O Ministério Público deverá receber mais uma denúncia bombástica, envolvendo a Prefeitura de Ananindeua: uma possível fraude licitatória de R$ 22 milhões, para beneficiar duas empresas supostamente fantasmas. O caso foi denunciado ao Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCMPA), em abril deste ano, pelo advogado Ewerton Almeida Ferreira. Após sete meses de investigações, técnicos do tribunal concluíram que a denúncia é procedente. No começo deste mês, devido a gravidade dos indícios de irregularidades que encontraram, eles recomendaram o envio do caso ao Ministério Público de Contas (MPC), o que deverá ocorrer nos próximos dias. O secretário municipal de Saneamento, Rui Begot, e dois ex-secretários seriam os responsáveis pelas ilegalidades.
A licitação milionária foi realizada em janeiro do ano passado, para o aluguel de máquinas e veículos pesados para a manutenção de ruas, pela Sesan, a secretaria municipal de Saneamento. O vencedor foi o Consórcio CSP, liderado pela Socorro Construções e Serviços e com participação da Perene Soluções Sustentáveis. Mas como descobriu o advogado, a licitação foi marcada por indícios de irregularidades, a começar pelos endereços das duas empresas. A Socorro funcionava na residência do proprietário, Francisco Israel da Silva, uma casa comum sem placa empresarial. Registros contábeis obtidos pelo DIÁRIO mostraram que ela não possuía nenhum local para guardar nem essas máquinas, nem os caminhões de lixo que, posteriormente, alugou à Prefeitura.
Já o endereço da Perene (avenida Rua Débora Calandrini, 580 B, no bairro de Águas Lindas), aparentemente, nem sequer existia. Segundo o advogado, na avenida constavam os números 610, 596, 594 e 570, mas não o número 580 B. Além disso, todos esses números mais próximos eram de galpões sem placas comerciais ou qualquer referência à Perene. Já o endereço do dono dela, José Maria Antunes Leitão, era ainda mais fantasmagórico. Seria à Rua Seis, 58, no conjunto Júlia Seffer, bairro de Águas Lindas. Mas lá só havia um terreno baldio. “Trata-se de informação altamente preocupante, pois a ausência de sede física minimamente estruturada é um sinal clássico de empresas fantasmas, comumente utilizadas em esquemas de contratação fraudulenta”, escreveu o advogado.
Segundo ele, a falta de uma sede compatível com o tamanho de um contrato público contraria a Lei das Licitações. E indica, também, possível “direcionamento” licitatório: a tentativa de entregar o contrato a uma empresa previamente escolhida. Uma prática proibida pela Lei das Licitações e que “afronta o interesse público e os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e isonomia”. O advogado também não localizou, no processo licitatório, qualquer documento comprovando a capacidade técnica da Socorro Construções, a líder do consórcio, para um contrato milionário desse tipo. Pelo contrário: as atividades dela não batiam com as exigências do Edital, o documento que rege uma licitação.
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O Edital previa o aluguel de máquinas e veículos pesados com motorista/operador. Mas nos registros de todos os órgãos públicos, as atividades dela incluíam apenas o “aluguel de máquinas e equipamentos para construção sem operador”. Segundo o advogado, a falta de comprovação de capacidade técnica “revela flagrante violação aos princípios da eficiência, legalidade, seleção da proposta mais vantajosa e mitigação de riscos contratuais”, previstos na Lei das Licitações, e expõe os cofres públicos “a riscos elevados” de inexecução contratual e má prestação do serviço. As possíveis irregularidades, disse ele, podem configurar improbidade administrativa e crimes contra as licitações e a Administração Pública, com penas que podem chegar a 11 anos de prisão.
E após o MP, como fica?
Após a denúncia do advogado Ewerton Ferreira, técnicos do TCMPA se debruçaram sobre o caso. Os possíveis responsáveis (o atual secretário de Saneamento, Rui Begot, e os ex-secretários Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo e Márcio Tavares de Sousa) foram citados para apresentar defesa.
