Como em todo grande cabo de guerra, o ônus maior, na hora em que a corda arrebenta, cai sobre o lado mais fraco. Não está sendo diferente em relação à suspensão da exportação de bois vivos a partir do porto paraense de Vila do Conde, em Barcarena. O local está fechado desde o dia 6 de outubro, após o naufrágio do navio Haidar, que levaria 5 mil animais para a Venezuela.
Em meio aos esforços da Companhia das Docas do Pará (CDP) e do próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no intento de satisfazer as exigências da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semas), para regularizar o funcionamento do porto, a enorme cadeia produtiva do boi vivo no Pará começa a entrar em sofrimento, em todo o Estado. É ela que gera empregos e renda para milhares de famílias, que estão prestes a passar um Natal de muitas dificuldades, se nada se resolver.
REAÇÃO EM CADEIA
E basta entrar minimamente em contato com esse ciclo de trabalho para se entender como é pequeno pensar que os prejuízos se limitam à balança comercial do Estado ou aos grandes empresários. “Não é como transporte de tora, que você embarca e pronto. Transporte de boi vivo envolve muitos fatores”, diz o superintendente federal de Agricultura no Pará, Josenir Nascimento.
Ele destaca que o setor envolve o comércio de bezerros, a criação dos animais em fazendas, transportadores, a fazenda-hotel, onde os bois ficam de quarentena. “É algo que gera mais empregos do que muitos outros setores da economia. Daí, o prejuízo para o Estado ser tão alto”, lamenta Josenir Nascimento. Só no ano passado, o Pará movimentou R$ 2,5 bilhões, com o embarque de mais de 500 mil bois vivos.
Para se ter uma ideia da gravidade da situação, atualmente, de acordo o superintendente da Associação Brasileira de Exportadores de Gado (ABEG), Gil Reis, há 56,5 mil animais no Pará, esperando o embarque. O efeito cascata desse entrave é enorme. Há, por exemplo, uma frota de mais de 300 caminhões, cujos motoristas estão parados, sem renda ou emprego. As famílias cadastradas junto à Secretaria de Assistência Social do Município de Barcarena contam com doação de galões de água mineral, máscaras contra pó e cestas básicas fornecidas pelas empresas associadas à ABEG.
Gil Reis aguarda a reabertura do porto de Vila do Conde e pondera que não há justificativas técnicas para a manutenção da paralisação. A ABEG teme o impacto financeiro para o Estado, caso a suspensão seja mantida. “A exportação de bois vivos é o segundo item do comércio exterior do Pará, atrás apenas do minério”, diz. Ele ressalta: há riscos de o Estado perder a preferência de embarques no País, com a entrada de outros portos no setor, como já está acontecendo em Itaqui, no Maranhão.
Apreensivos, produtores temem impactos
Ex-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas, o produtor e pecuarista Mauro Lúcio Costa foi obrigado a vender um lote de animais vivos destinados à exportação. E a venda acabou sendo feita a um preço mais barato, para outra finalidade, já que o porto de Vila do Conde não está operando. “Existe uma apreensão muito grande. Nada pior do que ter o produto e não ter o mercado”, analisa, sem esconder a aflição de o Pará perder a preferência para a concorrência. “Há, sim, que se fazer as coisas com mais segurança. Mas tem de lutar para reabrir. Não pode fechar o porto”. Como se não fosse o bastante, o impacto psicológico do fechamento do porto de Vila do Conde pode tornar o problema ainda maior do que realmente é, no entendimento de Mauro Lúcio. “Quem vai querer investir em uma atividade que está perdendo mercado?”, indaga o pecuarista.
O produtor também reconhece a importância da exportação do boi vivo para o crescimento de outros negócios que geram renda. “Esse tipo de exportação pode não ajudar na verticalização da pecuária, mas ajuda na verticalização da agricultura.
O que Barcarena dá ao Pará, nenhum outro município dá a outro Estado”, cita, referindo-se à logística criada em torno da atividade, e que dá competitividade ao Pará em comparação a outros mercados. Na tentativa de ilustrar o que pode vir a ocorrer, Costa faz uma comparação aos efeitos negativos do embargo recomendado pelo Ministério Público em relação à compra de carne paraense, em 2009. “Aquele foi um golpe duríssimo na época. Desde lá, a pecuária local trabalhou muito para evoluir”. Segundo ele, é preciso trabalhar para reabrir o mercado de exportação de bois vivos. “Fechar não resolve nada e ainda prejudica uma série de outras atividades relacionadas”.
Ministério da Agricultura questiona veto a porto
O superintendente da Agricultura no Estado, Josenir Nascimento, lembra que os atuais 500 mil embarques anuais de bois vivos do Pará já chegaram aos 900 mil no passado. O novo baque, com o fechamento de Vila do Conde, vem após queda acentuada depois de acordos internacionais - algo que já teria sido revertido pela ministra da Agricultura, Kátia Abreu. “Agora, com abertura de mercado para a Arábia Saudita e Turquia, há a possibilidade de boom no setor, mas um negócio desse passa, para quem compra, uma insegurança que pode fazer com que se deixe de procurar os exportadores brasileiros em função de uma notícia que está correndo no mercado”, explica.
