Quase a mesma cidade das últimas três décadas. Maior, sim. Mais habitada, também. Porém, preservando velhos hábitos. Tradições e costumes interioranos. Um modo de vida bem diferente do que a capital está acostumada. O “Cametá way of life”. Um município com mais de 300 anos que fecha para o almoço. É isso mesmo, depois do meio dia a cidade some. Ninguém na rua, o movimento reduzido dá aquela impressão de feriado. Bater na casa de alguém, somente após às 15h, quando o peso do Mapará no almoço não for mais sentido.
Lugar onde qualquer festa é carnaval. Seja de santo, clube ou aniversário. Tudo vira carnaval. Mas a cidade cresceu e Cametá, apesar de conservar algumas características antigas, precisou se render a outras. Nada proposital. O desenvolvimento traz mudanças. Algumas para o bem, outras para o mal, a exemplo da violência. Não aquela insegurança sentida nas grandes capitais brasileiras, apenas uma observada por aqueles habituados à paz e à tranquilidade em tempo integral.
Na chegada ao município, o visual é de encantar turistas e nativos. O rio largo, de estilo já conhecido da região amazônica, vai beirando casarões antigos e igrejas católicas. Muitas igrejas. Do barco é possível ver quatro, mas a cidade abriga seis, em pouco mais de três mil quilômetros quadrados de extensão. No entanto, talvez, o que mais se saiba sobre essa cidade é a linguagem peculiar. Há lá uma aliança francesa que prende línguas. “Já me vu”, “puco”, “sumano”. Uma mistura de idiomas capaz de criar um dialeto ímpar. Trocar o “ou” pelo “u” e o “ei” pelo “ê” é uma lição básica para entender o que se diz por lá.
E de onde eles absorveram essas mudanças? “Os franceses vinham muito aqui para brigar pela terra com Portugal. Muitos franceses moraram no Carapajó (região de Cametá) para defender o condado dos espanhóis”, explica Milton Peres, um dos mais antigos moradores da cidade. Ele mora em uma bela casa de 130 anos, em frente a Praça dos Notáveis, e mesmo do alto de 82 anos mantém uma memória invejável. Memória que conta parte da história da bucólica Cametá, sem pestanejar toda vez que perguntado.
Ele observa algumas tradições cametaenses se dissolvendo, mas avalia as mudanças positivas. “Tínhamos festas de clubes muito tradicionais, mas elas eram dividas por classes sociais. Com o tempo esses clubes caíram, vieram as escolas de samba. Mas as coisas mudam, naquela época eram 12 mil no município, hoje são mais de 23 mil almas”, aponta ele. Envolvido diretamente com a política local, Milton Peres, continua discutindo os rumos da cidade com avidez e entusiasmo. Com a segurança de quem já tem muita experiência.
Mas em Cametá, testemunhas do crescimento não faltam. João Maria Redig, 74 anos, morador da cidade, membro da Igreja de São João Batista, valorizador da hora da refeição como hora sagrada. Na primeira tentativa de entrevistá-lo, a janta havia sido servida e nem por um momento se intencionou interrompê-la. Anoiteceu e a conversa ficou para a outra noite.
Contrariando os costumes antigos de dormir cedo, João Maria trocou uma conversa longa pelos coretos da praça quase à meia-noite.
Olhando a calmaria, ele comparou as preocupações de cada época. “Antigamente o nosso único medo era a Matinta Pereira e as visagens, não tinha assalto. O açougue que matava um boi e ele dava para o outro dia”, lembra. O saudosismo continuou. “O meu primeiro sono era na praça, sinto falta dessa tranquilidade, hoje não dá para fazer mais isso”, avalia.
Mesmo não usufruindo da pacificidade de outrora, ele não troca Cametá por lugar nenhum. “Eu gosto dessa vida daqui, esse vento, os amigos. Arrisco dizer que sou o morador mais antigo dessa cidade”, conta. Quando João Maria vai a Belém, logo pensa em voltar.
Passo pouco tempo, mas não gosto de ir, não. É muito diferente, mais quente. Até o suor é diferente, é mais forte”, comenta.
Cametá tem mesmo seus encantos, tantos que contagiam. Quem nasceu lá, quem se mudou para lá, quem saiu de lá, todos carregam fortes lembranças. Leonor Dias nasceu em Catalão, comunidade um pouco distante da cidade, mas em Cametá mora há mais de 20 anos e criou quatro filhos. “Eu vim de um interior para cá e amo essa cidade. O que mais gosto são as festas dos santos, temos muitas aqui e eu participo de todas”, afirma.
E a filha confirma. Rossiclene Dias é cametaense desde os 6 anos e quando pensa sobre a cidade, não deixa de notar o crescimento. “Antes a gente vinha para o Círio e era só uma embarcação, hoje são três grandes e mais várias pequenas. Não é só o pessoal da Paróquia que participa. As festas dos santos são lindas e animadas. E ainda temos um dos melhores carnavais do Estado”, comenta.
Cametá até mudou nos últimos 30 anos, mas os cametaenses, esses com certeza, alimentam o que de melhor há na cidade mesmo que os anos passem.
(Diário do Pará)
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