Mas apesar das argumentações deles, os técnicos concluíram que há, sim, indícios de irregularidades naquela licitação. E indícios tão graves que, além de opinarem pela procedência da denúncia, recomendaram que ela seja enviada ao Ministério Público de Contas (MPC), que atua junto ao TCMPA. Após investigar o caso, o MPC poderá denunciá-lo ou não ao tribunal, para julgamento.
Empresa teria participado de triangulação para beneficiar Norte Ambiental
Esse contrato de R$ 22 milhões não é o único rolo entre a Socorro Construções e a Prefeitura de Ananindeua. No ano passado, a empresa teria participado de uma triangulação, para que o prefeito Daniel Santos conseguisse contratar os caminhões de lixo da Norte Ambiental, que pertence ao empresário Cleiton Teodoro da Fonseca, amigo dele. Tudo começou quando a Prefeitura tentou realizar, no início deste ano, uma licitação de R$ 180 milhões para a coleta do lixo. Eram R$ 100 milhões a mais do que ela pagava às duas empresas que realizavam o serviço.
Mas foram tantas as denúncias de irregularidades que a licitação acabou revogada três vezes. A principal suspeita era de que o prefeito tentava entregar o megacontrato à Norte Ambiental. Tanto assim que caminhões da empresa foram flagrados recolhendo lixo, em várias ruas de Ananindeua, antes mesmo do resultado da licitação e sem que a empresa possuísse contrato para isso. Com o cancelamento do certame, a Prefeitura alugou, sem licitação, 25 caminhões de lixo e 5 microtratores que pertenceriam à Socorro. O contrato foi de R$ 12 milhões para um ano.
Só que o DIÁRIO descobriu que a Socorro tinha características de uma empresa fantasma. Na casa de 108 metros quadrados onde funcionava, em uma passagem estreita, não havia placa comercial e nem espaço para esses caminhões e as 60 máquinas pesadas que já alugava à Prefeitura. Segundo registros da Junta Comercial do Pará (Jucepa) ela não possuía filial e nem mesmo um veículo de passeio. O próprio dono da empresa admitiu ao repórter Paulo Cidadão, da TV RBA, que havia alugado esses caminhões de outra empresa. No entanto, ele se negou a revelar ao repórter qual a empresa proprietária desses veículos. Mas através das placas dos caminhões que vinham realizando a coleta do lixo, o DIÁRIO confirmou, junto ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran), que eles pertenciam à Norte Ambiental. O jornal também obteve fotografias de vários desses caminhões estacionados em um terreno da Norte Ambiental, no município de Marituba, alguns deles até adesivados com a logomarca da Prefeitura de Ananindeua. Devido a várias irregularidades, o TCMPA determinou a suspensão do contrato.
Mas nem assim Daniel Santos desistiu do propósito de beneficiar a empresa de seu amigo. No último mês de julho, a Prefeitura realizou uma licitação para alugar 25 caminhões e 5 microtratores, para a coleta do lixo. Seis empresas participaram da disputa, mas cinco foram eliminadas, por falta de documentos. Restou apenas a Norte Ambiental, que, assim, venceu a licitação. O contrato inicial foi de R$ 19 milhões por ano. Ou 58% a mais do que era pago à Socorro. Para justificar o aumento, a Prefeitura incluiu no contrato o pagamento do combustível pela Norte Ambiental.
Na campanha eleitoral do ano passado, Daniel Santos foi flagrado visitando vários municípios paraenses, em um avião da Norte Ambiental. No último mês de outubro, foi flagrado passeando com a esposa e os filhos em um jatinho cedido pela empresa. Segundo o portal da Transparência, entre 2023 e o último 14 de outubro, a Norte Ambiental recebeu mais de R$ 63 milhões da Prefeitura, pela recuperação de ruas e o aluguel de caminhões de lixo. O passeio do prefeito no avião cedido por uma empresa que recebe milhões da Prefeitura virou escândalo nacional.
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