A ABEG informa que, em 2014, o embarque de meio milhão de animais pelo porto de Vila do Conde movimentou nada menos do que cerca de R$ 2,5 bilhões. O modus operandi da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) no Pará em relação à reabertura dos portos causa, além de muita preocupação, estranheza a Josenir. “Não dá para entender porque a Semas do Maranhão tem tanta agilidade e a do Pará não tem”, questiona, referindo-se ao funcionamento do Porto de Itaqui, para onde já estão sendo encaminhados os animais que não podem ser exportados a partir do Pará. “Se tem licença de operação, só não pode o que é proibido! Por que uma licença de operação específica pra bois vivos? No Maranhão não tem isso. Isso não existe: é querer brincar e dar insegurança ao setor”, critica. O superintendente reforça que o próprio Ministério da Agricultura não vê impedimentos para que o porto de Vila do Conde volte a funcionar. “Para se ter uma ideia, os técnicos que estão operando em Itaqui são nossos, até a mão de obra estamos mandando”.
Ao mesmo tempo, o presidente da CDP, Parsifal Pontes, indica que a autorização dada pela Semas para que 51 mil cabeças embarcassem essa semana em Vila do Conde, após muita pressão de produtores, apenas confirma a motivação política do fechamento do porto.
Os embarques emergenciais foram feitos dia 29. Mas outros sete mil bois que ainda aguardam na fila serão despachados novamente por Itaqui (MA). Pontes volta a reforçar que a CDP cumpriu o exigido pela Semas. Mas, segundo ele, a secretaria insiste em exigir novas análises e documentações. “Agora querem o levantamento da área de influência da Baía do Guajará para saber da qualidade da água. Isso não tem nada a ver com o embarque”. Para Parsifal, se podem sair 50 mil bois, podem sair 500 mil, um milhão de cabeças ou mais. “A CDP não tem mais o que fazer. O porto está pronto, se quiser voltar a embarcar amanhã, embarca”, garante. “Vai chegar uma hora em que vão ter que reabrir, em que a Semas não vai ter mais documentação para pedir. Enquanto isso, fica prejudicada toda uma cadeia no Estado, e principalmente, as pessoas que dependem dela”, expõe.
Semas segue dizendo que CDP não acata as exigências
Em nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas)confirmou que a abertura do porto de Vila do Conde para o embarque de 51 mil bois no último dia 29 não significa a liberação das atividades do porto em definitivo. A Semas explica que os exportadores apresentaram um plano de emergência que não atende a todos os protocolos necessários no contexto após o naufrágio do navio Haidar, mas que ao menos “garante segurança” para o transporte dos animais confinados em áreas de pré-embarque.
“A liberação é provisória e emergencial, para evitar novos danos econômicos para o Estado e também para os animais que estão estabulados desde o início do acidente”, disse a Semas, em nota.
A assessoria informou ainda que a reabertura “vai depender do cumprimento total das exigências feitas pelos órgãos ambientais (Plano de Ação para a retirada total da carga submersa e Plano de Contingenciamento, que dará um direcionamento caso algum acidente semelhante ocorra)”.
A Semas cita ainda a CDP, que ainda não teria cumprido tais procedimentos. Sobre uma possível má vontade política por parte do Governo do Estado em reabrir, o porto, a Semas reproduz aspas de publicação do governador Simão Jatene em rede social: “No estado moderno, numa sociedade democrática de direitos, existem instâncias, regras e procedimentos que devem ser seguidos. Existe a lei. Mas isso deve ser de difícil compreensão quando se pensa o poder numa velha perspectiva absolutista e imperial, típica de quem só o compreende como instrumento de “ter” e “ser”, jamais de fazer. Que a história siga seu curso transformando corações e mentes”.
Caminhões perdidos e motoristas demitidos
Proprietária de uma transportadora com sede em Castanhal há 20 anos, a empresária Telma Cruz não esconde a angústia ao falar sobre a crise do veto dos embarques em Vila do Conde. É algo inédito na história de sua empresa, que conta com colaboradores que atuam em municípios como Jacundá, Moju, Goianésia do Pará, Tailândia, Mãe do Rio e São Miguel do Pará.
“Metade da minha frota própria, que é de 60 carros, está parada e já tive de demitir motoristas”, afirma. “Quando os motoristas que fazem serviço terceirizado para nós me ligam, eu me aborreço, mas por não ter o que dizer!”, conta, referindo-se a não saber de uma previsão para a reabertura em definitivo do porto paraense. O cenário descrito por Telma pós-fechamento é desolador: motoristas devolvendo caminhões porque não têm mais como arcar com as prestações do financiamento e até passando necessidades, postos de gasolina à míngua, bem como borracharias e oficinas. “Quem está no Governo não tem ideia do que é estar aqui embaixo. Eles não sabem o tamanho do estrago que estão fazendo”, desabafa. Ela estima que fechará sua receita de 2015 com lucro abaixo de 60%, em relação ao que faturou em 2014. “Não sei o que fazer se isso continuar. Sei que muitas outras pessoas estão prestes a perder suas carretas”.
ENTENDA
O PREJUÍZO
- 56,5 mil animais do Pará aguardam o embarque para o exterior.
- R$ 2,5 bilhões foi o movimento, em 2014, com embarque de mais de 500 mil bois vivos no Pará. Estado fazia 95% dos embarques do Brasil, até o incidente de Vila do Conde.
O PARÁ PERDE
Segunda pauta de exportação do Pará, atrás só dos minérios, os bois vivos integram uma cadeia de 100 mil propriedades no Estado, com 23 milhões de bovinos 300 carretas estão paradas pela suspensão dos embarques no Pará. A crise afeta motoristas e suas famílias.
(Carolina Menezes/Diário do Pará)
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