na aldeia, aliado ao etnoturismo, hospedagem e reflorestamento: “temos a Olawatawa - lugar de cuidar de mim, uma hospedagem na aldeia que recebe visitantes do município ao internacional. É trabalho digno, que inclui também reflorestamento e conexões reais. Contratos justos são ponte para que essa economia caminhe com respeito”, destacou
Do papel à prática: monitorar para garantir
Luiz Brasi Filho, gerente de Sociobioeconomia e da Rede Origens Brasil (Imaflora), levou a experiência de quase uma década conectando empresas e povos da floresta sob acordos verificáveis: “não é simples, mas é possível. Um dos caminhos é estabelecer contratos éticos com compromissos claros e sistematizados, para que depois possamos monitorar o que foi combinado. Isso dá garantia ao consumidor de que a parceria é justa e transparente - e ajuda a manter a floresta em pé.”
A abordagem da Origens Brasil combina regras de integridade, metas pactuadas e auditoria social, reconhecendo o protagonismo comunitário e a necessidade de previsibilidade para investimentos e compras institucionais de longo prazo.
A etapa que decide tudo: a negociação justa
Chefe de pesquisa jurídica da AIC, Yanê Amoras sublinhou que não existe contrato justo sem pré-contrato justo. “Negociação equilibrada e feita no território é condição de partida. Respeito à cultura, ao tempo e à governança local precisa aparecer tanto no processo quanto nas cláusulas. Só assim o contrato vira ferramenta de confiança - e não de imposição”, afirmou.
Yanê destacou a importância de cláusulas de salvaguardas culturais, direitos sobre conhecimentos tradicionais, distribuição justa de benefícios e mecanismos de solução de controvérsias próximos da realidade comunitária.
Metodologia para reduzir assimetrias
Aline Souza, sócia da SBSA Advogados, apresentou a metodologia Contratos Justos na Amazônia, construída com múltiplos parceiros para “tirar a teoria do papel”. “É um conjunto de ferramentas para relações muitas vezes assimétricas: checklists para a fase pré-contratual, modelos de cláusulas que protegem direitos coletivos e roteiros de governança para implementação. Nosso objetivo é simples e profundo: melhor vida para as pessoas e para o meio ambiente”, explicou.
A metodologia ajuda empresas e comunidades a dimensionar custos reais, riscos territoriais, deveres de transparência, direitos de uso de imagem e de saberes e planos de repartição de benefícios - reduzindo ruídos e litígios.
As discussões no painel reforçaram que o capital responsável começa antes da assinatura: na devida diligência territorial e na escuta estruturada. Durante as intervenções, os participantes lembraram que guias e cartilhas de investimento sustentável apontam a fase pré-contratual como determinante para evitar desalinhamentos de expectativa e capturar valor social e ecológico de forma mensurável.
Cinco aprendizados do painel
Contrato é processo, não só documento e começa na escuta, passa por protocolos comunitários e chega às cláusulas com tradução cultural. Clareza e monitoramento devem dar o tom, com metas, prazos, preços, qualidade e repartição de benefícios devem ser verificáveis por terceiros de confiança. Direitos coletivos e salvaguardas com proteção de conhecimento tradicional, uso de imagem, consentimento livre, prévio e informado (CLPI) e mecanismos de contestação. Previsibilidade nos contratos plurianuais, com revisão periódica e compromissos de compra, reduzem risco e viabilizam investimento local. Integridade territorial com cláusulas que reconheçam riscos territoriais (pressões ilegais, conflitos, logística) e estabeleçam respostas compartilhadas.
Ao trazer ferramentas e exemplos concretos, o painel aproxima mundos - jurídico, empresarial e comunitário - em torno de um objetivo comum: dar escala à sociobioeconomia com equidade e segurança. Na linguagem de quem vive o território, contrato ético é ponte: dá previsibilidade, distribui valor, protege saberes e coloca a floresta no centro do desenvolvimento.
Quem participou
● Narayamat Suruí - Centro de Medicina Tradicional Lauata Atauá / Olauatauá (RO)
● Luiz Bras Filho - Imaflora / Rede Origens Brasil
● Yanê Amoras - Chefe de Pesquisa Jurídica, AIC
● Aline Souza - Sócia, SBSA Advogados
● Gaia Rass - Pesquisadora, Laquima
Próximos passos
A AIC seguirá apoiando capacitações, pilotos e instrumentos jurídicos e financeiros para contratos éticos entre empresas e povos da floresta, do território para o mundo - com monitoramento independente e resultados mensuráveis de impacto socioambiental.
Quer conhecer metodologias, checklists e modelos de cláusulas? Entre em contato com a AIC para acessar materiais de referência e co-desenhar contratos éticos alinhados ao seu projeto.
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