O avanço acelerado da estética facial no Brasil caminha lado a lado com uma zona cinzenta que mistura promessas de rejuvenescimento, disputas por mercado e lacunas na fiscalização. Em um cenário onde técnicas cada vez mais invasivas são oferecidas fora do ambiente hospitalar, casos de intercorrências graves deixam de ser exceção e passam a funcionar como alertas tardios sobre os riscos de um setor que cresce mais rápido do que os mecanismos de controle.
É nesse contexto que a cirurgiã-dentista Cynthia Heckert Brito foi denunciada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por lesão corporal grave, após uma paciente, a advogada Eloah Lins, de 56 anos, permanecer 12 dias internada, parte deles em CTI, em decorrência de um erro em um procedimento estético facial. Desde o último dia 11, por decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), a profissional está impedida de atuar até a conclusão do processo.
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Na decisão, o juiz Antônio Alves Cardoso Júnior, da 28ª Vara Criminal da Comarca da Capital, considerou a suspensão necessária para a “garantia da ordem pública, a fim de coibir a reiteração criminosa”. Eloah relata que só tomou a real dimensão da gravidade do quadro ao chegar ao hospital. "O meu pai, de 85 anos, foi chamado para se despedir da filha. Olha o trauma que isso não causou", afirmou em entrevista.
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HEMORRAGIA INTERNA GRAVE
Segundo a advogada, o procedimento de platismoplastia - técnica voltada à redução da flacidez e do excesso de pele no pescoço - foi realizado em uma segunda-feira. Dois dias depois, ao perceber dor intensa e um hematoma acentuado próximo à boca, ela retornou ao consultório. "Eu já estava deformada, e aí ela falou: 'Nós vamos fazer uma drenagem linfática'. Me cobrou uma drenagem e não serviu de nada", relata. Ainda segundo Eloah, foram feitas novas drenagens e aplicações de fitas na tentativa de conter o avanço do hematoma.
Sem melhora, e se sentindo cada vez pior, Eloah voltou a procurar a dentista dias depois. No sábado daquela mesma semana, convencida pelo marido e por uma amiga, decidiu buscar um hospital, onde acabou internada imediatamente. O diagnóstico foi de hemorragia interna grave. "Ela perfurou a minha garganta com a cânula. Então, deixou uma hemorragia interna. Por isso o roxo só aumentava, e eles não conseguiam controlar", afirma a paciente.
INTERNAÇÃO EM CTI
Ao todo, Eloah ficou cinco dias em CTI, passou por unidade semi-intensiva e depois permaneceu mais quatro dias em um quarto hospitalar. Mesmo após a alta, precisou realizar procedimentos adicionais para evitar a necrose da região afetada. Durante a internação, Cynthia chegou a visitá-la, mas a advogada critica a postura adotada. "Ela dizia que era uma intercorrência. Se fosse isso, ela deveria ter me levado imediatamente ao hospital. Não deixar o paciente morrer em casa", desabafa.
A decisão judicial também determinou que o Conselho Regional de Odontologia envie o cadastro da profissional e a lista de procedimentos para os quais ela está formalmente habilitada. Já o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) foi acionado para esclarecer quais são as exigências legais e administrativas para a realização de cirurgias estéticas, tanto em hospitais quanto em clínicas privadas, e se os procedimentos feitos por Cynthia são exclusivos da medicina.
HARMONIZAÇÃO OROFACIAL
O caso ganhou ainda mais contornos controversos após a constatação de que, embora Cynthia apresente em suas redes sociais números de registro tanto no Conselho Regional de Odontologia quanto no de Medicina, não há registro ativo no CRM. Procurada, a dentista não respondeu aos contatos da reportagem. Após a suspensão, ela retirou seus meios de contato das redes e publicou um vídeo em tom institucional, sem mencionar o processo ou a proibição de atuar.
No texto divulgado, Cynthia afirma ter mais de 15 anos de atuação como cirurgiã-dentista e 12 dedicados à harmonização orofacial, com foco em lipo de papada e platismoplastia. Diz ainda manter "compromisso constante com cursos, atualizações e especializações", defendendo a segurança das técnicas que aplica.
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